O agro e o campo normativo

07/05/2021 Agricultura POR: FERNANDA CLARIANO

Buscando uma melhor sistematização das regras no regime jurídico do agronegócio com mais equilíbrio, legitimidade e efetividade

 

 

Recentemente, importantes nomes das áreas jurídica, governamental e do agronegócio participaram de um evento virtual para tratar de importantes assuntos como Reformas e Competitividade; Sustentabilidade e Segurança Alimentar Investimento Estrangeiro e Sistema de Financiamento Privado. A primeira edição do CBDA (Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio) acontece num momento importante, num curso de uma pandemia que evidenciou por sua vez a importância do agronegócio.

Na abertura, o presidente do IBDA (Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio), Renato Buranello, destacou que a análise conjunta do direito, da economia e das organizações, tem relevância por possibilitar entendimento mais profundo da complexidade, da realidade agroindustrial. “As questões relativas ao agronegócio não estão ainda suficientemente difundidas na doutrina e na jurisprudência. Muitos precedentes relacionam os negócios privados empresariais aos preceitos de direito agrário, mas os modelos de negócio e a complexidade e tecnologia dos mercados agrícolas vão muito além da atividade de produção no campo. Temos por objetivo o estudo do regime jurídico do agronegócio, que busca contribuir na formação de políticas públicas para o setor, como também na adequada sistematização das regras existentes e sua melhor interpretação quando do exercício da função jurisdicional”.

Buranello: “As questões relativas ao agronegócio não estão ainda suficientemente difundidas na doutrina e na jurisprudência”

 

Ainda segundo Buranello, a quebra da unidade da cadeia agroindustrial significa a criação de riscos. “Os negócios jurídicos integrados no atendimento a sua função econômica e social devem estar protegidos. Sabe-se, que as atividades econômicas exploradas nas cadeias agroindustriais devem contribuir para o aumento da produção de alimentos, fibras e bioenergia, visando à segurança alimentar. Também os custos de transação tendem a se reduzir em mercados nos quais os agentes econômicos confiam no comportamento dos outros. Buscam-se, aqui, cenários previsíveis, em que se possam legitimamente esperar a adoção de certas condutas dos parceiros comerciais”.

O presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, em sua participação reforçou a importância de se ter o desenvolvimento de um pensamento jurídico cada vez mais aprimorado para o agronegócio. “É fundamental que tenhamos caminhos aplainados no meio judiciário, legal e tributário, para que o nosso principal negócio brasileiro tenha paz e segurança jurídica no seu desenvolvimento e na sua capacidade de fazer com que as pessoas se desenvolvam e se crie prosperidade no país como um todo. A OCB tem se preocupado com esse tema, já temos um grupo jurídico tributário que se dedica a isso e queremos somar esforços para que tenhamos a paz que tanto precisamos nessa área”, destacou Freitas.

Junqueira: “Desburocratizar e simplificar é o que dará ao setor privado o protagonismo necessário com maior segurança e incentivo para o crescimento econômico

 

Já o secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Gustavo Junqueira, ressaltou o papel fundamental do agro no fornecimento de alimentos e a maior e melhor utilização dos instrumentos jurídicos pelo setor, modernização da legislação, implementação de reformas e políticas agrícolas pensadas em conjunto com o setor privado e a simplificação e desburocratização de normas e menos interferência dos órgãos governamentais na dinâmica da redução. “O agro brasileiro tem buscado cada vez mais se modernizar e atender às demandas do mercado global. Para cumprirmos com o nosso papel na garantia da segurança alimentar mundial precisamos contingenciar riscos e otimizar os resultados econômicos por meio da aplicação de adequados instrumentos jurídicos. Porém, a burocracia é um adversário cruel da economia e o Brasil, infelizmente, possui uma posição de destaque entre os mais burocráticos. Nesse cenário, desburocratizar e simplificar é o que dará ao setor privado o protagonismo necessário com maior segurança e incentivo para o crescimento econômico”.

