Mediador de relações positivas e sustentáveis

09/11/2020 Cana-de-Açúcar POR: Diana Nascimento

Entrevista: Denis Arroyo Alves - Diretor-executivo da Orplana

Desde o final do mês de setembro, Denis Arroyo Alves assumiu a diretoria executiva da Orplana (Organização das Associações de Produtores de Cana do Brasil). Com uma boa experiência no setor, Alves atuou como diretor de Parcerias e Agrícola em um grupo durante onze anos, dentro de um modelo inovador em que toda a produção e colheita de cana própria foram distribuídas a grupos de produtores que passaram a cuidar desde o plantio até a entrega de cana na usina. O foco desse modelo era migrar de custo fixo de produção de cana que, hoje com a mecanização passa de 80% para custo variável, algo possível graças ao Consecana.

Alves trabalhou de maneira muito próxima à associação e seus produtores, desenvolvendo uma relação positiva baseada num ganha-ganha real e entendendo as responsabilidades e interdependência de cada parte para juntos criarem e compartilharem de maneira justa um valor maior do que o obtido de forma individual.

Ele acredita que o que o levou à Orplana foi esse senso de justiça com foco não apenas em um dos lados e sim na cadeia de produção como um todo. "Quando recebi o convite pela diretoria e conselho da Orplana foi uma satisfação enorme. Sei o tamanho do desafio e que as oportunidades são ainda maiores uma vez que juntos somos mais de 10 mil produtores e 60 milhões de toneladas na Orplana e associações", revela.

Abaixo, ele conta quais são os desafios, como foi o processo de evolução, os pontos sensíveis e o trabalho da Orplana em prol dos produtores. Confira:

Revista Canavieiros: Como o senhor avalia a situação atual dos produtores e fornecedores de cana?

Denis Arroyo Alves: O produtor é, antes de tudo, feito de força, otimismo e fé. No setor canavieiro, as margens do negócio foram bastante pressionadas com a elevação dos custos de produção e os preços mais baixos nos últimos anos, o que levaram a um aumento no endividamento por parte do produtor. Mesmo neste cenário, o produtor de cana seguiu firme evoluindo em tecnologias, plantando e tratando seu canavial, pois sabe que a produtividade é fundamental neste negócio.

Na safra atual havia uma visão inicial de um ano extremamente crítico devido ao impacto da Covid 19. Os custos dos insumos foram realmente muito impactados pelo câmbio (dólar/real), porém a estratégia de buscar um mix mais açucareiro por parte das unidades industriais, aliada à retomada do consumo de etanol combustível no mercado interno, e uma safra de volume menor que a prevista inicialmente, devido às condições climáticas (longo período de seca), apresentam um cenário mais otimista em relação ao fechamento do valor do ATR ao final da safra.

Revista Canavieiros: Como os produtores estão reagindo frente ao Renovabio? Eles estão preparados e atentos para essa oportunidade?

Alves: O Renovabio tem como uma de suas bases a produção agrícola que transforma o carbono atmosférico em matéria-prima rica em açúcares e fibra. Portanto, os produtores de cana estão no centro do Renaovabio, pois é no campo que a descarbonização acontece.

Os produtores estão preparados e atentos. Há tempos o tema já havia sido inserido no Consecana, garantindo a participação do produtor nesta importante política governamental.

Estamos agora em fase de estruturação da remuneração correta e justa ao produtor que deverá receber CBios ainda nesta safra.

Revista Canavieiros: O produtor e fornecedor de cana evoluíram nos últimos anos. Qual foi a mola propulsora para isso?

Alves: Assim como todo o setor sucroenergético evoluiu com a chegada dos veículos flexfuel, o mercado globalizado de açúcar, a geração e exportação de energia de biomassa de cana e o crescimento do mercado de biotecnologia com leveduras de cana, os produtores também evoluíram e muito.

São vários anos de transformação com mecanização de colheita e plantio dos canaviais, adequação e atendimento de NRs, mudanças de legislação, novas regras para acesso ao mercado financeiro e linhas de crédito e práticas de gestão.

Talvez seja na gestão o ponto de virada dos produtores, onde eles deixaram de ser apenas plantadores ou fornecedores de cana para se tornarem empresários produtores de cana do setor sucroenergético. Neste ponto, acostumados a lidar com as inúmeras adversidades do negócio, eles tomaram as rédeas e encararam os desafios e mudanças de frente.

