Na medida certa

11/10/2019 Cana-de-Açúcar POR: Revista Canavieiros
NA MEDIDA CERTA

Por: Marino Guerra
 
A precisão na irrigação da cana-de-açúcar é fundamental devido a uma palavra muito conhecida pelo modo de vida da humanidade de hoje: o estresse.
 
Essa é a visão da professora e doutora da Unesp (campus Jaboticabal), Márcia Justino Rossini Mutton, que apresentou durante a quarta edição do Irrigacana a palestra cujo o título foi "Influência da Irrigação e da Fertirrigação na Qualidade da Matéria-Prima".
 
Vamos partir do princípio de que o estresse é um desvio significativo das condições ótimas para a vida, o que acaba por induzir mudanças na forma de respostas em todos os níveis funcionais do organismo, as quais podem ser reversíveis ou não, dependendo do seu grau.
 
Esse desvio é causado por fatores externos, levando negativamente a planta a alterar sua expressão gênica, o metabolismo celular, o crescimento e a produtividade (tanto qualitativa como quantitativa).
 
São diversos os seus atores causadores, contudo, como o tema dessa reportagem é irrigação, o foco será em apenas dois deles: a água (ar seco, solo seco e inundação) e os minerais (deficiência/excesso, equilíbrio/salinidade, metais pesados, acidez/alcalinidade).
 
É racional concluir que para manter a sanidade da planta perante esses dois fatores, o produtor precisa equilibrar o seu ambiente numa corda totalmente bamba e sem a vara de bambu (que no caso seria a irrigação) para auxiliar no equilíbrio. O resultado do tombo pode significar, segundo a professora, perdas de produtividade acima dos 50%.
 
Esse prejuízo atende pelo nome de ponteiro da cana, mais conhecido como palmito, principalmente ao se observar o estrago que causa na produtividade industrial.
 
Tanto sua falta como excesso estão diretamente associados à chegada de mais palmitos nas moendas, isso porque na seca a cana é colhida aquém de seu tamanho mínimo e, geralmente, os tamanhos são desuniformes, fazendo com que seja impossível regular o desponte na colhedora.
 
Por outro lado, o seu excesso impedirá o canavial de maturar, não interrompendo o processo de crescimento e, com isso, os colmos mais altos permanecem imaturos.
 
Para transmitir o conhecimento sobre o estrago do palmito no processo de industrialização, Márcia iniciou com um "zoom" na fisiologia da planta, onde foi apresentado o seguinte esquema: as folhas mais jovens que estão no topo da planta produzem sacarose que será transportada aos colmos através do floema. Sendo assim, a seiva vai em direção à raiz, distribuindo o açúcar. Contudo, ao contrário dos toletes maduros, os da ponta não conseguem ter um bolsão de armazenamento, pois é preciso sintetizá-lo e enviar energia para garantir a continuidade do crescimento da cana.
 
Diante disso, como a sacarose é sintetizada nesse ponto, os ponteiros de cana têm elementos pouco desejáveis no processo de produção de açúcar e etanol como os ácidos orgânicos, açúcares redutores, compostos fenólicos e amido.
 
Ao analisar os ácidos orgânicos, a professora mostrou que além da ponta, o excesso de vinhaça também é um fator que aumenta a presença do elemento para além dos padrões mínimos. Sua alta presença causa cinzas no açúcar, inibição da ação de leveduras no processo de produção do etanol e também demanda aumento no consumo de cal.
 
Sobre os açúcares redutores, que se concentram também no palmito, é preciso estar atento à demora na colheita pós-maturação, principalmente em canaviais bisados, e sua interferência está diretamente ligada à produção açucareira, gerando cor indesejada aos cristais.
 
Os compostos fenólicos atrapalham a clarificação do açúcar e inibem o processo fermentativo. Embora sejam encontrados em maior número nas folhas e até mesmo na bainha, o que sai do caldo do palmito é o mais prejudicial para a indústria. Em canas mais velhas e em plantas que sofreram com ataque de podridão vermelha também há a incidência destes compostos.
 
Já o amido, assim como as outras substâncias, é concentrado no ponteiro e surge em demasia em casos de estresse do canavial, principalmente quando há excesso tanto de água como potássio (vinhaça muito concentrada), acarretando para as usinas em problemas de viscosidade (filtrabilidade do açúcar), clarificação e cristalização, o que pode ser combatido através de soluções mecânicas ou enzimáticas, porém a um custo elevado, além de demandar o manjo de resíduos.
 
Perante as informações transmitidas pela pesquisadora e sabendo que boa parte do canavial precisa evoluir tanto em peso como em qualidade (principalmente ao observar as questões de impureza vegetal), a única conclusão plausível que se chega é que a irrigação é necessária. No entanto, ela precisa ser exata, ou seja, o uso da vinhaça é extremamente necessário, o que exige o desenvolvimento de métodos mais precisos não só de aplicação (o hidroholl deixa muito a desejar nesse quesito), mas também no controle da sua concentração de potássio.

 
 

Fonte: Revista Canavieiros