Mulheres cooperativistas discutem o agro

Agronegócio POR: Fernanda Clariano

Encontro Nacional das Mulheres Cooperativistas reuniu milhares delas que atuam em cooperativas de todo o país nas mais diversas funções

Em um ano desafiador como este de 2020 por conta da pandemia do coronavírus, o agronegócio vem se destacando na balança comercial, registrando aumento nas exportações e na abertura de novos mercados. Neste cenário promissor, as mulheres têm desempenhado um papel fundamental em cargos de liderança e gestão dentro e fora das propriedades, onde suas atuações têm se tornado mais constantes e evidentes.

As mulheres cooperativistas são gestoras de propriedades e têm uma responsabilidade grande na área administrativa, financeira e de recursos humanos e, ao mesmo tempo, equilibram a balança como mães, esposas e profissionais. 

Para falar da importância das mulheres e das cooperativas, o encontro reuniu painelistas e palestrantes que trataram temas como sucessão familiar e resiliência, gestão financeira das propriedades, as perspectivas para o setor no cenário político e econômico, o desafio da inclusão da mulher no agro, a participação das cooperativas, dentre outros.

Freitas: “Vamos fazer um mundo melhor com o cooperativismo e a participação maior das mulheres”

Ao abrir o evento, o presidente da OCB - Organização das Cooperativas Brasileiras, Márcio Lopes de Freitas, comentou sobre a importância das mulheres na transformação do cooperativismo brasileiro pós-pandemia, assim como a implementação de processos como inovação, integridade e sustentabilidade. “Vamos precisar das três coisas nesse novo cenário, porque trabalhar da mesma forma não nos leva a lugares diferentes e elas exercem um papel muito importante nisso”, afirmou.

A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, iniciou as atividades no evento falando como o agronegócio se preparou para alcançar o status que tem atualmente. De acordo com ela, a pandemia trouxe diversos desafios, mas enquanto muitos setores fecharam devido ao isolamento social, o agronegócio conseguiu se reinventar, dentro e fora da porteira, trabalhando e produzindo com segurança, e ainda abastecendo as prateleiras dos supermercados. Tereza Cristina destacou ainda o papel das cooperativas. “As cooperativas também são muito importantes, temos visto que quando determinados setores trabalham com esse sistema, ou de integração ou de cooperativas, sentem menos os impactos, principalmente nas grandes crises como a que tivemos agora”.

Tereza Cristina: "Investimento em pesquisa, inovação e organização do setor transformaram o Brasil numa potência no campo"

A presidente da Sociedade Rural Brasileira, Teresa Vendramini (Teka), em sua apresentação lembrou que em pouco mais de 40 anos, o agro saiu de uma situação de extrema independência externa para o próprio abastecimento e tornou-se um grande fornecedor mundial de alimentos. “Neste período de pandemia, em que o mundo inteiro praticamente parou, nós aumentamos o número de países para exportação como também o de produtos enviados do Brasil. No primeiro semestre de 2020, as exportações cresceram 10%”. Teka reforçou ainda que a produção agrícola cresceu 385%, enquanto a área agrícola cerca de 32%, o que demonstra a habilidade do produtor brasileiro em aumentar a produtividade a cada ano. “De janeiro a maio, o agronegócio representou 24,4% do PIB brasileiro, sendo o único setor com desempenho positivo nesse semestre”.

Executivas de cooperativas falam da importância da mulher no agro

Mirela Gradim, Tânia Manfroi Cassiano e Claudiane Viana

 

A superintendente da Coplana, Mirela Gradim, foi mediadora do bate-papo que  apresentou o perfil da mulher no agro. “Poderíamos dizer que ela tem uma escolaridade alta, independência financeira, abertura à inovação e comunicação e uma visão ampla do negócio”, analisou a executiva.

Produtora rural desde 1986, a gerente de insumos da Coperacel, Tânia Manfroi Cassiano, é uma das fundadoras da cooperativa da qual faz parte em Santa Catarina.  Ela reconhece o aumento da participação feminina no campo, mas faz a  ressalva que “Nos cargos de comando ainda temos muito que conquistar. Observamos que as cooperativas têm trabalhado alguns núcleos femininos que eu acho muito importantes, mas é necessário que esses núcleos preparem mulheres também para exercer as funções de comando”.  