Hoje eles são certificados, conectados, mecanizados e ainda mais produtivos e ágeis. Tudo isso sem perder seus maiores diferenciais que são a paixão pelo campo e o orgulho de produzir energia e alimentos. Estão mantendo o foco no "agro" e crescendo no “negócio”.

Importante ressaltar o papel das associações de produtores e da Orplana nessa transformação e a busca por ferramentas, cursos e tecnologias que facilitem essa evolução do produtor. É um trabalho constante e que deve avançar ainda mais.

Revista Canavieiros: Novas tecnologias, agricultura 4.0, biotecnologia e sucessão ainda são pontos sensíveis para a atividade?

Alves: São pontos em contínua evolução, sem dúvida. Antigamente havia uma dificuldade enorme em conseguir acesso ao conhecimento, tecnologias e informações.

Hoje o problema é o oposto, é de excesso de artigos, novas tecnologias a cada dia, treinamentos a distância e muitos aplicativos e soluções na palma da mão.

O excesso também pode ser prejudicial e nesta hora as associações e a Orplana podem ajudar com um guarda-chuva e filtro para auxiliar os produtores no entendimento, avaliação e escolha dos melhores produtos e soluções. Com margens curtas é preciso separar o que é modismo do que realmente traz resultado e remuneração aos produtores.

Mas uma coisa é certa, no passado quem não estudava ia trabalhar na roça. Hoje só vai para a lavoura quem estudar e muito.

Revista Canavieiros: Muitos produtores de cana têm se mostrado pró-ativos diante de suas lavouras e também à própria atividade. Como o senhor avalia essa característica? Ela deve ser replicada por outros produtores de cana?

Alves: Não acho que seja uma condição exclusiva de produtores de cana e sim do ser humano. Alguns desbravam caminhos mais rapidamente e outros (normalmente a maioria) são seguidores por impacto e influência dos primeiros.

O que podemos fazer aqui, no papel de associações e principalmente da Orplana, é divulgar mais resultados dos produtores que têm desbravado novos caminhos e conseguido sucesso para que os demais possam se sentir estimulados e mais seguros para também avançarem.

Revista Canavieiros: Quais são os maiores desafios do produtor de cana atualmente?

Alves: Além de retomar um patamar de margens adequado, que é o principal desafio dos produtores e onde a questão dos CBios será muito importante, outros pontos sensíveis são a securitização da safra, redução do endividamento e menores taxas de juros para financiamento de plantio.

As associações e a Orplana têm trabalhado em diversas frentes junto ao governo e com apoio de inúmeros parlamentares para equacionar cada um destes pontos.

Revista Canavieiros: Quais os pleitos da Orplana em prol dos produtores para a safra corrente e as próximas?

Alves: Nosso projeto será de duas vias principais em sentidos opostos. Em uma delas, partindo da Orplana, vamos no sentido do produtor e associações para estarmos mais próximos. É estando perto que vamos mais longe. Precisamos vivenciar as dores e necessidades reais dos produtores para buscar soluções mais assertivas. Precisamos nos comunicar melhor para obter a união que será a nossa força de conjunto para então avançar de forma consistente.

A outra via será da Orplana para o mercado. Queremos apresentar o empresário produtor de cana aos clientes finais da cadeia de produção. Vamos fazer um posicionamento de valor do produtor no mercado. Onde não há valor, o que se discute é preço e quanto custa. É preciso nos comunicar com esse cliente final para que ele conheça nossas virtudes, a maneira sustentável, enxuta e ágil que atuamos, o amor pela terra, o nosso potencial produtivo, a geração de empregos descentralizada e distribuída por milhares de municípios. Vamos ouvir e buscar uma construção conjunta que gere valor.

É no campo que transformamos a energia do sol, água, ar e nutrientes em cana-de- açúcar, a matéria-prima mais versátil e de inúmeras aplicações industriais presentes na vida de cada cidadão.

Estamos abertos a parceiros que queiram caminhar nestas duas vias do trajeto conosco, para dentro e para fora da porteira.

Revista Canavieiros: Quais ações estão sendo trabalhadas no momento?

