Meio Ambiente: uma crítica ao "Ativismo Judicial" e à atuação sufocante do Ministério Público no agronegócio

12/12/2018 Colunista POR: Revista Canavieiros
Não é de hoje que o produtor rural sofre com as diversas investidas Estatais impetradas pelos órgãos ambientais fiscalizadores e pelos representantes do Ministério Público em sua atividade produtiva diária. Não são raros os casos em que aquele pequeno proprietário/produtor rural se vê à beira da falência por arcar com vultuosa multa administrativaque lhe fora aplicada pela prática de um suposto ilícito ambiental.
 
Por muitas das vezes o produtor rural se vê sem caminho pela atuação incessante - e na maioria delas descabida - dos órgãos estatais responsáveis pela fiscalização das normas ambientais legais e infralegais, bem como do Ministério Público. Tudo começa por uma simples fiscalização, às vezes até mesmo de rotina, de representantes de órgãos ambientais (CFA, CBRN, Polícia Ambiental, etc).
 
Um fenômeno que vem ocorrendo com muito rigor, principalmente no Estado de São Paulo, fato este objeto até mesmo de um artigo de autoria do chefe geral da Embrapa Territorial, dr. Evaristo de Miranda, publicada no Jornal Estadão de 15 de outubro de 2018 (veja o artigo completo no final do texto), que após trazer vários números positivos da agricultura paulista, provados cientificamente, conclui que:

É tempo de tirar a agricultura paulista das mãos da Justiça, onde nunca deveria ter entrado. E declarar a constitucionalidade da lei do PRA. Não é a lei, mas, sim, sua impugnação na Justiça que há três anos provoca um efetivo retrocesso ambiental e impede a participação popular”
 
No caso citado, o pesquisador ambiental mundialmente conhecido refere-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público contra a lei paulista que instituiu o PRA (Programa de Regularização Ambiental) de propriedades rurais, lei esta que foi feita após diversas audiências públicas pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador. Na caneta de um único desembargador, ele atendeu liminarmente ao pedido feito e simplesmente suspendeu os efeitos da lei, o que não permite que as mais de 290 mil propriedades rurais do Estado de São Paulo possam regularizar-se nos termos do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012).
 
Ilustrando o que ocorre na prática com a vida dos produtores rurais paulistas, traçaremos aqui o que enfrentam diuturnamente em sua atividade com início em eventual fiscalização de órgão ou Polícia Ambiental, quando evidenciam eventual infração administrativa, é lavrado imediatamente o auto de infraçãoatribuindo ao infrator vultuosa penalidade de multa embasada em legislações diversas(Lei nº 9.605/98, Decreto Estadual nº 60.342/2014, Resolução SMA nº 48/2014, etc) que, em muitas das vezes, conflitam entre si e não são aptas à regulamentar a situação fática vista no campo.
 
Um efeito exemplificativo é o caso de um terceiro atear fogo dolosamente ou culposamente em uma lavoura de cana pertencente a um determinado produtor rural ou, ainda, quando sua lavoura é atingida por incêndio ocorrido e vindo de outro local e este (produtor), pelo simples fato de ser o proprietário desta cultura, ser autuado imediatamente, sem que tenha alguma participação com a atitude do malfeitor. A mesma prática de autuação não ocorre na área urbana com o dono do terreno baldio não cuidado que é atingido pelo fogo. Falta de isonomia.
 
Voltando aos fatos, recebido o auto de infração, o proprietário autuado comparece à sessão de atendimento ambiental (artigo 3º e seguintes do Decreto Estadual nº 60.342/2014), no caso do Estado de São Paulo, onde lhe são apresentados os motivos da infração, são aplicados eventuais descontos pertinentes e lhe é proposta a composição amigável através da formalização de TCRA - Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental. Até aí tudo bem, quando o auto de infração está lavrado de forma correta.
 
Contudo, com todo o respeito, vale fazermos a primeira crítica ao sistema do atendimento ambiental que reside no fato de que apenas é possível celebrar o acordo (firmar o TCRA) durante a sessão de atendimento. Recusada a proposta que, vale ressaltar, constitui verdadeiro "contrato de adesão", onde é impossível alterar uma ou outra cláusula/item ou sequer a área autuada, o proprietário/possuidor perde o desconto garantido à quem "compõe amigavelmente" com o Estado (40% sobre o valor total da multa).
 
