Micros e macros detalhes

12/03/2023 Noticias POR: Marino Guerra

A agricultura sob o ponto de vista de uma família que tem em sua dedicação o maior combustível para sua atividade


Antônio Toniolo (RTV Copercana Cravinhos), Rafael Maranha Annibal, Daniel Annibal, Daniel Maranha Annibal e Marco Antonio Polegato da Silva (agrônomo da Canaoeste): Uma característica da operação é ser bastante participativa tanto na cooperativa como na associação

Não adianta, por mais talento que se nasça, ou por mais destacada que seja a inteligência, se não tiver dedicação, a pessoa pode até começar bem uma empreitada, mas simplesmente vai se sucumbir à pressão.

Na agricultura um grande exemplo dessa máxima é a Família Annibal, a qual desenvolve um trabalho diferenciado na canavicultura, tendo sede em Cravinhos, através de uma gestão que consegue estar atenta aos micros e macros detalhes, tocada pelo pai Daniel Annibal e seus dois filhos, Daniel Maranha Annibal e Rafael Maranha Annibal.

Um bom exemplo de como eles conseguem interpretar tão bem essa amplitude foi a adoção da lavoura de rotação que teve na sua última temporada (22-23) a implementação dos primeiros campos de sojas cultivados por eles.

“Já vínhamos há alguns anos com vontade de começar a trabalhar com soja em nossas áreas de reforma, pois até então sempre arrendávamos. Ao longo de 2022 estudamos e conversamos bastante sobre as vantagens e riscos em montar uma área grande, média ou pequena; foi quando surgiu a possibilidade de estabelecer uma parceria confiável na qual em troca dos serviços de plantio e colheita, o prestador de serviço aceitava uma área nossa para cultivar soja. Alinhamos os detalhes e chegamos à conclusão que o ideal seria montar uma roça com um tamanho próximo de 30 hectares”, contou Daniel (pai).

E olha que a conversa deles desenvolveu a plantação mais que qualquer adubo ou suplemento do mercado, colhendo impressionantes 80 sacos por hectare.

Ao entrar nos detalhes do manejo, a grande maioria das ações não chamou muita a atenção, como o uso de uma variedade, a M-6410 (em mais de 90% da área), já bastante conhecida. Na adubação de plantio usou o YaraBasa Absoluto, que se destaca pela grande concentração de fósforo e enxofre, mas possui outros seis nutrientes no mesmo grânulo, ainda como nutrição foi feito uso de ferramentas foliares e KCL.      

O plantio aconteceu entre 11 e 13 de outubro num solo com umidade satisfatória, tendo o único incidente de stress o veranico de novembro. A colheita foi executada no dia 22 de fevereiro com a necessidade de dessecação apenas nas bordaduras.

Talvez duas ações podem ter sido determinantes na conquista da produtividade de pivô. Para combater o percevejo foram feitas três aplicações do Engeo (Tiametoxan + Cipermetrina): “Depois de duas aplicações do Engeo, decidimos mudar a molécula e um tempo depois a praga começou a aparecer, deu dor no coração porque havíamos realizado as três entradas com tratores pequenos para não amassar a lavoura, mas como a soja já estava num porte mais alto, precisamos entrar com a última do inseticida com o autopropelido”, lembrou Rafael Annibal.

A segunda constituiu também em três aplicações de fungicida, quando a prática em áreas de reforma de canavial são apenas duas: “Nessa safra de soja, acredito que por grande influência da umidade e o aumento de área, a ferrugem atingiu algumas lavouras, problema que não tínhamos, pois até então o que surgia principalmente de doenças eram relacionadas à mancha de folhas, assim a recomendação é a execução de pelo menos três aplicações de fungicida”, explicou o RTV da Copercana para a região de Cravinhos, Antônio Toniolo.

Animados com o sucesso no campo, mesmo com um pouco de decepção pelos preços em baixa, o objetivo para o próximo ano será de chegar próximo dos 60 hectares trabalhando ainda em parceria para plantar e colher.

“Sobre o maquinário, pensamos que em breve devemos investir numa plantadeira, pois como a janela climática é muito apertada, não há muita oferta de serviço para o manejo. Agora para agregarmos uma colhedora em nossa estrutura, calculamos que seja viável a partir do momento que tivermos ultrapassado os 300 hectares”, disse Daniel (filho).

Plantio

A temporada de plantio, sob o olhar micro, foi bastante tranquila, com alguns atrasos pontuais em decorrência das chuvas, mas pelo fato das áreas estarem bastante espalhadas na região e as precipitações, a partir de fevereiro, terem sido picadas, sempre havia um talhão apto para receber a equipe.

Contudo, na visão macro, mais especificamente na insegurança jurídica para a contratação de mão-de-obra, a tensão foi grande, mesmo buscando a regularização total para a contratação, como ela é feita através de empresas parceiras, o medo foi constante até que o último tolete fosse colocado no sulco.