Sem ligação com o campo, a gerente administrativa da Camisc/PR, Claudiane Viana, estudou, se formou e encarou o desafio de assumir um cargo em uma cooperativa no Paraná que durante muitos anos foi ocupado por um homem. “A primeira visão eu digo que não foi fácil, eu tive que mostrar a minha força, o que eu poderia fazer, o meu trabalho, e hoje eu recebo muitos elogios. Isso é gratificante”.

Sucessão familiar e os desafios da inclusão feminina no agronegócio

Mirian Cristina Neumann, Flávia Montans e Andrea de Figueiredo Giroldo

 

Os desafios da sucessão familiar bem como suas experiências com a inclusão feminina no agronegócio foram destacados por várias mulheres, dentre elas, a diretora de Marketing e Desenvolvimento da Agrocete, Andrea de Figueiredo Giroldo, a produtora cooperada da Comigo, Flávia Montans, e a produtora cooperada da Cocamar, Mirian Cristina Neumann.

Andrea, a irmã mais velha da família Giroldo, e o único irmão homem optaram por fazer agronomia enquanto as outras duas irmãs seguiram as carreiras de advocacia e administração.  Nada mau para a família, pois hoje todos atuam na Agrocete, empresa fundada pelo pai em 1980. De acordo com a executiva, o processo de sucessão aconteceu de forma bem natural, já que todos os filhos são integrados no negócio e participam no setor jurídico, na área comercial e de marketing. “Eu e meus irmãos participamos da gestão da empresa desde criança, visto que meus pais falavam muito sobre os empreendimentos em casa”.

O conhecimento, o planejamento, a participação e o respeito foram alguns pontos importantes destacados por Andrea para o bom andamento dos negócios. “Percebo que os projetos importantes que eu e meus irmãos conseguimos implantar na empresa foram aqueles que estudamos antes, que tivemos conhecimentos para mostrarmos para os nossos pais a importância da empresa investir naquele momento. A participação no planejamento estratégico da empresa também é fundamental e outros pontos necessários  são a compreensão e o respeito pela diferença de geração. Entender que nossos pais tiveram suas dificuldades, erraram, aprenderam e nós também vamos errar. Isso faz parte do processo, mas é preciso que haja respeito”.

Já Flávia passou por um processo muito difícil de sucessão, mas construiu uma bonita história. Engenheira-agrônoma, ela queria dar aula, trabalhar em um laboratório e não se imaginava na fazenda arregaçando as mangas e fazendo tudo acontecer. Porém, o acaso fez com que ela assumisse os negócios da família em Rio Verde depois que o pai adoeceu e precisou se ausentar das atividades para um tratamento. “Foi assim que ocorreu a minha sucessão, forçada. Eu cheguei a Rio Verde e não sabia nada, mas tive a ajuda de pessoas maravilhosas que trabalhavam com meu pai na época e que me acompanharam, e assim fui aprendendo. O tempo foi passando e meu pai se ausentando cada vez mais, e sem a sua presença vieram as dificuldades financeiras no negócio, mas eu tinha muita vontade de vencer e isso me motivava a cada dia em levar os negócios adiante e fazer acontecer”. 

Logo, Flávia enfrentou a perda do pai e passou de vez a tomar frente da propriedade em Rio Verde, cidade onde se casou, constituiu sua família e hoje passa esse amor pela agricultura aos seus filhos. “Quando gostamos do que fazemos e colocamos amor, somos capazes de enfrentar as dificuldades e conquistar nossos objetivos. Os meus filhos são pequenos, mas procuro despertar o interesse deles. Sempre que adquirimos algum implemento agrícola tento mostrar o quão satisfatório é, conto história de uma colhedeira adquirida há anos. Dessa forma estou aos poucos os inserindo no setor, mas sei que a escolha de seguir será deles”.

Outro caso de sucessão que começou de forma totalmente repentina foi a de Mirian Neumann, que há oito anos entrou para o agro. Filha única, a produtora rural conta que no início enfrentou algumas dificuldades por não ter conhecimentos sobre o setor e também por ser mulher. “Na época não tinham muitas mulheres no agronegócio, principalmente na região em que atuo e, por não ter nenhuma experiência, foi uma batalha bem difícil. Terceirizei alguns serviços sem nenhuma base e minha primeira colheita foi péssima. Isso me deixou muito triste, porém a minha decepção me levou a pensar que não deveria mais depender de recomendações de outros produtores, pois não estava dando certo. Foi aí que procurei um agrônomo que me ajudou muito. A partir daí passei a conhecer minha terra, participar de palestras, dias de campo e comecei a cuidar do solo como ele realmente precisava para poder produzir bem”. 