Apesar de todo o conhecimento técnico dos agentes ambientais responsáveis pela fiscalização e pela aplicação das multas, sabemos que o erro faz parte do cotidiano do ser humano e, sendo assim, há diversas ocasiões onde existem flagrantes erros/vícios nas infrações que, antes de se buscar a composição amigável, devem ser sanados sob pena de nulidade.
 
Ocorre que, ao indagarmos o membro da CFA (Coordenadoria de Fiscalização Ambiental) e o responsável da Polícia Militar do Estado de São Paulo sobre esses erros/vícios durante a sessão de atendimento ambiental, em 99% das ocasiões, sempre esbarramos na mesma reposta: "a sessão de atendimento ambiental não se destina a esse fim. Aqui buscamos apenas a conciliação. Se houver qualquer alegação isso deve ser feito em sede de recurso administrativo". Feito isso, se perde o desconto, mesmo quando o recurso administrativo mostrar eventual equívoco na lavratura do auto de infração e seu valor.
 
Logo, com a manutenção das irregularidades no auto de infração, o TCRA nunca deveria ser firmado pelo autuado, porém, como é ele (TCRA) quem garante o maior percentual entre os descontos estipulados no Decreto nº 60.342/2014, por muitas das vezes o autuado se vê numa encruzilhada: aceita a irregularidade e firma o acordo para garantir o desconto de 40% que apenas é possível de se obter durante a sessão de atendimento ou se aventura no oceano desconhecido do recurso administrativo.
 
Noutro ponto, lavrado o auto de infração, uma via é remetida ao Ministério Público que, via de regra, aguarda a sessão de atendimento ambiental para tomar uma ou outra providência. Não tendo sido firmado o TCRA, pendente a reparação do dano ambiental, é instaurado o inquérito civil. Não formalizado o TAC (acordo junto ao Ministério Público) no inquérito civil, é proposta a ação civil públicavisando à reparação do dano ambiental e o pagamento das indenizações cabíveis. Sem contar, ainda, que o Ministério Público ajuíza ação criminal contra o produtor rural.
 
Repare que o vício contido no auto de infração, originário quando de sua própria lavratura e que poderia ter sido sanado durante a sessão de atendimento ambiental, vem sendo carregado desde o início da esfera administrativa perante os órgãos ambientais e, agora em sede de inquérito civil, ainda é o fator que impossibilita o autuado de formalizar o TAC perante o Ministério Público e, ao final, pode chegar ao Judiciário.
 
No Judiciário, infelizmente está cada vez mais evidente o jargão "dono da ação", no caso o Ministério Público, pois salvo raras exceções, em primeira instância o feito tramitará e terá todas as decisões proferidas de acordo com o quanto postulado pelo Ministério Público, servindo o Poder Judiciário como um típico chancelador de pedidos, o que entristece e revolta quem advoga na seara ambiental. Isto porque não se analisa a fundo a matéria posta em discussão partindo da premissa de que o representante do Ministério Público já o fez, logo, simplesmente defere todo pedidofeito por tal órgão sem ao menos verificar a legalidade/coerência de seus pedidos e as alegações do proprietário/possuidor réu.
 
Já em segunda instância, com o julgamento do feito por desembargadores que julgam apenas questões ambientais (Câmaras Especializadas) a situação muda. Haverá sim a análise a fundo do quanto postulado e o enquadramento dos pedidos às legislações vigentes aplicáveis à espécie. Aqui fica registrado nosso sincero reconhecimento pela excelência nos serviços prestados. Mas até chegar neste ponto, anos de discussão e segurança jurídica foram charqueados a um plano secundário.
 
Para resolver toda a situação problemática acima posta em discussão, muitas vezes, infratores de pequenos delitos ambientais poderiam simplesmente seradvertidos administrativamente por suas condutas, sendo assinalado prazo para que regularizassem a situação delituosa, porém, as advertências são raras e, suprimindo fases do procedimento administrativo, são lavrados autos de infração com penalidade de multa imediatamente.
 
O produtor rural, isolado em seu árduo trabalho diário na lavra da terra, via de regra desconhece a gigantesca legislação ambiental aplicável à sua própria atividade e tem atitudes que, de acordo com os costumes que lhes foram transmitidos de geração em geração, ao seu ver são normais, legais, porém, aos olhos da lei, são consideradas delituosas. Não há o dolo e/ou tampouco culpa na maioria dos delitos ambientais, há sim desconhecimento e ignorância.
 