A senadora Soraya Thronicke contribuiu em sua apresentação com o ponto de vista do legislador, que tem relevante papel na formação da estrutura que sedimenta o ordenamento jurídico do agronegócio. Na ocasião ela ressaltou a importância do papel, do trabalho conjunto entre os membros do legislativo e do judiciário para que o agronegócio, como motor da economia brasileira não pare. A seu ver, os Senadores e Deputados precisam atuar na reforma tributária para impulsionar a atividade rural, porque quando o Brasil vai bem, o agro é parte decisiva desse sucesso. “Precisamos ter consciência de que o agronegócio é o motor da economia brasileira há tempos. Para que esse motor não pare, o legislador e o judiciário devem trabalhar olhando sempre para o mesmo horizonte. Se tivermos saúde política conseguiremos cada vez mais trazer resultados positivos para o crescimento da nossa potência nacional que é o agro. Nos anos de crise, é o agro que segura firme o rojão e não deixa que a nossa economia saia completamente dos trilhos. Os textos das reformas devem ser trabalhados de forma que impulsione a atividade rural e não o contrário.

 

Reformas e Competitividade

As reformas são essenciais para a competitividade do Brasil no ambiente interno e internacional. Essas reformas encontram eco atualmente num Congresso que está receptivo, porém carente de uma participação maior do poder executivo. No painel mediado pelo doutor em Direito Administrativo pela UCMadrid, Fábio Medina Osório, renomados profissionais discutiram as reformas política, tributária e administrativa, que são imprescindíveis para impulsionar a competitividade do Brasil no cenário internacional para que o país possa gerar empregos e desenvolvimento.

A diretora-presidente da Tendências Consultoria Integra, Elizabeth Farina, pontuou em sua fala que a competitividade depende de regras estáveis e previsíveis, por isso a importância das reformas e respeito às regras do jogo para mitigar deficiências. “Temos uma carga tributária muito distorcida, precisamos ampliar essa reforma administrativa para o campo do judiciário - temos um judiciário com mais de 100 milhões de processos. Atualmente no Brasil, a lentidão do judiciário causa uma distorção nos litígios, ou seja, há uma motivação para litigar em função dessa lentidão, o que produz essa paralisação dos litígios. Temos efetivamente que trazer a reforma administrativa de uma maneira mais ampla dentro desse conceito”.   

O deputado federal Arnaldo Jardim por sua vez traçou um cenário sobre a tramitação das reformas. Na ocasião, ressaltou que o atual Congresso Nacional é reformista e que haverá avanços nas questões das reformas, em especial da tributária, uma vez que a PEC45 está em com o relatório pronto para ser analisado pela Câmara, enquanto a PEC110 também está em evolução no Senado. Nesse sentido, ele reforçou a importância do protagonismo do executivo e a mobilização da sociedade. “Temos o olhar do judiciário, tivemos o olhar do mercado, talvez falte o olhar do executivo para que possamos ir compondo isso, sociedade, poderes constituídos, apontar tendências”.

Noronha: “A cada dia que criamos uma inovação no sentido de fragilizar garantias e o ambiente negocial, quem é punido são os próprios produtores”

 

 

Sustentabilidade e Segurança alimentar

Na avaliação do Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, as reformas são necessárias e o Brasil precisa de transformações, ser mais competitivo, e o poder executivo precisa participar mais ativamente para alavancar as reformas junto com o poder legislativo. Para ele, o agronegócio carece de investimento também do governo federal e propiciar recuperação de empresa à atividade rural é muito justa. “Se quisermos modernidade, precisamos criar instrumentos que diminuam o risco legal. Precisamos criar instrumentos que seja de simples contratação, assim teremos um setor com acesso a um crédito barato, ágil e rápido”.