Hoje, a produtora colhe bons frutos, tem seus próprios implementos agrícolas e garante que conhecer o solo e implantar um livro caixa são fatores importantes para o sucesso no campo e na administração dos negócios. Assim, ela segue nos negócios com tranquilidade. 

Crédito rural

Paula Sayão e Karla Côrtes

 

No período da pandemia, o agro não parou e as soluções digitais e inovação no crédito também não. “No banco também não paramos porque vimos a dificuldade de como é trabalhar com o máximo de redução de interação humana. Com isso, o trabalho se baseou em algumas frentes e uma delas foi a comunicação e alavancamos muitos canais como whatsApp, Fale com, que é um chat disponível dentro do aplicativo do banco”, disse a diretora de Negócios Digitais do Banco do Brasil, Paula Sayão. 

A executiva destacou que de maio de 2020 para cá já foram liberados mais de R$ 25 bilhões com ampliação na validade das garantias, dispensa de registros de cartórios para facilitar e dar condições especiais para alguns setores no intuito de ajudar e andar de mãos dadas com os produtores e mulheres e ajudá-los a terem resultado.

Paula enfatizou também sua admiração à resiliência com que os produtores e a mulheres trabalharam para garantir a demanda da população e falou sobre a importância das mulheres de se empoderarem de informações. “Hoje temos pelo digital muita informação à disposição e o banco tem investido nisso. Além de perguntarem, se informem sobre qual é o melhor momento para determinado crédito, quais as linhas e facilidades, negociem. Estamos plantando uma nova geração, um novo Brasil e um novo agronegócio muito mais tecnológico, sustentável e igualitário com a questão da diversidade de gênero, respeitando também as diferenças de raça e etnia”.

De acordo com Karla Côrtes, gerente na diretoria de agronegócios do Banco do Brasil, o cooperativismo tem uma participação expressiva no agronegócio. “Esse segmento está muito ligado à transformação e inovação. Uma das coisas que sobressaem é a participação feminina com protagonismo”. Na oportunidade, Karla destacou que como um tradicional parceiro do agronegócio, o banco se adaptou a todas as transformações, e em trazer as soluções digitais para o agronegócio. “Temos soluções para diversas necessidades da mulher cooperativista. Vale a pena destacar o Pronaf  Mulher, que tem uma ligação com aquela que está liderando e conduzindo o agronegócio, mostrando o futuro que ela enxerga da atividade produtiva, com uma linha que atende às  necessidades de investimento, com taxas atraentes e de acordo com o perfil atendido”.

Importância das organizações das cooperativas em prol dos agricultores

Tânia: “As cooperativas agrícolas estão enfrentando grandes desafios e problemas, mas sabemos que são nestes momentos que se criam oportunidades"

 

Segundo o último censo realizado pelo IBGE, as cooperativas correspondem a 53% da produção brasileira. Nos meses de pandemia, as cooperativas agropecuárias empregaram em um momento de economia restritiva - são quase 210 mil postos de trabalho, empregos diretos nas cooperativas que trabalham com processo de agroindustrialização. As cooperativas agrícolas, por exemplo, estão em todos os elos da cadeia, sendo as principais fornecedoras de insumos.

“O nosso diferencial diante de uma crise sanitária, política e institucional, é a confiança. As cooperativas têm isso na ligação com o seu cooperado e, em tempos de crise, faz toda a diferença”, disse a gerente geral da OCB – Organização das Cooperativas do Brasil, Tânia Zanella, que  explicou na ocasião como a OCB está se preparando para apoiar e criar um ambiente favorável para as cooperativas.

“Atualmente participamos de 23 fóruns no Ministério da Agricultura, que constituem, criam e estabelecem as políticas públicas. Uma das maiores e mais importantes políticas públicas para o setor agrícola é o plano agrícola pecuário. A organização, com o apoio das suas organizações estaduais e das cooperativas, apresenta anualmente ao Ministério da Agricultura todos os anseios, sugestões e informações para que haja condição de traçar um plano agrícola pecuário que seja bom para as cooperativas, mantendo os programas e financiamentos, o que é fundamental para o  desenvolvimento delas”.

Tânia reforçou que recentemente a OCB aprovou e apresentou um acordo de cooperação com a Conab para fomentar a gestão e organização das cooperativas para atender a parte de comercialização e compras públicas que têm foco na agricultura familiar.