“Quando começarmos o plantio na época das águas desse ano, vamos trabalhar somente mecanizado, pois não tem como administrarmos todos os detalhes legais que envolvem a formação de uma turma de plantio, e além da insegurança jurídica que isso causa, caso aconteça um problema, corremos o risco de até o nosso contrato de fornecimento com a usina ser afetado, como já aconteceu com produtores em outras regiões e que a própria usina faz questão de nos avisar sempre”, disse Daniel (filho).

Já com uma plantadora adquirida desde 2013, a qual trabalhou por três temporadas, o grande ponto de atenção para seu retorno às atividades, a partir de setembro deste ano, não é o custo, o qual segundo as costas do Daniel (pai), considerando todas as questões trabalhistas e o valor pago pela máquina na época (R$ 250 mil, hoje um modelo similar fica em torno de R$ 1 milhão), fica mais em conta no mecanizado; nem a qualidade, onde os canaviais plantados em 2014 e 2016 completaram seus ciclos com produção satisfatória; mas a velocidade do serviço.

“Nossa média de plantio é de 500 hectares por ano, a plantadora faz uma média de cinco hectares por turno, então vou precisar de 100 dias para percorrer toda a área. Considerando domingo, feriado, dias de chuva e alguma manutenção, pode considerar 150 dias corridos, o que dão cinco meses.

Como plantamos cana de ano, iniciamos os trabalhos no final de setembro, pegando todo o outubro e o início de novembro, o que dão dois meses. Depois voltamos em janeiro, fevereiro e março e assim concluímos.

Esse é um planejamento prévio, se o início do ano que vem for igual a esse, com certeza teremos que invadir abril e até maio, ou então dobrar o turno ou arrumar mais uma máquina”, calculou Rafael Annibal, antes de mostrar que na modalidade manual, nesse ano, a velocidade foi duas vezes maior (10 hectares por turno), por isso conseguiram terminar a janela sem problemas.

Cana de ano

Um assunto praticamente banido das bancadas dos seminários sucroenergéticos e também em canaviais de muitos fornecedores é a cana de ano, prática adotada de 20% a 25% da área total de plantio da família Annibal.

 
Talhão com cana de ano, para conseguir fazer o manejo de forma bem-sucedida operação precisa obedecer diversas regras, a principal é usar lugares nobres, tanto sob o ponto de vista de ambiente, mas também climático. No caso da operação dos Annibal, os “pé de morro” geralmente são bastante propícios

“Aqui em Cravinhos nós somos um dos poucos que ainda adotam o manejo, que demanda alguns pontos de atenção e também ter sangue frio porque às vezes a produtividade do primeiro corte dela assusta”, disse Daniel (pai).

“A cana de ano depende muito de onde você planta, aqui escolhemos os melhores solos em regiões com o volume pluviométrico mais alto, como temos bastante relevo, os pés de morro geralmente são propícios”, explicou Rafael, que também destacou a data do plantio, que precisa acontecer até no máximo 10 de novembro, e também a logística de corte, que funciona como um terceiro eixo ao contrário, então retira-se os cortes mais novos de forma mais tardia indo em direção ao meio e início conforme vão passando as safras.

Dentre as variedades, a preferida é a RB966928, porém ele conta que sempre faz teste para ter novas opções, sendo consideradas promissoras pela fazenda, a RB855156 e a RB915242.

Colheita

Não somente na colheita, mas claro que ela é o ponto de maior atenção relacionado ao tema, a compactação do solo e o atropelamento das soqueiras pelo alto número de máquinas que precisam transitar num canavial é um ponto de preocupação da família hoje.

“Percebemos que se a soqueira for compactada, ela vai dar no máximo mais dois cortes e depois tem que entrar para reformar”, disse Daniel (filho), que também falou sobre as últimas medidas utilizadas pensando em amenizar o problema: “Já abrimos as bitolas dos tratores e transbordos para três metros, nessa safra passamos a adotar uma forma diferente para uso dos transbordos. Como temos duas caixas com capacidade para dez toneladas e a maioria das nossas áreas é em relevo, vamos utilizar as duas juntas somente em tiros retos e longos, nas outras o trator vai puxar apenas um transbordo”.

Essa estratégia foi pensada pois com duas caixas acopladas, na hora de uma curva, fatalmente as rodas do que está atrás passa por cima de algumas soqueiras, fazendo com que o canavial apresente falhas posteriores.

“Acredito que o ideal seria o uso do transbordo de 15 toneladas com um eixo esterçante, pois além de andar bem na linha, preserva a bordadura por ter maior facilidade de manobra na entrada e saída do carreador”, explicou Daniel (filho).