Ainda de acordo com o ministro Noronha, sentença não é instrumento de política econômica e levar ao judiciário as questões que de fato não foram melhor trabalhadas pelo legislativo ou não tão bem propostas pelo executivo leva a um volume incalculável para que o poder judiciário possa de fato dar direcionamento. “Devemos diminuir a judicialização e para tanto encontrar um melhor ambiente de negócio”.

Sustentabilidade e Segurança alimentar são sinônimos, no longo prazo um não existe sem o outro e é um tema que ganha muita relevância nesse processo de pandemia e ganhará ainda mais relevância no processo pós-pandemia que já se iniciou em alguns países. O agro tem um papel fundamental em garantir o abastecimento de alimentos seguros. As projeções e estimativas de crescimento de 3% do PIB do agro e 4.2% do valor bruto da produção em 2021, aliando sempre com a produção e o desenvolvimento sustentável, são números significativos de crescimento.

O Brasil possui o maior rebanho de bovinos, com 215 milhões de cabeças. No entanto, a taxa de lotação ainda é baixa, com cerca de 1,5 cabeça/hectare, e com produtividade média de menos de dez arrobas por hectare/ano. Isso significa que o setor tem um potencial de crescimento elevado, com a possibilidade de expandir de três a cinco vezes mais, sem a necessidade de abertura de novas áreas ou de qualquer tipo de transformação no meio ambiente. Esses dados foram apresentados pelo engenheiro-agrônomo Francisco Beduschi Neto, executivo da National Wildlife Federation (NWF) no Brasil, no painel conduzido pelo presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio). Marcello Brito, que contou também com a participação da advogada especialista em direito ambiental e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), Samanta Pineda; do presidente da CropLife Brasil, Christian Lohbauer e da vice-presidente Global de Relações Institucionais, Reputação e Sustentabilidade da BRF Grazielle Parenti

Beduschi: “Podemos bater recorde de desenvolvimento, mas precisamos fazer nossa lição de casa, mostrando realmente o que as propriedades rurais têm feito”

De acordo com Beduschi, além de contribuir para suprir a demanda por alimentos no mundo, o setor ainda trabalha em prol do meio ambiente, auxiliando a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. O executivo também chamou a atenção ao fato de que se o Brasil souber aproveitar as oportunidades, certamente será, após a pandemia, o maior fornecedor de alimentos ou o maior supermercado do mundo.

“Podemos bater recorde de desenvolvimento, mas precisamos fazer nossa lição de casa, mostrando realmente o que as propriedades rurais têm feito assim como a pecuária nacional e, claro, posicionar o Brasil nessa questão”. Ele ainda destacou que é preciso avançar com maior transparência, a fim de atender às demandas dos investidores, países e consumidores. Para isso, pontuou que medir e comunicar são fatores fundamentais para dar conhecimento não apenas sobre o que tem sido feito pelo setor, mas também em cada unidade produtiva.

A advogada especialista em direito ambiental e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), Samanta Pineda, que também compôs o painel, destacou que ao passar a ser um valor agregado para o agronegócio, a sustentabilidade possibilita um olhar diferenciado por parte do investidor, que terá condições únicas no mundo, mas para isso, o país precisa dar um posicionamento firme quanto ao que tem sido feito para preservação ambiental, uma vez que a imagem do país está bastante desgastada devido ao desmatamento e queimadas ilegais. Ela lembrou ainda que o Brasil conta com uma política ambiental inovadora no que tange a proteção e a incorporação de tecnologias sustentáveis, que é o Código Florestal. Mas que precisa ser efetivamente implementado.

 

Participação do investimento estrangeiro

 

A questão do investimento estrangeiro precisa ter transparência, clareza e previsibilidade. O projeto de lei, PL 2.963/2019, de autoria do senador Irajá Abreu, que está em análise na Câmara dos Deputados, regula a compra, e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras e foi um dos principais temas discutidos no painel “Participação do investimento estrangeiro”, mediado pelo presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Cosag/FIESP), Jacyr Costa e que contou com a participação do sócio-diretor da Agroconsult, André Pessoa; do coordenador do Centro Insper Agro Global, Marcos Jank; do advogado integrante da ordem de Quebéc e professor da Universidade de Montreal, no Canadá Dan Kraft e do presidente Executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), Venilton Tadini. 

