Os interesses e obrigações dos fornecedores de cana atualmente são uma mescla de velhas demandas com atitudes contemporâneas.
Se a briga por preços é algo que existe desde sempre, hoje ela tem uma roupagem com argumentos ligados às práticas sustentáveis. E quanto à boa e velha política? Agora os megafones foram deixados de lado por mensagens rápidas geradas de aplicativos. Até mesmo a essência associativista deixou de ser um canivete com apenas uma lâmina, a da representação de classe, para se tonar numa ferramenta suíça, ofertando uma infinidade de funcionalidades.
Esse conceito fica claro depois da conversa com o novo CEO da Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil), José Guilherme Nogueira, que depois de atuar de maneira representativa numa associação, grupo de usinas e cooperativa agropecuária em sua carreira, encara o desafio de ser um dos líderes nesse processo de junção de problemas antigos com novos desafios, o que se for bem-sucedido, pode ser um dos fatores para a canavicultura, pelo menos a de fornecedor, enfim conseguir se libertar do atoleiro produtivo que está desde o fim do corte da cana queimada.
Não pela adoção de tecnologia, que hoje há bastante coisa boa disponível, mas por conseguir implementar uma forma de gestão (englobando todas as disciplinas administrativas) que garanta o uso das ferramentas certas no momento ideal.
Revista Canavieiros: Como você enxerga o processo de profissionalização já iniciado por algumas associações?
José Guilherme Nogueira: O primeiro ponto é a associação ter um diagnóstico para saber quais ferramentas vão auxiliar na sua atuação e com isso ter a postura profissional de um prestador de serviços, isso para o associado passar a enxergar o seu valor. Assim ele vai conseguir mensurar o quanto ela é importante para ele, o que traz de benefício, como ele é gerado, medido.
A partir do momento que você tem uma gama de serviços, indo além da atuação política, gera reconhecimento e então o profissionalismo na gestão vem conforme o crescimento dessa demanda, até porque numa associação, por não visar lucro, o desafio da transparência na gestão cresce junto com o volume de atividades, o que demanda profissionais que consigam implementar todos os princípios possíveis relacionados às melhores práticas de governança corporativa.
Revista Canavieiros: A formação do preço da cana é um assunto muito debatido recentemente. Como a Orplana vem trabalhando nesta questão?
Nogueira: É preciso considerar que o fornecedor de cana entrega quatro produtos para a usina: o ATR, que é precificado através do Consecana, o bagaço, a descarbonização e a palha.
Hoje as conversas estão focadas no reajuste do Consecana, na precificação do bagaço, focado somente no montante excedente utilizado na cogeração de energia o qual tem um valor que precisa ser reconhecido, e os CBIos, que é a moeda da descarbonização realizada pela lavoura canavieira, criado junto com o Renovabio, o qual, segundo o nosso entendimento, o produtor tem direito a 80% do valor de sua comercialização.
Revista Canavieiros: Como deveria ser a remuneração sobre o bagaço?
Nogueira: Nós já temos diversos estudos sobre o assunto que contemplam o bagaço excedente, ao longo dos anos, com a entrada de variedades mais fibrosas e melhorias no processo de geração, as usinas aumentaram cada vez mais sua capacidade de gerar e consequentemente ofertar energia ao mercado, tanto que hoje o valor da tonelada chega a ultrapassar os R$ 100,00.
Além disso, com a produção do etanol de segunda geração tendo como matéria-prima o bagaço e a palha, a tendência de aumento no valor agregado desses subprodutos tende a ser bem maior, o que aumenta ainda mais a necessidade de se resolver a questão do preço que será pago ao fornecedor.
Revista Canavieiros: E o biogás/biometano?
Nogueira: Neste caso o ponto de vista é diferente, ele é gerado através de um processo que já é da produção do etanol, que gera a vinhaça e outros subprodutos que resultarão no biogás. Assim vejo para o futuro, quando esses mercados estiverem mais maduros, a necessidade de se discutir alguma remuneração, mas dentro da formação do valor do ATR.
Revista Canavieiros: Por outro lado, o produtor também vai precisar se adequar não apenas melhorando a qualidade da matéria-prima fornecida, mas também se enquadrando em exigências sob a premissa ESG. Como será esse processo?
Nogueira: Acredito que seja um movimento natural demandado pelo mercado de forma que as fazendas devam mostrar o que fazem, o produtor brasileiro é muito sustentável. Vejo o processo de certificação uma formalidade que vai reconhecer o trabalho que o produtor já faz, que segue a legislação vigente e que vai adequar seus processos para atender os protocolos conforme as tendências de mercados, como o Bonsucro.
Revista Canavieiros: Hoje o processo de repasse de áreas de usinas para fornecedores mais tecnificados vem se intensificando. Quais os motivos dessa tendência?
Nogueira: A cana do produtor tem geralmente produtividade e um ATR maior, como a produção de açúcar depende de diversos fatores, climáticos, maturação, momento de colheita, mas pelo fato do dono ter um olhar próximo, uma gestão muito mais atuante, faz com que o seu resultado reverbere.
Não que as usinas não tenham cuidado, mas como no caso dos fornecedores são áreas menores, naturalmente o trabalho será mais dedicado e o aumento de casos de repasse de área mostra que as usinas perceberam que ao ter produtores tecnificados como parceiros, consegue melhorar a qualidade da matéria-prima mantendo o ritmo da safra e reduzindo o investimento no setor agrícola, o que lhe permite também ter maior foco na indústria.
Revista Canavieiros: Como a Orplana vem se posicionando nas questões políticas?
Nogueira: Nosso presidente do conselho, Gustavo Rattes, tem feito muitas visitas ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e isso tem ajudado muito nos nossos pleitos.
Temos muitas demandas, sendo hoje o maior destaque o projeto de lei sobre a questão dos CBios de entrar com 80% para todo o produtor de matéria-prima vegetal que forneça para a indústria de biocombustíveis, não seria somente a cana, mas por exemplo, a soja e o dendê que são originários do biodiesel.
Mas nossa atuação é mais ampla, temos uma assessoria parlamentar ativa em Brasília, vendo projetos de lei, observando emendas, decretos, para que não só temos condições de reagirmos de maneira ágil em leis que podem prejudicar a atividade, mas também identificar oportunidades que possam ser interessantes aos fornecedores de cana associados.
Revista Canavieiros: E quanto a reforma tributária?
Nogueira: A reforma tributária demanda muita cautela com o texto final, não somos contra, entendemos que é necessário um processo tributário mais claro, mas temos certeza que o agronegócio como um todo precisa entrar num regime diferenciado.
É preciso reconhecer o produtor, não só como a principal atividade da economia brasileira, mas também como um redutor de inflação, porque quanto mais ele produz, mais barata a comida vai ficar. Tributando o agronegócio não vai ajudar, pelo contrário, vai piorar a situação.