Mercado de caldo de cana se expande, com industrialização e aumento de ambulantes
28/03/2014
Cana-de-Açúcar
POR: Marcelo Roma | Jornal Cruzeiro do Sul - Sorocaba/SP
Tomar um caldo de cana gelado faz parte da cultura brasileira, muito antes de o etanol ser usado como combustível em veículos. A tradição ganha novas formas e o caldo de cana, também conhecido como garapa, passou a ser vendido engarrafado, em caixinhas do tipo longa vida e até em pó. A empresa Susten, em Alumínio, engarrafa o produto desde 2012 e exporta para a Austrália e países da Europa.
A quantidade de vendedores ambulantes, que levam a moenda em carretinha ou adaptados em caminhonetes ou em Kombis, também aumentou nos últimos anos. "O pessoal está consumindo mais", diz o vendedor de caldo de cana, Sebastião Acácio Holvaks, no ramo há 30 anos. Ele acredita que o maior poder aquisitivo e o aumento da população nos últimos anos, além da bebida ser natural, sem conservantes, são fatores que fizeram crescer as vendas e também ampliaram o número de vendedores ambulantes.
A mistura com suco de frutas também cresceu nos últimos anos. "Antes era mais limão e abacaxi. Agora tem maracujá, caju e até gengibre, que dá um gosto mais ardido. Tem gente que gosta", conta o vendedor ambulante.
Sebastião Holvacks começou trabalhando com o pai Josephe no ponto em frente ao antigo fórum, no Jardim Paulistano. Hoje, o ponto é ocupado pelo sobrinho de Sebastião, Silvio Rogério Holvaks. Sebastião costuma ficar na rua Belo Horizonte, Vila Helena, mas muda o ponto em eventos ou datas especiais, como Dia de Finados, quando vai para proximidades de cemitérios. Ele vê a novidade do caldo de cana industrializado com desconfiança. "Não deve ter o mesmo sabor que o feito na hora."
Cana descascada
O fornecedor de cana, Edvaldo de Oliveira Júnior, acredita que, em Sorocaba, deve existir mais de 100 vendedores ambulantes. Ele distribuiu a cana descascada e cortada em pedaços menores para mais de dez cidades da região. Também faz entregas na cidade de São Paulo. A cana de açúcar vem de produtores de Porto Feliz e a preferida para o caldo é a variedade 3250, explica Edvaldo.
O melhor ano de vendas foi 2013, segundo Edvaldo. Ele, no entanto, espera que 2014 seja ainda melhor. Edvaldo aponta quase os mesmos motivos citados por Sebastião para o crescimento do consumo. Segundo ele, o pico ocorre no verão, quando tem que intensificar as entregas. "Aumenta cerca de 20%." No inverno, cai um pouco, diz Edvaldo. O negócio também é de família e começou há 20 anos. Edvaldo é sócio do tio Edmilson de Oliveira na empresa ED, que emprega cinco pessoas.
As encomendas de cana são feitas diariamente, pelo celular. Segundo Edvaldo, normalmente as entregas acontecem no mesmo dia. A empresa dispõe de um caminhão, que traz a cana para o depósito na Vila Hortência, em Sorocaba, e quatro caminhonetes são usadas para a distribuição. No depósito, a cana é descascada e vai pronta para ser moída pelos vendedores ambulantes.
Além dos ambulantes, uma nova modalidade de venda está crescendo, que são as pequenas moendas em lugares fixos, como estacionamentos, nas proximidades de supermercados e outros estabelecimentos comerciais. O caldo de cana está chegando mais perto do consumidor e é valorizado como produto natural.
Para começar um negócio, é preciso investir a partir de R$ 2 mil, que é o preço de uma moenda elétrica. Para um comércio ambulante, o investimento sobe para R$ 10 mil ou mais, que é o preço médio de uma carretinha com moenda elétrica ou à gasolina, mais acessórios, que pode ser levada atrelada a um veículo. Existem também as adaptações, mais tradicionais, feitas em Kombis e caminhonetes.
Kanaí
A ideia de industrializar o caldo de cana na cidade de Alumínio começou com a visita de um amigo francês de Rafael Luques, proprietário da Susten, que experimentou, gostou e queria levar para seu país, mas era impossível porque se deteriorava rápido. Luques viu, então, uma nova possibilidade para o caldo de cana.
O processo de produção foi desenvolvido em um ano com ajuda do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) e as vendas começaram em julho de 2012. Para abrir o negócio, Luques teve apoio do Sebrae. Recebeu consultoria jurídica e orientações para o planejamento e gestão da empresa.
Atualmente, 65% da produção é consumida no Brasil e o restante é exportado, principalmente para a Austrália e países da Europa. A empresa aguarda a certificação da Food and Drug Administration (FDA), órgão de controle de alimentos, para a comercialização nos Estados Unidos. O produto leva o nome Kanaí, é envasado em garrafas de 300 mililitros, tem validade de 12 meses e, conforme a Susten, é 100% natural. A produção é de 1 milhão de garrafas por mês.
A empresa informa que os fornecedores são da região e que está desenvolvendo novos produtos a partir da cana, que serão lançados em breve. O caldo de cana ainda é vendido em caixas longa vida pela Jandaia, desde o ano passado. Também no ano passado foi lançado o suco em pó da marca Tang, sabor garapa.
O Brasil é o maior produtor de cana de açúcar no mundo, com mais de 590 milhões de tonadas colhidas ao ano. A cana é destinada principalmente à produção de açúcar e etanol.
"A Garapeira" cresceu com cana e pastel
Em Porto Feliz, no quilômetro 138 da rodovia Marechal Rondon (SP-300), a garapa e o pastel são tradição desde a década de 40 do século passado na lanchonete e restaurante A Garapeira. O ponto de venda começou com um pequeno quiosque com o falecido Ciro Franco, lembra o atual proprietário Antônio Martins Sampaio Neto, 74 anos, que junto com o filho Antônio Martins Sampaio administram o restaurante, parada de motoristas de caminhão e de famílias que trafegam pela Marechal Rondon.
Antônio, o pai, comprou o ponto em 1973 e ampliou, transformando-o em restaurante. "Mas a garapa não pode faltar. Pessoas que vêm de longe querem experimentar e levam para a viagem", segundo o proprietário. A moenda elétrica foi substituída recentemente, no final do ano passado, por uma nova. A antiga, da marca Gazzola, funcionou por 40 anos, conta Antônio.
O consumo semanal de cana na A Garapeira é de 1 tonelada. Também são vendidos melado e rapadura, de produtores artesanais da região. O caldo de cana mais pedido é o puro, mas há opção de misturada com suco de limão ou abacaxi, conforme Antônio. O restaurante preserva outra tradição, que é o "cearense", prato típico de Porto Feliz, feito com feijão, linguiça, cebola, toicinho defumado e carne de peito de boi, entre outros ingredientes. O prato é servido aos finais de semana e faz sucesso, junto com o filé de frango à parmegiana.