Mistura de etanol à gasolina se manterá em 20% até o fim deste ano, diz diretor da ANP
12/07/2012
Combustível
POR: Globo Rural
Em Amsterdam, na Holanda, Globo Rural conversou com Allan Kardec, diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Kardec comentou a situação atual do etanol no país e afirmou que a mistura do produto à gasolina ficará em 20% até o final do ano. Confira na íntegra.
Quando a ANP acredita que será possível retornar para 25% a mistura de etanol na gasolina?
Allan Kardec: Com certeza esse ano ainda não aumenta a mistura, pois não houve aumento de produção, teremos a mesma oferta do ano passado. Temos a expectativa de que no próximo ano, mas ainda não há certeza alguma de maior oferta.
E você concorda que o etanol ainda é um produto controverso?
Não, a produção do etanol de cana é o mais eficiente, usamos apenas 1% das terras aráveis. Esse discurso deve ter outras agendas por trás ou estar se referindo a outros produtos, mas não ao caso do Brasil.
A Comissão europeia diz que fazer acordos bilaterais para o comércio de etanol não é algo fácil de se administrar. Você concorda?
É difícil de falar sobre acordos bilaterais, o cenário do Brasil ainda é de ajustes. A ANP começou no ano passado a regulamentar o setor e a renovar os investimentos na produção da cana e etanol. Baseado nessas expectativas é que podemos fazer acordos bilaterais para o uso do etanol, como é o caso da Suécia.
Qual a sua percepção sobre o processo de certificação?
O etanol da cana-de-açucar já conseguiu obter a certificação do governo americano de ser um etanol sustentável, em inglês ´advanced biofuel´. A certificação é complicada pois envolve interesses de vários países. O Brasil está completamente disposto e incentivando a comoditização, mas para isso precisamos aumentar o número de produtores de etanol.
O Brasil luta muito para diminuir as tarifas europeias que pesam no preço do etanol internacional. Contudo, a infraestrutura ineficiente na distribuição - o chamado ´custo Brasil´ também é um fator de encarecimento e não é combatido. Como você analisa isso?
Temos que combater um pouco de cada, mas o governo já dá incentivos para que o custo diminua. Em termos de taxas, baixamos ainda mais o CIDE (Imposto sobre Importação, Exportação), isso mostra que o governo tem feito movimentos e quer fazer mais para diminuir os custos. Apesar do tema ser complexo, pois há interesses não só federais, mas também estaduais. Não é uma decisão única do governo federal, e realmente as tarifas européias conspiram para que não exista um mercado mais avançado do que poderiamos ter.
Os movimentos sociais que defendem os pequenos produtores propõem que o governo crie uma empresa pública de biocombustível. Como essa proposta é analisada?
Já temos a Petrobras Biocombustível que faz grandes investimentos no Nordeste em termos de biodiesel. Acredito que as ações estão sendo tomadas, mas nessa discussão é preciso haver um entendimento que o Brasil não é mais o mesmo de 1950. Naquela época, quando o governo, ao tentar resolver o problema de um setor, comprava uma empresa, agora isso não existe mais. Devido à crise financeira, o governo precisou fortalecer as agências reguladoras e, pela lei, concedeu à ANP a obrigação de cuidar do setor de biocombustível.
A ANP está encorajando os estoques do etanol, mas essa não seria uma medida que tardou?
Não, pois se trata de um caso específico. No início de 2011, houve uma crise na entressafra que refletiu no aumento do preço. Não se pode tirar uma conclusão de um caso específico e dizer que houve problemas. O governo agiu rapidamente, o problema ocorreu em março, logo em abril a medida provisória foi lançada e, em setembro, a lei foi aprovada. Agora a ANP controla e força os estoques na entresafra.
E o Brasil tem medo de ficar para trás na corrida pela segunda geração de etanol?
Apesar do Brasil ainda não produzir e de já existir outros países bem à frente nas pesquisas, não existe medo algum de ficar para trás quando o etanol de celulose for lançado. Estamos incentivando as pesquisas do etanol celulósico, mas a cana ainda é muito eficiente, e essa é uma questão de mercado. Por exemplo, temos empresas testando e desenvolvendo o biodiesel a partir da cana-de-açucar, nada ainda em escala comercial, pois ainda não se sabe se é viável ou não. Trata-se de uma decisão da empresa e não do governo.
Durante o seu discurso, você mencionou que a cara do mercado mudou, ficou mais profissional. Qual o motivo do Brasil dar as boas-vindas ao investidor estrangeiro?
O que eu falei é que o mercado mudou por ele próprio, o governo não incentivou ninguém a comprar ninguém. O que aconteceu é que o etanol se tornou uma boa expectativa a longo prazo, e as grandes empresas resolveram investir. Fiz uma constatação e não um incentivo. Agora, o que temos realmente é um problema de crédito, algumas usinas não conseguem tomar empréstimos, e o governo está em discussão com vários setores para saber como podemos ter novas usinas.
A política de concessão de créditos do BNDES, em geral, se restringe a um grupo reduzido de grandes corporações. Não seria isso um problema?
É um problema de negociação que é dificil para os dois lados. Ninguém dá crédito com facilidade, tem que ser bom para o Estado brasileiro, para o consumidor que paga os impostos, e para a empresa que toma o crédito.
Quais as evidências que a Europa vai aumentar a importação do etanol brasileiro?
Certamente se houver mais oferta de etanol, eles vão querer. O mundo vive um avanço de tecnologias ambientalmente interessantes, e o combustível renovável é uma delas. Países que têm a oportunidade de ter um combustível renovável dificilmente não irão comprar. Foi o que aconteceu antes, em 2008, e que vai acontecer novamente. Isso é fato.