Menos Brasília e mais mundo

17/01/2019 Economia POR: Marino Guerra
Menos Brasília e mais mundo

Entrevista Exclusiva - Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central e ex-economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander

Escolhido para atualizar o público do “Encontro de Gerentes 2019” sobre o cenário atual e as tendências para a economia, Alexandre Schwartsman foi, ao longo de sua apresentação, bastante pragmático ao abordar temas da macroeconomia como, por exemplo, o risco de recessão mundial, a tímida retomada do crescimento nacional e o grave problema fiscal do setor público brasileiro.

Ao final da palestra, quando conversou com exclusividade com a reportagem da Revista Canavieiros, foi possível decifrar algumas influências que o economista utiliza para fechar suas complexas linhas de raciocínio.

Dentre elas, a que ficou mais clara foi em relação a sua visão da postura governamental. Obviamente, ele é um defensor dos ajustes fiscais e, como qualquer pessoa com o mínimo de sensatez neste país, concorda que é preciso ter menos Brasília. Diferente do posicionamento do atual governo, Schwartsman não enxerga mais Brasil, mas para a construção de um ambiente de negócios internos pujantes, vê a necessidade de mais comércio internacional ou então, mais mundo.

Acompanhe a entrevista:

Revista Canavieiros: Em sua palestra você apresenta números expressivos, mostrando uma séria depressão da atividade industrial mundial. Diante deste cenário de produção global, como está o setor agropecuário?

Alexandre Schwartsman: É preciso considerar que a desaceleração do comércio internacional está relacionada à questão das tarifas que afetam mais a indústria do que a agricultura.

Um bom exemplo de como essa dinâmica funciona é a taxação chinesa sobre as exportações agrícolas norte-americanas, onde os Estados Unidos deixaram de vender. Mas, por outro lado, o Brasil aumentou o ritmo de venda, ou seja, num recorte mundial o ritmo não foi afetado.

Revista Canavieiros: Considerando a conjuntura econômica atual, aonde está encaixado o agro nacional?

Schwartsman: No conjunto da obra, qualquer coisa que desacelere é ruim, mas especificamente no caso da agricultura brasileira, por ela ter seu perfil muito similar a agricultura norte-americana, a guerra comercial abriu uma ótima oportunidade, pois conseguiu reunir volume, preço e dólar.

Os três fatores acontecendo ao mesmo tempo colocam o setor agrícola brasileiro num estágio espetacular, mas é preciso ter a noção que isso não permanecerá eternamente, sendo fundamental que seja feito um trabalho de fortalecimento para quando os tempos mais difíceis chegarem.

Revista Canavieiros: O senhor acha correta a percepção de que o agronegócio vive num mundo paralelo em relação aos outros atores da economia brasileira?

Schwartsman: O agronegócio é de longe o setor da economia brasileira mais exposto ao mercado internacional. E isso resultará no fato de que mesmo com a desaceleração do comércio mundial como vimos na palestra, a indústria, por exemplo, será muito mais afetada que o campo.

Essa é uma percepção minha a curto prazo. Olhando para um horizonte mais distante, essa integração com os mercados internacionais fará com que o agro caminhe cada vez mais na ponta dos cascos, não podendo se acomodar.

Entendo que hoje é um setor muito antenado, ligado com o que acontece fora, que busca por melhores práticas, seja sob o ponto de vista da governança ou tecnológica, algo que o faz ser extraordinariamente produtivo.

Assim, continuo otimista com o agronegócio brasileiro. No entanto, uma ameaça que enxergo é que de tempos em tempos surge uma tentação para medidas protecionistas, o que não pode acontecer para não termos problemas.

No começo do ano estive num evento em Goiás e estava conversando com os técnicos da Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás), e eles comentaram que o algodão foi dizimado no governo Collor quando as proteções foram eliminadas, mas com o tempo, chegou-se a um patamar de competitividade espetacular.

Revista Canavieiros: Quanto a economia global, ela entrará em recessão?

Schwartsman: Eu não consigo te dizer se a economia global vai entrar em recessão ou não. Aliás, acho que não entra, pois penso que o mundo deverá crescer pouco por um período, mas não diminuir.

