Nova fábrica, nova realidade

08/05/2018 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra


Com certeza a inauguração de uma nova fábrica de semirreboques canavieiros em Araraquara é uma notícia muito positiva, até porque sob o ponto de vista do mercado consumidor a concorrência deve acirrar e isso se refletir em melhores condições comerciais.

E não poderia ter momento mais oportuno para esse acontecimento, pois com as novas resoluções do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), primeiro com a lei do enlonamento e depois com o aumento do rigor no limite de carga, e também com a busca de ganho de eficiência no processo, a fim de reduzir custos, que ganharam protagonismo principalmente depois da elevada subida dos preços do diesel, a realidade de se transportar cana será outra, exigindo do mercado preço (todos conhecem muito bem a capacidade de investimento do setor hoje) aliado com rápidas soluções tecnológicas.

Nesse contexto, a Revista Canavieiros conversou de maneira exclusiva com o diretor de inovação e tecnologia e responsável pela unidade de Araraquara da Randon, Sandro Trentin, tendo como foco qual a visão desse importante ator principalmente nessa dobradinha: preço e tecnologia, sempre amarrados com a nova maneira de fazer o que as novas regras exigem.

Na entrevista também foi abordado como a empresa enxerga alguns aspectos do sistema ferroviário e que dizem diretamente a respeito do setor sucroenergético.

Assim como o fim das queimadas, todos sabiam que o estado iria exigir mudanças de atitude do setor dentro do transporte canavieiro, é menos preocupante ver que diferente do corte, parece que a nova realidade já vem, em alguns aspectos com ferramentas apropriadas e mais maduras que façam a transição ser menos dolorida.


Revista Canavieiros: É nítido que um dos fatores responsáveis pelo investimento nessa unidade de Araraquara é o fato dela estar no coração do setor sucroenergético, além é claro de ser vizinha de uma ferrovia ativa. Levando em consideração que antes dela, a linha canavieira era fabricada em Caxias do Sul, qual o diferencial em termos de redução de custos refletindo no preço final do equipamento?
Sandro Trentin:Um dos motivos que uma indústria procura construir uma nova fábrica é reduzir custos para ganhar competitividade de mercado. Aqui, no caso de Araraquara, especialmente para a linha canavieira, a questão da redução dos custos logísticos parece óbvia, mas também tem uma outra vertente muito importante, a de estreitar relacionamento com os nossos clientes.
Trazendo o produto o mais próximo possível dentro de uma estrutura de fabricação mais produtiva, nova e moderna, com certeza o mercado vai começar a sentir a nossa competitividade já neste ano.

Revista Canavieiros: Junto com a fábrica a empresa prepara alguma linha nova de financiamento?
Trentin: A Randon vai trabalhar com suas linhas tracionais de financiamento: BNDES, Finame e Banco Randon. No entanto é bem provável que ela busque ofertar taxas compatíveis com essa demanda, com esse mercado.
Temos consciência que o setor canavieiro foi bem afetado pela última crise e está no início de seu processo de reestruturação. Por isso ela trabalhará para estar junto do cliente, inclusive com a alternativa de utilizar um consórcio próprio.

Revista Canavieiros: Qual a perspectiva da empresa em relação ao super-rodotrem, que terá peso bruto de 91 toneladas?
Trentin: Nós acreditamos que a partir do momento que ele for liberado pelo Contran, Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e outros órgãos e com isso concluir todas as etapas de homologação, a fim de liberara sua AET (Autorização Especial de Trânsito),ele gerará uma nova realidade no mercado, pois vai conseguir transportar dentro da regulamentação uma carga diferenciada. Será uma outra condição para a logística de transporte da cana, onde haverá mais uma importante alternativa para o ganho de produtividade.

Revista Canavieiros: Como você enxerga a evolução do transporte de cana até chegar a um semirreboque dessa magnitude?

Trentin: O transporte de cana no passado era muito mais interno no meio-ambiente das usinas, então a sobrecarga e a carga não eram um elemento de exigência legal, ou seja, operava muito em estradas vicinais e terra.
Com a plantação de cana se expandindo, esse processo acabou entrando nas vias estaduais e até mesmo federais, passando a ser necessária a adequação à legislação federal e estadual, que focana proteção da obra-de-arte (rodovia) e envolve questões de segurança mais rígidas (olhando para os usuários).
Em consequência, a sobrecarga passou a ser taxada, principalmente através de multa. Então o super-rodotrem vem dar uma condição de transporte, logística, sem gerar esse passivo.
Sendo assim, precisamos entender como as vias estarão preparadas para atender isso, pensar que ele agrega novas tecnologias como o freio ABS e o sistema de controle de estabilidade.Os caminhões de hoje têm mais condições de tracionar e também gerar economia, valendo ressaltar que eu não vejo vantagens em áreas específicas (combustível, tempo, entre outros), eu enxergo redução de custos sobre o processo total de transporte de cana.

Revista Canavieiros: As colhedoras de cana, além de já terem sua automação em um estágio tecnológico adiantado, também são conhecidas por serem um verdadeiro gerador e banco de dados ambulante. Como você enxerga essa questão da tecnologia embarcada nos semirreboques?
Trentin: Nos nossos produtos podemos contar com diversas opções tecnológicas como de controle,localização, balança embarcada, entre outras. Vale ressaltar que elas estão disponíveis e são direcionadas por nossa equipe de venda conforme a necessidade real de cada cliente.