É sabido que "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece" (art. 3º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), porém, uma vez que o produtor rural entende que sua conduta é nociva ao meio ambiente, é o primeiro a se mostrar interessado em reparar o dano, não havendo necessidade de aplicar-lhe a penalidade de multa imediatamente. Uma advertência bastaria e, inclusive, não geraria tantos gastos desnecessários ao Estado com a movimentação de toda a máquina administrativa e judicial na resolução do litígio.
 
Ademais, o Estado, fugindo de sua obrigação legal e constitucional, jamais procedeu com a devida educação ambiental a esta parcela da população, conforme era seu dever de acordo com o inciso VI, do parágrafo §, do artigo 225, da Constituição Federal que destaca a necessidade de do Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
 
Vale destacar que a política de educação ambiental não tem a função precípua de garantir o cumprimento da lei, mas de legitimar e de universalizar as intenções relativas aos conteúdos das quais tratam (ANDRADE, D. F.; SORRENTINO, M. Aproximando educadores ambientais de políticas públicas. In: SORRENTINO, M. (org.) Educação ambiental e políticas públicas: conceitos, fundamentos e vivências. Curitiba: Appris, 2013. p. 215-223.).
 
Assim, destaca o pesquisador retrocitado que o Plano Nacional de Educação Ambiental,apesar de importante conquista, torna-se um dispositivo a mercê do Poder Público,que não investe em recursos financeiros e profissionais e, tampouco, confere o “poder de fazer”, “de transformar” àqueles (poucos) que estão na linha de frente dos órgãos gestores referentes ao meio ambiente, atuando como defensores de uma educação ambiental, “enunciadora de um outro tipo de sociedade, uma outra forma de organização dos humanos, um outro modo de produção de produção e consumo”, o que chega a ser contraditório posto que a Lei 9.795/99 define em seu Art. 1º a educação ambiental como “[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999, p. 01)”.
 
Já é provado que a agricultura é o setor da economia brasileira que mais preserva e se preocupa com o meio ambiente (dados públicos da Embrapa e da NASA – Agência Espacial Norte Americana). Não é interesse dos produtores rurais desmatar, destruir e depredar a natureza.Infelizmente, tais atos são praticados por criminosos alheios à atividade rural e quem leva a má fama é o produtor rural tradicional, estigmatizado pela sociedade carente de informações. 
 
Com as investidas dos órgãos ambientais estatais e do Ministério Público, o produtor rural se vê sufocado, inseguro em suas ações e "anda sempre pisando em ovos", tomando muito cuidado para que suas seculares práticas produtivas diárias não inflijam nenhuma legislação ambiental desconhecida capaz de levar-lhe à falência do dia para a noite. A insegurança jurídica que essa classe enfrenta é gritante.
 
Infelizmente esse é o cenário que o produtor rural paulista - e acredito que na maior parte do Brasil - está inserido perante os órgãos fiscalizadores estatais e o Ministério Público, ficando aqui lançado mais um desafio para que os novos governantes olhem com mais atenção a esta caça às bruxas que é feita ao produtor rural. Uma lástima!
 
*Diego Henrique Rossaneis e Juliano Bortoloti
Advogados
 
A agricultura paulista nas mãos da Justiça
 
Como um agricultor poderia preservar a vegetação nativa com base em leis futuras?
 
 
*Texto escrito por Evaristo de Miranda (doutor em Ecologia, é chefe-geral da Embrapa Territorial), e publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 15 de outubro de 2018
 
Os agricultores paulistas dedicam à preservação da vegetação nativa mais de 4,1 milhões de hectares. Reservas legais, áreas de preservação permanente e remanescentes, mapeadas e registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), representam 22% da área total dos imóveis. E a exigência legal é de 20% de preservação.
 
Esses dados mostram que a longa história agrícola de São Paulo não produziu passivo ambiental significativo. E os imóveis que, por diversas razões, ainda não atendem às exigências legais poderiam recorrer ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Porém, ao contrário do restante do Brasil, os agricultores paulistas não têm como se ajustar: o Programa de Regularização Ambiental está suspenso por ação de inconstitucionalidade. O impasse prejudica a agricultura e o meio ambiente.
 
Até o advento do Cadastro Ambiental Rural, a contribuição dos agricultores paulistas à preservação ambiental era subestimada. Criado pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012), esse registro eletrônico obrigatório se tornou um relevante instrumento de planejamento agrícola e socioambiental. Em São Paulo, até o final de agosto mais de 338 mil imóveis rurais (quase 19 milhões de hectares) detalharam a sua situação no CAR sobre fotos aéreas, com um metro de detalhe.
 
