Professor associado ao Departamento de Engenharia de Biossistemas da Área de Mecânica e Máquinas Agrícolas e coordenador do LAP (Laboratório de Agricultura de Precisão) da Esalq-USP
Um relato seco, sem rodeios de como está a adoção da Agricultura de Precisão na cultura da cana-de-açúcar. Assim pode ser definida a entrevista com um dos maiores nomes da matéria, o professor José Paulo Molin.
Realizada logo depois da participação da Revista Canavieiros na 33ª Jornada de Agricultura de Precisão, que ocorreu na Esalq-USP, a conversa direcionou para os pontos sensíveis dos canaviais, que em decorrência do seu teor pode até ser contundente num primeiro contato, mas após um exercício de interpretação serve como uma sequência de pontos georreferenciados (corrigidos com o RTK) num caminho um tanto longo, porém possível de ser cumprido, rumo à conquista do ganho de rentabilidade.
Dentre essas melhorias, com certeza a principal delas é embarcar alguma tecnologia nas colhedoras que finalmente consiga reproduzir a produtividade com alta densidade de dados, prática também conhecida como mapa de colheita.
Na visão do professor, com essa e algumas outras informações, como a leitura da condutividade elétrica do solo, o produtor terá maior segurança para a tomada de diversas decisões como formato do talhão, escolha de variedades (inclusive alternando na própria linha), levantamento de falha, aplicação variada de adubos e defensivos, entre outras.
Tamanha resiliência sobre o tema faz com que Molin e seus graduandos, mestrandos e doutorandos, que formam o time do Laboratório de Agricultura de Precisão (LAP), estejam muito próximos de entregar uma solução robusta que poderá trazer à cana um salto dentro dessa área não visto desde a implementação do piloto automático.
Acompanhe a seguir mais detalhes sobre o assunto:
Revista Canavieiros: Em qual ponto da agricultura de precisão está a cana-de-açúcar?
José Paulo Molin: O maior avanço em cana-de-açúcar foi sem dúvida a utilização de tecnologia nas máquinas a começar pelo piloto automático. A cultura foi a pioneira no Brasil, a primeira a provocar o mercado e por isso precisou enfrentar muitos problemas, pagou para aprender.
Precisou assimilar como corrigir distorções de localização com o sinal RTK e, constituir os marcos georreferenciados, foi uma tarefa bastante dolorida para muitos que estavam no campo naquela época. Mas, mesmo diante das dificuldades, o assunto andou bem por se tratar de uma tecnologia de uso imediato, ou seja, que é adquirida e já tem o benefício.
Também é preciso reconhecer que ela foi a primeira cultura, pelo menos aqui no Estado de São Paulo, a fazer amostragens a taxas variáveis. O momento de mercado na época era muito melhor para a cana, fizeram bastante, e me lembro muito bem quais foram as usinas pioneiras. No entanto, isso foi ficando para trás. Não que hoje não façam, mas diminuíram.
Revista Canavieiros: Especifique um pouco mais esse “ficou para trás”, por favor.
Molin: Perdeu-se a visão de agricultura de precisão. Em outras palavras, uma agricultura com mais precisão. A cana parou de provocar, de cobrar do mercado soluções para a falta do mapa de colheita, por exemplo. Sem ele, não consigo a correta reposição de nutrientes.
Minha percepção é de que foi assimilada por quase todos uma linha de pensamento falsa de que é difícil, não é prático, que perante uma frente de colheita multimáquinas e marcas, a dificuldade é ampliada. Vejo tudo isso como uma questão de desenvolvimento tecnológico e implantação de soluções.
Para cobrir a falta do mapa de colheita existe a justificativa de usar a imagem de satélite. Mas quem disse que ela reflete a produtividade, se não temos mapa de produtividade para confirmar que a imagem de satélite é uma informação útil? Nem isso temos ainda. É neste ponto que a cana ficou para trás.
Revista Canavieiros: O senhor acha que esse retardo tecnológico está ligado à crise que o setor atravessa há mais de 10 anos?
Molin: Tem uma relação muito forte, talvez o único fator que não converge para esse argumento foi o foco no piloto automático que, por ser outra vertente, tirou a atenção para a busca de informações sobre a variabilidade das lavouras.
Então, a definição correta é de que em cana a agricultura de precisão está concentrada em piloto automático e outros recursos relacionados. Quanto as questões direcionadas à gestão da variabilidade das lavouras, estas estão paradas e o período de vacas magras ajuda no desenho desse cenário.