Revista Canavieiros: Tendo como base a nova realidade de que cada vez será mais difícil se praticar o sobrepeso nos canavieiros de 74 toneladas e 9 eixos, como você enxerga o futuro dessa categoria de semirreboques?
Trentin: Eles ainda serão uma importante ferramenta para o transporte de cana em pequenas distâncias, que geralmente possuem apenas estradas vicinais ou de terra em seu percurso, eu não vejo necessidade de troca do conjunto.Produtores que necessitam operar em maior distância e que precisam passar por estradas estaduais e federais vão ter que seguir o caminho do super-rodotrem, eu não vejo alternativa.

Revista Canavieiros: Uma das operações que mais reduzem custo no transporte de cana é a “bate-volta”, onde ao chegar carregado na usina, o cavalo mecânico desacopla a carreta cheia, engata uma vazia e retorna para a frente de colheita, fazendo com que não seja perdido o famoso tempo de pátio. O que a Randon tem de novo para agilizar esse processo?
Trentin:Com certeza essa operação é um dos processos que a Randon vem trabalhando mais dentro da linha canavieira, e a evolução são as patolas eletro-hidráulicas, que vão garantir agilidade tanto no processo de acoplamento como de desacoplamento.Também é preciso falar da questão da quinta roda, onde com a utilização da mesa de atrito parafusada, será possível proporcionar muito mais agilidade de manutenção.
Sabemos que a evolução tecnológica não vai parar por aí e sempre estaremos desenvolvendo novos recursos nesse quesito, conforme elas se tornarem disponíveis.

Revista Canavieiros: Esse sistema de patolas eletro-hidráulicas também estará disponível para os modelos menores, de 9 eixos?
Trentin: Os produtos que já estão em fabricação, de 9 eixos, levam em consideração a questão das patolas hidráulicas. Esse sistema traz bons resultados no tempo de acoplamento e desacoplamento, pois elimina a necessidade de uma pessoa interagir com o produto na hora de operar o sistema de travamento e elevação de carga.

Revista Canavieiros: A obrigatoriedade de enlonar as carretas de cana que trafegam por rodovias estaduais e federais, a qual entrou em vigor no ano passado, ainda gera muitas dúvidas para quem trabalha na logística da cana. A Randon pensa em desenvolver um sistema que proponha a padronização desse processo?
Trentin: Hoje a empresa tem um sistema, instala ele, mas também permite que o cliente trabalhe com outro. Em primeiro lugar nós apoiamos essa regulamentação, pois traz mais segurança para a via. Sabemos que precisamos entender as diversas aplicações e já temos um sistema em teste justamente vivendo essas realidades. Acreditamos que a tendência é o sistema já sair de fábrica pronto, padronizado e também automatizado.

Revista Canavieiros: Por razões obvias, o Hopper (modelo ideal para o transporte de grãos, açúcar, fertilizantes, entre outros) deve ser um dos vagões a ser produzido aqui em Araraquara, no entanto eu gostaria de saber qual a visão de vocês a respeito do transporte ferroviário de etanol através de vagões tanque?

Trentin: A fábrica também está preparada para produzir tanques. No atual cenário, a demanda por esse modelo é muito menor em relação ao Hopper e ao Gôndola (ideal para o transporte de minérios), quanto ao transporte ferroviário de combustível, já estamos nesse segmento há mais de 15 anos.

Revista Canavieiros: Mas você acha que é possível o Brasil em algum dia transportar etanol em trilhos?
Trentin: A logística do etanol é feita em sua maioria via modal rodoviário, pela estrutura que temos, hoje o transporte ferroviário é viável para longas distâncias, de 1.000 km para cima e ainda precisa ter condições favoráveis de base de transferência, o que torna a distribuição do biocombustível praticamente inviável, considerando o cenário atual.

Revista Canavieiros: Então é certo concluir que para se ver vagões tanques circulando com etanol em trens teria que melhorar a malha ferroviária, mas também o biocombustível ganhar uniformidade de vendas em todo o território nacional, assim justificaria a utilização do trilho ao asfalto, por exemplo, para levar etanol de São Paulo para Porto Alegre?
Trentin: Essa com certeza seria uma ótima oportunidade.

Revista Canavieiros: Com certeza vocês já devem conhecer o sistema de transporte de cana ferroviário que existe na Austrália, como vocês são uma empresa que atua tanto no setor canavieiro como no ferroviário, gostaria de saber a sua visão sobre uma eventual implementação desse sistema aqui no Brasil?
Trentin: Talvez seja uma alternativa para o futuro, o transporte ferroviário vem evoluindo e crescendo no Brasil, principalmente após o marco regulatório, através das concessões realizadas há vinte anos.Hoje vivemos um processo de renovação delas, se ele obedecer às questões legais aliado a um marco favorável em termos de mercado, eu não tenho dúvida nenhuma que o transporte ferroviário vai crescer bastante,abrindo janelas para a entrada de novos elementos.
Talvez para a operação do canavial para a usina, no Brasil, dificilmente será feita de trem.Eu não consigo enxergar isso a um médio prazo, acredito muito no aumento do transporte de açúcar, principalmente no fluxo para os portos, pois tem a questão das longas distâncias, que é a verdadeira vocação de uma ferrovia.