Revista Canavieiros: Se a China e os Estados Unidos resolverem as diferenças, o cenário pode ser outro?

Schwartsman: Quanto a uma possível resolução em si, mesmo que se inicie uma manifestação de acordo, a sua conclusão demandará muito tempo. Um dos principais fatores que me leva à essa conclusão é o governo extraordinariamente instável que os EUA têm hoje.

Revista Canavieiros: Voltando à queda da atividade industrial, a mudança de comportamento é um forte fator para os números baixos?

Schwartsman: A questão da economia colaborativa ao longo do tempo vai se refletir aos números macros no futuro. Contudo, eu não consigo enxergar uma influência na queda da atividade industrial que observamos hoje.

Acho que o maior influenciador desta história são as diversas instâncias do comércio exterior serem prejudicadas, o que extrapola a crise entre China e Estados Unidos.

Há também o fato dos norte-americanos terem imposto tarifas de comercialização frente a outros países da Europa, como a questão da importação dos carros alemães. Tem o Brexit, que mais uma vez afeta diretamente a indústria automobilística alemã.

Se pensar num horizonte mais distante, em 15 ou 20 anos, aí acredito que os fatores comportamentais vão prevalecer.

Aliás, carro é um desperdício, ao pensar em ter um baita investimento para ficar 97% do tempo parado, ou seja, você deixa um ativo imobilizado lá. No futuro, provavelmente, você não precisará ter um carro o tempo todo à sua disposição, mas isso é algo para o futuro, ou seja, não influencia nas fraquezas de hoje.

Revista Canavieiros: Por quanto tempo você acredita que o petróleo será o principal protagonista da economia mundial?

Schwartsman: As formas alternativas de geração de energia vêm numa queda de custos de implantação visível. Cito como exemplo a energia solar, que sempre foi algo muito caro e ainda não é inteiramente competitiva. Contudo, já há situações em que ela é viável.

Mesma coisa é a eólica. A impressão que tenho é que o combustível fóssil será muito menos relevante nos próximos 20 anos do que ele foi nos últimos 20.

Se ampliarmos este recorte, a relevância será muito menor, o que vai trazer mudanças interessantes no mundo. Um indício disso, que não é obra do acaso, é o fato da Arábia Saudita estar disposta a levar novamente a Saudi Aramco para o mercado, considerando que o capital da petroleira foi fechado há cerca de 30 anos. Ela parece estar disposta a isso porque além do fato dos próprios sauditas precisarem do dinheiro, todos sabem que o seu negócio não é do futuro, o futuro está em outro lugar.

Revista Canavieiros: Qual sua opinião a respeito do desempenho do ministério de Paulo Guedes?

Schwartsman: Eu vejo aprendizado, ainda não temos um ano de trabalho. Quando o Guedes falava, ao longo da campanha e também depois dela, que ia acabar com o déficit em um ano ao obter R$ 1 trilhão através de privatizações e concessões, isso era algo preocupante porque estava nítido que ele não tinha uma noção muito clara do que acontecia no Brasil.

Ele está aprendendo, teve o bom-senso de manter gente do governo anterior na equipe dele e que são importantes no sentido de continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido. Trouxe também gente capacitada para dar o expertise que faltava, pois o ministro mostrou que acabou errando um pouco na hora de fazer conta.

Me parece que ele vem corrigindo alguns destes equívocos, apresentou uma reforma da previdência ambiciosa. Pessoalmente, achei que a questão da capitalização estava mal formulada, não fiquei triste com a queda dela, pois é um assunto que precisaria de muitos mais detalhes do que de fato havia sido apresentado e desenhado. Mas eu tenho que dar a mão à palmatória em relação ao que dizia no começo. O Brasil vai emplacar uma reforma da previdência com uma economia de R$ 800 bilhões nos próximos 10 anos, e eu não acreditava de jeito nenhum nisso porque não havia passado nem a metade na proposta do Temer. Por que aconteceria agora?