Para o presidente da Ocemg - Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais, Ronaldo Scucato, o setor agropecuário é o alicerce de tudo. “A importância do agropecuário está, inclusive, com realce internacional, alimentação de qualidade e suficiente. Mas o papel institucional a favor do agro é muito importante”.

Scucato destacou que, em Minas Gerais, mais de 51% da força de trabalho em cooperativas é feminina. “Há ascendência de mulheres que atuam nas cooperativas de crédito e onde há muito crédito rural, a preponderância também é feminina. Dessa forma, estamos atendendo o que os organismos internacionais vêm propondo para atrairmos mais mulheres e jovens para o movimento cooperativista”, disse.

Ricken: “Ao agregar valor, a renda fica no local de origem, isso faz diferença e dá novas oportunidades”

“Este é o momento para entender às nossas atividades, o que as cooperativas realizam no agro e no crédito, no transporte e na saúde. Não tivemos a oportunidade de parar  devido à pandemia, pois  como parar uma produção agroindustrial? No entanto, temos que lembrar que a nossa atividade é de extremo risco, principalmente climático e de mercado. Historicamente, a rentabilidade média do produtor para quem trabalha com grãos é em torno de 2%. Para  quem está industrializado, essa  rentabilidade chega a 4%”, contextualizou  o presidente da Ocepar – Organização das Cooperativas do Estado do Paraná, José Roberto Ricken. Ainda de acordo com ele, mesmo na pandemia houve no Estado um acréscimo de 6.650 novos empregos e mais de 300 mil pessoas chegando ao cooperativismo, o que implica em uma grande responsabilidade.

Entre os desafios e oportunidades, Ricken destacou a organização dos produtores e das cooperativas para que tenham viabilidade, que gerem renda, tenham liquidez, crédito, ambiente adequado, sanidade, educação, inclusive política, e organização econômica e assim conquistarem uma condição social. “Nosso desafio é dar autonomia às pessoas. As cooperativas possuem dois papéis fundamentais: criar oportunidades,  e o produtor quer a chance de aderir adequadamente ao mercado e, para isso, precisamos ter os melhores serviços básicos como armazenamento e recepção. Já temos uma boa estrutura no Brasil hoje. No Paraná, somos responsáveis pela movimentação de 60% do que se produz no campo. Isso possibilita a organização econômica e sem isso não adianta sonhar. Outro ponto é que temos que alcançar os melhores mercados. Nossas cooperativas estão em mais de 120 países e em todos os estados brasileiros, levando a produção com qualidade, sanidade e tudo o que o consumidor precisa”.

Del Grande: “Não podemos deixar desassistidas as nossas cooperativas e os nossos agricultores”

O presidente da Ocesp, Edivaldo Del Grande, fez um balanço sobre as cooperativas no Estado de São Paulo durante os meses mais críticos da pandemia.

“As nossas cooperativas que produzem grãos, de maneira geral estão indo muito bem, temos a agricultura familiar que sofreu imensamente porque basicamente atendia a um dos mercados mais importantes, que é a merenda escolar. Quando houve a suspensão das aulas, elas deixaram ou não tiveram condições de continuar fornecendo para as escolas, que estavam fechadas”, afirmou o presidente da Ocesp, Edivaldo Del Grande.

De acordo com Del Grande, as cooperativas de flores chegaram a perder 70% do mercado. “Essa é uma cooperativa agrícola que sofre muito. As flores, além de embelezar, têm a responsabilidade econômica muito grande, um consumo grande. Estão  melhorando porque as coisas estão voltando, mas sofreram muito”.

Já o etanol, de acordo com o executivo, deu uma parada, estancou e não poderia faltar quando voltasse. “Fizemos um trabalho junto à OCB que foi muito interessante, para a redução de ICMS sobre o etanol e dinheiro para estocagem”.

Ainda de acordo com ele, o governo paulista está querendo tirar os incentivos de ICMS. “Também estamos em um fórum com 44 entidades, trabalhando em prol do agro e das cooperativas paulistas. É importante esse trabalho, pois no etanol perdemos competitividade. No setor produtivo, se for da maneira que o governo paulista está querendo, irá causar problemas. Temos que conversar e atuar junto ao governo de maneira muito forte para que ele não nos crie mais problemas. Recentemente,  formamos um escritório dentro da Ocesp, em parceria com a OCB e CNA, para estimular os agricultores a exportarem”, ressaltou Del Grande.