Revista Canavieiros: Sobre o processo de sistematização dos canaviais, ainda há muito a evoluir?
Molin: A sistematização passou por épocas e principalmente a partir do fim das queimadas foi muito intensificada.
Hoje, com o piloto automático nas máquinas e a vinda, inevitável e muito provavelmente na lavoura canavieira, das máquinas autônomas (aquelas supervisionadas, mas sem a necessidade do operador), creio que a médio prazo tenhamos uma nova campanha de retalhonamento, termo que dou para a sistematização.
Nele, vejo que os talhões serão cada vez mais longos e as manobras de cabeceira automatizadas, não importando que tenham operador ou não, acarretando no alargamento dos carreadores.
Máquinas rebocadas, já existentes e que continuarão na cana, vão exigir um planejamento extremamente cuidadoso de suas passadas.
Revista Canavieiros: Isso significa que, finalmente, começaremos a ter um trabalho mais focado na redução de pisoteio em soqueira?
Molin: Temos sérias falhas de cana por problema de trânsito, o que não foi resolvido mesmo com o piloto automático e ocasionado principalmente pela questão do transbordo que, se articulado como na maioria das usinas, continuará pisando nas curvas.
Curva ou terreno inclinado é um grande problema, isso porque para fazer um percurso sempre terá o empuxo lateral. Diante disso, vejo que teremos um movimento natural de preferência para áreas planas, o que vai demorar um pouco mais, mas acontecerá.
Revista Canavieiros: O problema é que o relevo em que estão instalados os canaviais hoje não são planos...
Molin: Sim, não temos muito terreno plano disponível para a cana. Com isso, acho que teremos um processo de valorização dos que existem, e aí a sistematização vira um assunto secundário, pois começaremos a enxergar talhões quadrados ou retangulares e muito longos, como já acontece hoje na soja.
Revista Canavieiros: Mas não há como minimizar o problema do pisoteio do transbordo em curva ou relevo com tecnologia?
Molin: Existe solução mecânica. Eu diria que são dois caminhos, o primeiro é o desenvolvimento dos transbordos automotrizes, pois o direcionamento é otimizado para compensar a inclinação e curva. No caso dos articulados, é possível colocar um atuador no cabeçalho ou no esterçamento do rodado dianteiro do transbordo, o que não é algo do outro mundo, e inclusive já é utilizado no exterior.
Revista Canavieiros: Qual é o grau de utilização de sensores proximais nos canaviais?
Molin: Os sensores para cana têm hoje duas grandes vertentes que precisam ser trabalhadas. A primeira delas, e inclusive já existem consultorias vendendo, é o conjunto formado por sensores de solo que medem condutividade elétrica. Há opções de disco (que corta a palha) ou por indução (que trabalha por cima dela).
Para o seu uso é preciso tomar alguns cuidados: em primeiro lugar, quando utilizado o sistema de discos, para cortar a palha, é preciso colocar peso em cima. Também tem a questão da palha que, quando existente, pode contaminar a leitura em decorrência de sua umidade, lembrando que a condutividade é governada pela água e, esta, pela textura.
Esse trabalho gera ao produtor a variabilidade da textura na lavoura, sendo preciso executá-la apenas uma vez no talhão. Se realizada, não é preciso repetir o serviço porque essas características do solo são imutáveis.
Revista Canavieiros: E quanto ao trabalho de definição de ambientes de produção, não é a mesma coisa?
Molin: É necessário entender que ambientes de produção são macros zoneamentos com superbaixa densidade de dados. A leitura da condutividade elétrica do solo é de altíssima densidade e por isso consegue ser um grande detalhador de manchas do talhão ou gleba em análise.
Revista Canavieiros: O senhor havia falado em duas vertentes, qual é a segunda?
Molin: Há os sensores de biomassa que são embarcados nos pulverizadores e autopropelidos e transitam na cana enquanto ainda é possível andar com máquina.
Eles têm como concorrentes as câmeras que são carregadas em aviões, helicópteros ou drones. Contudo, é importante observar que embora o produto final seja semelhante, a forma de conseguir o resultado é bem diferente.
Na imagem aérea é preciso pensar muito na posição do sol, e por serem câmeras multiespectrais também exige um trabalho mais minucioso de processamento para a geração dos mapas, que é o NDVI.
