Mix mais alcooleiro

20/06/2019 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento


Para entender e falar sobre as expectativas para a safra 19/20, é preciso fazer uma leitura das produções passadas e nos últimos 40 anos houve mudanças e evolução no complexo canavieiro.

Na década de 70, por exemplo,a produtividade era de 5 t de açúcar por hectare, e na década de 2000 - período de plena consolidação no setor, acompanhado com ganhos de escala, mix flexível, expansão, cogeração de energia e o país era o primeiro, no mundo, em açúcar e o segundo em etanol, - a produtividade chegou a 12 t de açúcar por hectare.
Já na década de 2010, o setor alcançou o patamar de 10 t de açúcar por hectare e um cenário de queda com várias unidades em recuperação judicial, endividamento e redução de investimentos. Mesmo assim, o Brasil estava entre os maiores produtores de açúcar e etanol no mundo, juntamente com a integração do milho nas usinas para a produção de etanol.

Para Luiz Carlos Correa Carvalho, o Caio, diretor da Consultoria Canaplan, o país atravessou uma onda ruim na evolução da produção de cana, açúcar e etanol na região Centro-Sul, compreendendo os anos de 2004 a 2016, um período de estagnação no setor.

"São ondas passadas que devem ser registradas, mas agora uma nova onda está se formando. Após o PT, estamos vivendo uma fase de doutrina liberal com correção da falha do mercado de energia (gasolina e diesel), o RenovaBio e o Rota 2030. A economia crescerá e o consumo do Ciclo Otto também aumentará mesmo com a queda global no consumo de açúcar. Paralelo a  isso, países como o Brasil, Austrália e Guatemala na OMC, contra o sistema protecionista na Índia, podem ser uma esperança de menor oferta subsidiada de açúcar na Ásia", analisou o executivo durante a 1ª Reunião de Safra 2019 da consultoria.

De acordo com Caio, há problemas a serem enfrentados como a guerra comercial entre EUA e China, o açúcar versus outras matérias-primas na China, o aumento da oferta e queda no consumo de açúcar e preços de petróleo. Também há outros sinais para essa nova onda: eleições na Índia, RenovaBio, China e E10, EUA e E15, El Niño, estoques de açúcar muito altos, mas travados e 18/19 (out/set) açucareiro, pouco plantio na Ásia no 4º trimestre de 2018.

Carvalho salientou sobre o começo de um novo ciclo com alguns pontos positivos como a flexibilidade financeira entre etanol e petróleo, reversão dos ciclos de expansão, estoques altos, mas travados, e a safra 19/20 (out/set) reduzirão os estoques em 6 milhões de toneladas. Contudo, também há o calcanhar de Aquiles: petróleo, EUA versus Opep/Rússia, OMC e ações, Brasil e mix.

Outros fatores também influenciarão a safra 19/20, que será difícil e contará com canavial envelhecido (maior plantio em 2019), menor área de colheita no Centro-Sul, mix alcooleiro (62%), preço dos competidores da beterraba e cana em alta, preços de petróleo entre US$ 60 e 70/barril, concentração e recuperação do canavial.
"A safra 19/20 caminha como a de 18/19 até o final, além de uma tendência de preço melhor para açúcar e redução da importação de etanol", adiantou Carvalho.

Cana estressada e os impactos do replantio
Ao falar sobre cana estressada, o professor Paulo Alexandre Figueiredo, da Unesp de Dracena (SP), lembrou que não há compensação durante o crescimento da cana, ou seja, não dá para perder o timing e o cuidado necessário tem que ser feito no momento certo.
Ele também salientou que quando se preserva a folha, a produtividade é maior. "O cérebro da cana está na folha. Existem canaviais que já nascem com falhas e isso é falta de capricho. As falhas não devem ser admitidas", enfatizou.

Para o professor, o controle de praga equivale à adubação e sobre a safra vigente, diz que teremos uma cana mais fibrosa. "A chuva que está acontecendo agora não irá compensar o que aconteceu, mas teremos um meio de safra melhor", comentou.
Já os impactos do replantio foram abordados pelo consultor Júlio Campanhão. Ele explicou o manejo técnico-agronômico da cana-soca para maior produtividade e longevidade, tanto focando o solo como a planta.

Campanhão apontou sobre as novas tecnologias em cana-de-açúcar, que incluem o uso de calcário ou gesso na soqueira, cálcio e magnésio em profundidade no sulco, fosfatagem, pré-renovação, adubação verde intercalar, inibidor de chochamento, micronutrientes, substâncias húmicas/fúlvicas, defensivos biológicos, fitohormônios, condicionadores de solo, indutores de resistência a pragas, doenças e fungicidas. Segundo o consultor, essas tecnologias apresentam resultados que poderiam ser potencializados se não existissem os "vazios" no canavial. "O Custo Brasil para a cana-de-açúcar são as falhas", afirma.

Para seter uma ideia, segundo dados do Pecege, em Catanduva, SP, o custo de tratos culturais em cana-soca, para um canavial sem falhas é de R$ 1.580,00/ha. Porém, para um canavial com 35% de falhas, o valor sobe para R$ 2.430,00/ha, não considerando custos adicionais de catação manual ou química.
Ao comparar dados de um produtor de Colina e Bebedouro, Campanhão chegou à conclusão que a redução de produtividade ao longo dos cortes tem como fator principal a falha de brotação.