A Embrapa Territorial analisou o bigdata de dados geocodificados dos produtores. Mais de 290 mil pequenos agricultores (com áreas até quatro módulos fiscais) preservam 17% de suas terras, apesar das exigências menores da legislação ambiental nesse caso. Os quase 36 mil agricultores médios (quatro a 15 módulos fiscais) preservam 20%. E os 12 mil grandes produtores (mais de 15 módulos fiscais) preservam, em média, 26%. Quanto maior o imóvel, mais preserva, em termos absolutos e relativos. Agricultores que ainda não atendem a alguma exigência do Código Florestal são poucos. E com o CAR eles se declaram interessados em regularizar a sua situação.
 
Vale notar que ter menos de 20% da vegetação nativa não significa irregularidade ambiental! O artigo 68 do Código Florestal dispensa de recompor ou compensar a reserva legal quem desmatou em conformidade com a legislação do tempo. Áreas desmatadas desde Martim Afonso de Souza até a epopeia do café (século 19) e a ocupação dos cerrados (século 20) estão dispensadas de tal obrigação. Essa lei do tempo alcança boa parte dos agricultores paulistas. Existem imóveis com 5% ou 10% de vegetação nativa e em situação regular. Eles foram desmatados quando não havia essa exigência de preservação. E podem demonstrar tal condição no Programa de Regularização Ambiental. Mas sem o programa imperam a insegurança e as arbitrariedades no mundo rural.
 
A lei paulista do PRA (15.684/2015) impugnada na Justiça não contém nenhum elemento de retrocesso ambiental. Ela não modificou nenhuma situação jurídica. Apenas confirmou e regulamentou questões hoje já decididas favoravelmente ao Código Florestal de 2012, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937. O julgamento assentou inexistir qualquer retrocesso na codificação florestal em vigor. A decisão de constitucionalidade reconhecida pelo STF deve vincular o julgamento final do PRA paulista. E, por subordinação lógica, esvaziar a discussão dos artigos questionados na lei paulista.
 
O artigo 68 da lei federal, por exemplo, foi declarado constitucional por todos os ministros do STF, em obediência aos princípios de legalidade, irretroatividade e direito adquirido para quem respeitou a cronologia da legislação vigente, anterior ao Código Florestal de 2012. As leis estabeleceram, ao longo dos tempos, uma proteção gradativa e crescente para distintas modalidades de vegetação nativa no País. Como um agricultor preservaria com base em leis futuras? Em termos jurídicos é o que propõe a ADI contra o artigo 27 da lei paulista, ao retomar argumento surrado já utilizado nas ADIs no STF e negado por decisão da Corte Suprema.
 
Nos Estados da Federação, os Programas de Regularização Ambiental foram disciplinados da maneira mais ampla possível. Em muitos a implementação se deu por decretos. Em alguns, por resoluções, portarias e instruções normativas, para as quais não houve necessidade de participação popular. Ora, o Projeto de Lei paulista 219/2014 contou com a devida participação pública em sua tramitação e, apesar disso, produziu tal impasse.
 
Segundo cálculos da Embrapa, se, hipoteticamente, os 4,1 milhões de hectares dedicados à preservação nos imóveis rurais paulistas fossem vendidos pelo preço de mercado em cada município, o total desse valor fundiário imobilizado seria de R$ 170 bilhões. Que categoria profissional imobiliza tal valor de seu patrimônio pessoal e privado em prol do meio ambiente em São Paulo? Apenas e tão somente os agricultores!
 
É tempo de reconhecer o papel relevante da agricultura paulista na preservação da vegetação nativa, em índices superiores aos exigidos pela legislação ambiental, mesmo sem se considerar o desmatamento que respeitou a lei do tempo. Dentro das fazendas estão preservados 15% dos cerrados, mais de 1,2 milhão de hectares. É 25 vezes mais do que as unidades de conservação e terras indígenas (0,6% dos cerrados). A agricultura paulista preserva 17% da Mata Atlântica, ante 6% nas áreas protegidas. É bem mais que o dobro!
 
O julgamento do STF das ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 pacificou os últimos questionamentos do Código Florestal. É tempo de tirar a agricultura paulista das mãos da Justiça, onde nunca deveria ter entrado. E declarar a constitucionalidade da sua lei do PRA. Não é a lei, mas, sim, sua impugnação na Justiça que há três anos provoca um efetivo retrocesso ambiental e impede a participação popular.