O sensor embarcado em algum veículo terrestre não tem nada disso. Ele dribla a luz do sol ao invés de gerar imagem e produz números digitais (como latitude, longitude e o atributo desejado).
Revista Canavieiros: Sendo assim, qual deve ser o papel dos drones hoje?
Molin: Sua utilização, que é bem expressiva em cana, é através do uso de câmeras RGB, ou seja, imagens percebidas pelo olho humano. Desse modo, tem como função enxergar reboleiras e também problemas de linha, sendo agregado algum contador de falhas.
Revista Canavieiros: Falamos em sensores, mapas, máquinas, mas a cana nos apresenta um manejo que pelo menos, aparentemente, vai na contramão com o que imaginamos quando escutamos a palavra precisão. Como o senhor analisa a questão da volta do plantio manual?
Molin: Acho que nesse caso existem dois pontos do lado máquina que pegam forte. O primeiro é a colheita de muda e partindo da linha de raciocínio, pelo menos a médio prazo, temos a meiosi como sistema de plantio consolidado e podemos concluir que a fonte do manejo será através das mudas.
Assim, acredito que a colheita da linha mãe irá evoluir. Em outros países há muitas opções de cortadores e picadores e isso é um desafio porque a ideia de submeter esse material ao corte tradicional, mesmo protegendo a máquina, tem que ser descartada. Em meiosi não é preciso remover as folhas e a gema brotará com elas.
Então, penso que vamos simplificar a colheita da muda, que não terá transporte de longa distância e o deslocamento lateral não precisará ser mecanizado, mas o desafio maior será por uma máquina que distribui a muda.
Revista Canavieiros: Mas e o que foi desenvolvido até hoje?
Molin: As plantadoras não têm um distribuidor de mudas, elas são espalhadoras de toletes e não conseguem precisar a quantidade de gemas que jogam por metro. Não há um dosador de tolete desenvolvido para a cana-de-açúcar.
E para ver o tamanho do atraso, temos uma máquina desenvolvida para milho (semeadora de precisão) há mais de um século e enquanto não tivermos essa máquina para a cana, com determinada quantidade de toletes por metro linear, a alternativa de plantio manual é a mais indicada.
Revista Canavieiros: As culturas de rotação são cada vez mais importantes nas áreas de cana. Para quem cultiva soja ou amendoim dessa maneira, o que pode ser adotado em termos de agricultura de precisão?
Molin: Na soja temos uma situação quase plena de trabalho em decorrência do nível de maturação da cultura. No caso do amendoim, vejo dificuldades por seu manejo exigir cuidados maiores e o processo de mecanização de sua colheita ser menos globalizado, tendo como principais agentes as indústrias nacionais e regionais que têm seu ritmo de desenvolvimento muito mais lento se comparado com o que acontece em grãos, que possuem os principais players mundiais.
Também é preciso ponderar que as duas culturas são de ciclo curto, e o que for feito para elas, em termos de mapas de dados, pouco ou nada será útil no sentido de interferir naquilo que é o quebra-cabeça da cana-de-açúcar.
É preciso responder as questões sobre variabilidade espacial e temporal. Na primeira temos até uma noção, mas não medimos, não fazemos mapas, enquanto na segunda não conseguimos nem responder se as manchas de baixa produtividade se repetem no mesmo lugar.
Lembrando que já é possível fazer muita coisa em cana como pré-colheita, medir exportação de nutrientes, fazer amostragens, executar taxa variável na adubação, tratamentos localizados, utilização de piloto automático, tudo isso está disponível, no entanto, tem que ser usado.
Revista Canavieiros: Fale um pouco mais sobre a aplicação em taxa variável na adubação, por favor.
Molin: Eu acho que a cana-de-açúcar ainda tem alguns tabus. Um deles, e infelizmente não avança muito, é a aplicação nitrogenada. É correto afirmar que a cana responde ao nitrogênio, mas a medida tem sido bastante difícil de se quantificar.
Me recordo de uma frase do pesquisador do IAC, dr. Heitor Cantarella, um dos maiores investigadores da produtividade do solo que temos no país: “O retorno de nitrogênio em experimentos de cana é na ordem de 60%. De resto, nem resposta ele dá”. Isso significa que ainda sabemos pouco e temos que investigar mais.
Revista Canavieiros: Quanto as formas de escolha sobre o melhor método para definir como deve ser realizada a coleta de amostras de solo há sempre uma polêmica sobre a definição dos pontos através de grade ou unidades de manejo. O que o senhor pensa sobre isso?