Utilizar apenas uma caixa de transbordo e aumentar a bitola dos tratores para três metros foram duas medidas tomadas para diminuir o pisoteio

Quanto a outras melhorias, eles também planejam equipar as colhedoras, hoje eles possuem uma frente com duas máquinas ativas e uma reserva, com GPS: “Já fazemos o mapeamento das linhas na hora da sulcação, se nossas colhedoras pudessem ser guiadas por esses dados evitaríamos problemas de pisoteio, especialmente em canaviais que fecham muito e deixam o operador sem saber onde ir, mas também nos geraria economia de óleo diesel, máquina parada e oficina”, disse Daniel (filho).

Com frente de colheita própria praticamente desde a virada do século, ao serem questionados sobre a tecnologia de máquinas capazes de colher em duas ruas, eles responderam que, para a realidade deles, em decorrência do relevo, aliado ao maior peso, a tecnologia disponível no mercado não funciona, embora reconheçam que ela gera uma economia significativa de combustível.

“Onde estamos, dependendo da umidade, a máquina que leva uma rua já dá problema, se soltar a de duas ruas, a três quilômetros por hora numa área com o relevo acentuado, ela não anda”, concluiu Daniel (pai).

Safra Atual

Com o início da colheita no dia 10 de abril, a entrevista aconteceu dia 26 e nesse meio tempo aconteceram pelo menos três chuvas acima dos 10 mm, os trabalhos ainda não engrenaram, porém, os números de ATR, a grande preocupação especialmente das canas tiradas no início da safra, vêm mostrado uma produção relativamente boa.

“A média do ATR está surpreendendo, no que conseguimos colher estamos muito próximos dos 110 quilos de açúcar por tonelada de cana”, informou Rafael, que ressaltou que eles não fazem a aplicação de maturadores.

Índice melhor que a média da primeira quinzena da safra do Centro-Sul, divulgada pela Unica através do Observatório da Cana e Bioenergia, que registrou um ATR de 108,4 quilos, que aliás mostra um ganho de 9,18% em relação a igual período do ano passado, mostrando que até nesse quesito, a chuva em abundância é melhor que seca e geada.

Os produtores destacam ainda o desempenho de uma variedade: “Na última semana colhemos um talhão da RB855156 de primeiro corte que variou o ATR entre 107 e 109 quilos. Quando entrou a RB975201 de segundo corte, a média foi para 112 quilos de açúcar por tonelada de cana, pois ela é uma cana que responde bem quando manejada com uma atenção diferenciada, principalmente na questão do pisoteio”, disse Rafael.

Talhão com a RB975201 de segundo corte, variedade puxou a média de ATR da semana de 107 para 112 quilos de açúcar por tonelada

Outros desafios

Uma das questões mais preocupantes para os agricultores é quanto à falta de mão de obra qualificada. Ele conta que antes se formava fila com pelo menos uma dezena de profissionais com experiência para uma simples vaga de tratorista.

Nessa temporada ele perdeu um operador de transbordo e teve que dar a oportunidade para um jovem profissional sem experiência, já que não conseguiu encontrar no mercado.

Quanto ao crescimento, o tema esbarra diretamente no custo do arrendamento, o que além de inibir os produtores-fornecedores a ampliarem suas áreas, também seduz muitos a saírem do negócio, como relata Daniel (pai): “Hoje, se eu arrendar tudo dá para eu e meus filhos comer, beber e levar uma vida muito tranquila sem ter que enfrentar o clima, o risco financeiro, ambiental e trabalhista da operação. Essa é uma conta que muito produtor está fazendo, vamos considerar 20 alqueires, se arrendar por 70 toneladas, dão 1,4 mil toneladas, vezes R$ 140,00 (preço), é igual a R$ 196 mil, dividido por doze meses, dá uma renda de R$ 16 mil. Vai tentar ganhar isso produzindo nessa área”.

Como comparativo, o produtor também fez o cálculo para quem busca novos talhões para arrendar: “O produtor que para 70 toneladas por alqueire hoje, considerando uma produtividade média de 180 toneladas por alqueire ao longo de todo ciclo, somado a um CTT de 40 toneladas, o que já dá 110, aí coloca custos de plantio e tratos, a margem fica muito curta, pois além disso têm todos os riscos da atividade”.

Assim, ele concluiu que se os dois filhos tivessem seguido outras profissões fora da agricultura, fatalmente também já estaria fora da atividade: “A realidade é que hoje se você parar de evoluir em todos os detalhes, se perder muito tempo para adotar uma inovação, vai perder o fôlego para permanecer nos canaviais”

Por outro lado, embora os desafios cada vez vão ficando mais complexos, para quem permanecer, eles acreditam que o futuro dos produtos vindos da cana será muito bom, pois caso contrário, não teria tanta gente investindo.

Assim, perante toda essa pressão, se dedicar aos micros e macros detalhes, sem deixar escapar nada, é o caminho para continuar na toada.

Custo da terra é um dos maiores desafios para a permanência na atividade que vai exigir cada vez mais atenção redobrada aos micros e macros detalhes