O fato é que seja por iniciativa do governo federal em propor uma reforma bastante ousada, pelo fato do Congresso demonstrar entendimento de que o assunto estava ligado à sua própria sobrevivência ou pela sociedade brasileira ter caído em si sobre a necessidade da reforma, um bom texto foi aprovado.

Previdência é um assunto complexo em qualquer quadrante desta galáxia. Ninguém fica feliz ao pensar que na hora que chegou a sua vez terá que se aposentar com menos. Outro ponto positivo da reforma é que ela foi muito mais equilibrada ao analisar a distribuição do fardo.

Quem paga é principalmente o funcionalismo e quem se aposentava por tempo de contribuição deixou de existir. Para as aposentadorias por idade, as regras ficaram praticamente as mesmas. A verdade é que o grosso do ajuste decaiu sobre os pagamentos mais altos.

Tem aí uma série de coisas que são positivas, e acho que várias das medidas complementares que estão vindo em novos projetos devem vingar. Então, perante a esse amadurecimento de várias questões que precisavam andar, reconheço os méritos do Paulo Guedes nesta história.

Revista Canavieiros: Na palestra, o senhor disse que perante a reforma atual, em dez anos será necessário mexer novamente no texto. Se entrar estados e municípios, esse período se prolonga?

Schwartsman: Empurra pra frente sim. Foi a grande ausência nesta história, o problema fiscal dos estados é com o funcionalismo e, em muitos deles, é com os inativos. É uma força que está envelhecendo rápido, então, se não cuidarem disso, os estados terão problemas.

Você pode até colocar uma nova emenda constitucional que não permite novos resgastes, acho correto acabar com esta farra da União ir lá e resgatar o governador que gastou muito, mas tem que dar instrumentos para quem quer ser sério.

Revista Canavieiros: E a questão de municípios?

Schwartsman: Município também é parte do problema, mas em termos de magnitude é bem menor. O problema grande mesmo são os estados. 

Revista Canavieiros: Acredita que, enfim, chegou a vez da reforma tributária?

Schwartsman: Acho a reforma tributária importante, mas com a discussão do pacto federativo (Plano Mais Brasil), da emergencial revisão dos gastos obrigatórios e dos fundos públicos. Provavelmente o foco do governo estará nestas medidas, que são profundas e também mais urgentes.

Assim, vejo com tristeza que ela será empurrada mais uma vez, mas acho que está ficando cada vez mais madura, que há projetos bons tanto na Câmara como no Senado e serão fundamentais para o país lidar com esse problema.

Revista Canavieiros: Como imagina o PIB e o câmbio em 2020?

Schwartsman: Sempre difícil. Acredito num PIB mais forte no próximo ano, algo na casa dos 2%, pois em 2019 ele foi muito prejudicado, considerando alguns eventos como o da mineração, em especial em decorrência do caso de Brumadinho. Teve também a Argentina, que dificilmente vai colaborar com o crescimento, mas já caiu, prejudicando um pouco menos.

Então, levando-se em conta que a queda da taxa de juros dá um estímulo para a demanda interna, acho que é possível termos um crescimento mais próximo da casa dos 2%.

O dólar é sempre um negócio mais complicado. Se soubesse o que iria acontecer com o dólar, eu seria um trilhardário, mas vejo um câmbio se consolidando certamente acima dos R$ 4,00 e, provavelmente, acima dos R$ 4,10. Ele não explode porque é improvável que tenha um descontrole em razão do governo ter muita reserva.

Revista Canavieiros: Acredita na recuperação da economia argentina com a eleição de Alberto Fernandez?

Schwartsman: Zero. Eu não sei se o Macri teve a faca e o queijo na mão, mas ele não fez os ajustes fiscais, se aproveitou que as condições estavam um pouco favoráveis e postergou as medidas. Acho muito difícil o Fernandez entrar e fazer os ajustes fiscais necessários, até porque ele fez campanha contra.

Olho para a Argentina e vejo uma repetição da receita peronista, o que não é muito diferente do que o Macri vem fazendo nos últimos meses. Enfim, a Argentina é um caso triste, estava ruim com o Macri e será pior com Fernandez.