Na avaliação do autor do PL, o país está vivenciando um dilema que é encarar com seriedade o assunto, definindo um marco com regras claras e critérios do que se pode ou não fazer, ou continuar fazendo de conta que os estrangeiros não estão no país

Para Marcos Jank, a questão dos estrangeiros no Brasil é muito antiga e a parte de terra não foi disciplinada até hoje. “Entendo que vamos ter que resolver isso, mas a presença dos estrangeiros é muito anterior ao próprio crescimento do agronegócio”.

Jank: “Temos muita insegurança jurídica que dificulta a entrada de capital, e tem vários fatores que podem ser aprimorados na medida em que consigamos atrair mais capital de fora”

Jank ainda destacou que há poucos acordos comerciais ou acordos de investimentos assinados com outros países e isso se deve a insegurança jurídica que dificulta a entrada de capital. “Acho que tem vários fatores superimportantes que podem ser aprimorados na medida em que consigamos atrair mais capital de fora seja nos investimentos geral no agronegócio, seja principalmente na questão das terras e na compra de terras por estrangeiros. Esse é um tema que tem que ser resolvido, é um tema muito importante para atraímos capital de longo prazo e é um tema fundamental para o agronegócio”.

 

Sistema financeiro privado

O sistema nacional de crédito rural brasileiro foi um sucesso. Os mecanismos e intervenção governamental, fizeram o Brasil de importador líquido de alimento na década de 70 para o posto de maior exportador líquido agropecuário do mundo. Em termos de segurança alimentar é um dos sistemas que mais fez o mundo evoluir, mas esse sistema mostra sinais de esgotamento e de acordo com o subsecretário de Política Agrícola e Negócios Ambientais do Ministério da Economia, Rogério Boueri, a longo prazo pode não conseguir se sustentar.

“Esse esgotamento tem ensejado modificações na política agrícola e em especial na questão do financiamento do agronegócio da agropecuária brasileira. As restrições fiscais estão cada vez mais duras. Temos uma redução grande do espaço fiscal para que possamos subsidiar a agricultura. Esse é um dos motivos nos quais o sistema tem que mudar porque não vai haver recursos como no passado”, ponderou Boueri.

Rabelo “O grande sucesso do agro brasileiro está fundado no empreendedorismo do homem do campo, na tecnologia, no seguro e no crédito rural”

 

Para o vice-presidente de Agronegócios e Governo do Banco do Brasil, João Rabelo Júnior, o grande sucesso do agro brasileiro está fundado em quatro pilares. O empreendedorismo do homem do campo que consegue implementar uma série de novidades e inovações que aumentam sua produtividade.

A tecnologia, com as melhores sementes, melhores implementos, melhores técnicas de plantio. Um seguro que há algum tempo era baseado no programa do preço mínimo, mas evoluindo isso para o programa de subvenção do seguro rural que dá suporte e permite ao produtor rural avançar e ter mais acesso crédito. E o crédito rural, que vem sendo estabelecido e fomenta o grande crescimento, mas que, de acordo com Rabelo, não é mais suficiente, pois para financiar uma safra agrícola o Brasil precisaria de R$ 320 bilhões para financiar um custeio de 75 milhões de hectares. Segundo ele, esse ano o Banco do Brasil já financiou mais de 4,5 bilhões de CPRs (Cédula de Produto Rural).

“A possibilidade das CPRs tem levado produtores e agentes da cadeia, em especial fornecedores ou compradores de emitirem CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). Temos visto cada vez mais negócios de CRA sendo apresentados ao grande público para o seu investimento. No ano passado, terminamos dezembro de 2020 com R$ 48 bilhões de CRAs emitidos e R$ 9,6 bilhões de CDCAs (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) afirmou Rabelo”.