Alves: A Orplana trabalha com duas ações simultâneas, o Programa Muda Cana e o Projeto SegmentaCana.O Muda Cana é baseado em quatro pilares: mudança de atitude, união e associativismo, desenvolvimento do negócio e aprendizado contínuo, com o intuito de convergir as necessidades de seus produtores, permitindo a troca de conhecimento e experiências. Visando à sustentabilidade e a viabilidade dos negócios, o programa também aprimora a capacidade técnica e gerencial dos produtores. O SegmentaCana é um estudo aprofundado sobre os diferentes grupos de produtores de cana no Brasil, identificando suas responsabilidades ao longo da jornada de produção em parceria com as unidades industriais. As informações são coletadas através de pesquisa a campo e organizadas para desenvolver políticas setoriais focadas, um conhecimento regionalizado com melhores condições comerciais e ter um diagnóstico de sustentabilidade nos quesitos econômico, social e ambiental.

Existem outras ações sendo desenvolvidas junto ao Instituto Pensar Agro,  WABCG e aos Grupos de Trabalho coordenados com a Orplana de indicadores, ambiental, técnico, laboratório e jurídico.

Além de todos estes, temos rotineiramente a participação e representatividade no Consecana.

Revista Canavieiros: Desde setembro de 2019, a Orplana passou a ter abrangência nacional. No universo de produção de cana há diferenças e especificidades em relação às necessidades do produtor, dependendo de sua localidade. Como é trabalhar com essa pluralidade?

Alves: Cada produtor tem sua identidade e questões particulares. Só na Orplana são mais de 10 mil e posso garantir que se trata de um grupo bastante heterogêneo.

Nosso trabalho é garantir uma espinha dorsal com temas que sejam comuns a todos, bastante robusta para depois criar programas de apoio e desenvolvimento para tópicos específicos que serão apontados por indicadores e análises de dados regionalizados desses produtores.

Essa será a forma de avançarmos juntos, na mesma direção, mesmo não sendo totalmente iguais.

A diversidade e a heterogeneidade, se bem mapeadas e medidas, podem se tornar uma força principalmente para apontar estratégias vencedoras desenvolvidas em diferentes realidades e que podem ser ajustadas e aproveitadas em outras.

Revista Canavieiros: Como o senhor imagina o futuro do produtor de cana no médio e longo prazo?

Alves: Imagino o produtor forte como é hoje, ainda mais tecnificado, jogando em grupo, de igual para igual com os demais players da cadeia produtiva de forma sustentável e com alto valor percebido pelo mercado e instituições.

Revista Canavieiros: Nota-se, por parte de pessoas mais jovens, um maior interesse pela atividade de produção de cana. Que motivos explicam isso?

Alves: O agro vem mostrando uma força econômica que chama a atenção de todos, não seria diferente em relação aos jovens.

Além disso, a tecnologia e o avanço nas questões de sustentabilidade têm mudado a forma como o jovem percebe o agronegócio, isso tem acontecido muito na cadeia da cana-de-açúcar.

Outro ponto são os diversos programas de preparo e planejamento sucessório que têm ocorrido. Eu tive a oportunidade de conduzir por cinco anos um programa destes em que desenvolvemos mais de 80 sucessores, filhos de produtores de cana-de-açúcar, passando por organização societária, encantamento pelo negócio, como funciona essa atividade e como se pode atuar nela, um case de sucesso que apresentei em diversos fóruns dentro e fora do setor.

Um fator que tem ajudado a atrair os jovens são os agroinfluenciadores digitais. Eles são inúmeros e atuam em diversas áreas com postagens, discussões, lives e muita informação para o público em geral, mas principalmente aos jovens.

Um ponto que gostaria de ressaltar é a importância da participação feminina frente às propriedades rurais. Há um número expressivo, mas é um movimento crescente que tem trazido uma dinâmica nova para o setor com visões e ações distintas que irão nos levar a caminhos ainda melhores.

Revista Canavieiros: Que dica ou orientação daria a um produtor ou fornecedor de cana?

Alves: Não me acho à altura dos produtores para dar uma dica, mas tenho um desejo que quero compartilhar com eles.

Desejo que todos se unam e participem de suas associações ve sejam parte da Orplana.

Entendo que em curto prazo temos a impressão de ganhar mais sozinhos. Mas posso garantir, que assim como na cana, o ganho em conjunto no ciclo, do médio e longo prazo é o que nos manterá economicamente fortes.

Uma cana produtiva e admirada é feita de vários entrenós e não apenas um. O mesmo vale para a Orplana, as associações e produtores.

Um canavial produtivo, admirado e valorizado não é feito por um perfilho e sim pela soma de milhares deles. Assim precisamos ser. Somos mais de 10 mil e administramos e produzimos mais de 60 milhões de toneladas de cana. Vamos ser ainda maiores, juntos!