Molin: Eu trabalharia em qualquer escala de tamanho de propriedade por zonas, ao observar as particularidades da cana, por conta do tamanho das fazendas e por terem talhões menores em relação ao grão, embora isso não signifique nada, pois o trabalho é por gleba. Delimitaria por zonas e trabalharia por elas porque temos visto que em operações de grande porte dificilmente se consegue implementar um sistema completo de agricultura de precisão.
Demanda gente, experiência, gestão, continuidade, perseverança, tudo isso é muito complexo nos canaviais gigantescos.
Para os pequenos e médios, a coisa é mais simples. Dá para ser eficaz investindo pouco, basta determinar as zonas e depois trabalhar nelas a vida inteira, sendo esse zoom muito forte sobre a propriedade o principal fator facilitador de implantação de manejos que contemplem a variabilidade.
Revista Canavieiros: Como começar esse trabalho de zoneamento?
Molin: Uma das camadas de informação será obrigatoriamente a biomassa. Como hoje ela é fácil de ser monitorada através de imagens acessíveis e retroativas, é possível fazer a reconstituição do histórico produtivo de uma determinada fazenda e, nas imagens mais novas, ter ganhos expressivos de resolução.
Vale lembrar que as imagens são apenas uma ferramenta, mas elas mostram apenas informações da cultura, sendo necessários dados do solo e, nesse ponto, volto a comentar da importância da leitura de sua condutividade elétrica.
Revista Canavieiros: Falando em imagens, ao longo da jornada foi mostrada uma foto de uma área de batata com preparo de solo (estava limpa de palhada) e era perfeitamente visível as manchas do talhão. Como essa é uma prática ainda usual dentre os fornecedores, o senhor acha recomendado a busca por situações semelhantes?
Molin: Essa pode ser uma camada muito interessante, que pode trazer coisas de solo que não tenho acesso em outro momento, senão naquele em específico da reforma. Aquela imagem do professor foi feita via aérea, mas se não tiver condições, é possível conseguir uma via satélite.
Quais foram as contribuições do LAP (Laboratório de Agricultura de Precisão da Esalq-USP) para o mundo canavieiro?
Molin: O Laboratório de Agricultura de Precisão já fez longas investigações em cana na adubação nitrogenada, muitos trabalhos utilizando sensores ópticos ativos para fazer nitrogênio tardio, aquele pós-brotação. Hoje sabemos bastante sobre essa matéria, contudo, percebemos que o mercado não aderiu a essa prática.
Mais recentemente estamos trabalhando em mapa de colheita, mapa de colheita e mapa de colheita. Temos uma patente que já está na mão de um fabricante sobre como coletar dados confiáveis para chegarmos até o mapa.
Também temos trabalhado bastante em como medir falha em cana. Estamos tentando entender se a utilização de drones é realmente a melhor opção.
Particularmente, vejo que precisamos trabalhar com outras alternativas de grande potencial de eficiência, como o sensor embarcado no trator do quebra-lombo, por exemplo, para medir plantio ou numa adubadora ou qualquer outra máquina que circule na pós-brotação em soqueira.
Se fizermos uma medida lateral de “tem cana ou não tem cana”, é possível conseguir muito mais exatidão do que medir de cima, porque por cima tem-se a copa, o que pode ser um fator enganador.
Outra coisa é que medindo por meio do drone, há problemas em identificar as particularidades da lavoura, que são variadas. Problemas que não temos ao usar a solução terrestre, pois o nível de detalhamento da imagem é muito maior e falo isso baseado num projeto que se encontra hoje na metade de seu desenvolvimento, e espero estar com todos os resultados até o meio do ano que vem.
Estão saindo outras coisas referentes a esse comparativo de imagens com sensores proximais como o sonar, por exemplo, equipamentos baratos que podem ser implementados pelo usuário e com maior qualidade, também com a ideia de ir a campo de carona com algum implemento para não aumentar o pisoteio da área.
Outra contribuição que estamos tendo é o estudo do impacto da falha na propriedade, montando um medidor, ou seja, uma equação que tende a quantificar a produtividade com a falha de fato, o que mostrará a viabilidade de um trabalho de replantio.
Também trabalhamos para tentar medir o grau de produtividade através da contagem de canas existentes na lavoura, utilizando ferramentas um pouco mais sofisticadas como o “Lidar”.