Entre as falhas da cana-planta estão a gestão no preparo e conservação do solo, gestão da janela de plantio, gestão no plantio (espaçamento, deposição de mudas, cobertura de mudas), gestão na alocação varietal, qualidade (MPB), idade das mudas, climático (assoreamento), pragas, doenças e plantas daninhas. Já as falhas na soca acontecem por herança do plantio, gestão na operação de colheita, gestão nas operações de tratos culturais, disciplina, gestão no manejo varietal e colheita, climático (seca prolongada), pragas, doenças e plantas daninhas.

Sobre o replantio, Campanhão sugeriu que o mesmo não deve ser feito em canaviais comprometidos por alta infestação de capim colonião, mucuna ou grama seda, Sphenophorus levis e Migdolus spp e em variedades com problemas fitossanitários. "O replantio pode ser feito em canaviais com falhas oriundas da gestão de preparo do solo, alocação varietal, plantio, colheita e tratos culturais", reforçou.
O consultor também lembrou que o ideal é iniciar o replantio 20 dias após a colheita, mas para isso é preciso ter estrutura de preparo de solo e irrigação. Além disso, sugeriu a importância em utilizar muda nova nos replantios, preferencialmente de uma variedade superior à original (cantosi); tratar com fitohormônios e fungicida, no período seco, as mudas, e caso não houver mão de obra para o replantio no momento recomendado, pelo menos canterizar as falhas, e na primeira oportunidade (chuvas no plantio) utilizar a mão de obra disponível.

"Quanto mais cedo for feito o replantio, maior será a probabilidade de ganhos expressivos na safra seguinte, que podem variar entre 10 e 16 t/ha no próximo corte", afirmou Campanhão.

Safra atual
Para o também consultor da Canaplan, Nilceu Cardozo, o começo da safra 19/20 será complexo, com produtividade em recuperação e altamente dependente do que ocorrerá em maio e junho. "O momento e o ritmo de colheita serão vitais e a estratégia para isso é fundamental. O uso de maturadores será essencial, inclusive durante a safra", argumentou.
 
Como questões atuais e futuras, Cardozo pontuou o cenário de seca a partir de abril, alertou que um cenário similar a 2017 pode resultar em ganhos em TCH e ATR a partir de julho e um cenário excessivamente chuvoso, como o de 2015, pode implicar em baixa qualidade, danos às soqueiras e safra longa. "Os custos agrícolas (colheita) e industriais aumentarão, não em termos de R$/t, mas sim na eficiência de açúcares postos na esteira/eficiência de conversão industrial", adiantou.

De acordo com Caio, as bases de projeção para a safra 19/20 indicam clima mais úmido no Centro-Sul do Brasil e mais seco na Ásia, mix de produção de 38% para açúcar e 62% para etanol (com mais açúcar só no pico da safra) e produtividade agrícola média variável nos cenários e qualidade de cana menor, em área menor.

"Os meses de abril e junho são importantes para o clima. Deveremos ter 7,6 milhões de hectares a serem colhidos, moagem entre 555 a 580 milhões de toneladas de cana e produção entre 27 a 28 milhões de toneladas de açúcar e também entre 27 a 28 bilhões de litros de etanol", destacou Caio.

Canaoeste ativa
O gestor corporativo da Canaoeste, Almir Torcato, e a gestora técnica operacional da associação, Alessandra Durigan, estiveram presentes na 1ª Reunião de Safra 2019 da Canaplan.
 
Torcato explica que a Canaoeste trabalha com informações e, para isso, a associação e sua equipe precisam estar atualizadas para passar o conhecimento para o produtor. "É importante a presença de nossos técnicos em eventos como esse e, dessa forma, a Canaoeste ter várias fontes de informação para montar o seu cenário com as devidas peculiaridades e produtividade. Quando participamos de encontros assim, de perspectiva de safra e mercado, trabalhamos essas informações de maneira interna para, nas reuniões técnicas, transmiti-las de maneira fácil e em uma linguagem que o produtor entenda", esclarece.
No geral, para a Canaoeste, as perspectivas para a safra 19/20 são parecidas com as da safra passada. O gestor comenta que, em relação a preços, a safra atual já começou melhor. "E embora seja um pouco melhor, esperamos que a próxima, a safra 20/21, seja bem mais otimista", adianta.

A adoção de novas tecnologias, assunto comentado durante os painéis sobre produtividades e sobre perspectivas da safra 19/20 na visão dos canavieiros, segundo Torcato, é um movimento que fará com que o produtor permaneça no campo.
Para ele, a tecnologia substitui movimentos mecânicos e permite fazer com mais rapidez o que demoraríamos para realizar, mas nunca substituirá o capital humano e o intelecto para administrar e tomar decisões. "Ela vem para ajudar, mas as pessoas precisam ter essa real noção como algo facilitador. Muitos se apoiam na tecnologia e se afastam do negócio, o que pode ser prejudicial. É o peso e contra-peso, é preciso ter articulação", pondera.

A Canaoeste também aposta no uso da tecnologia e desde o ano passado vem seguindo uma linha tecnológica. "A associação, por ser pulverizada e ter um banco de dados, possui mais de 2.500 mapas, censo varietal, CAR e outros. Além disso, o nosso aplicativo será mais um ponto de acesso para os serviços da Canaoeste. Lá estarão disponíveis os mapas, informações de monitoramento de incêndio e outras. A tendência é construir, preparar e formar o produtor para ele trabalhar, aos poucos, com a tecnologia. Isso não é algo difícil, é intuitivo", destacou Torcato.