O agro em tempos de coronavírus

26/05/2020 Agronegócio POR: Marco Lorenzzo Cunali Ripoli

Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, Ph.D. é engenheiro-agrônomo, mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq/USP, doutor em Energia na Agricultura pela Unesp, executivo, disruptor, multiempreendedor, inovador e mentor. Proprietário da Bioenergy Consultoria e investidor em empresas.

Recentemente tive a oportunidade de participar de mais uma reunião do Cosag (Conselho Superior do Agronegócio), que tem por objetivo debater, realizar estudos e propor políticas para o setor do agronegócio, sendo um polo para discussões de assuntos do interesse das entidades representativas do setor. A iniciativa está encabeçada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Dentre a participação de diversas lideranças e autoridades do agronegócio, estiverem presentes a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina; o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, juntamente com o ex-ministro da Agricultura e prof. da FGV Agro, Roberto Rodrigues; o presidente do Cosag e diretor do Grupo Tereos, Jacyr Costa; o presidente da John Deere Brasil, Paulo Herrmann; com o VP da Abag, Francisco Matturro, o prof. Marcos Jank, do Insper, e diversas outras lideranças do agronegócio brasileiro.

O tema central foi “Os efeitos do coronavírus no desenvolvimento do agronegócio brasileiro”, em exposições realizadas pela ministra Tereza e o prof. Marcos, que tomo liberdade de compartilhar aos leitores interessados alguns pontos como:

Impactos gerais sobre o agronegócio:

No curto prazo, ocorre uma redistribuição de renda, gerando perdedores e ganhadores;

                Por se tratar de um setor essencial, a alimentação é o menos vulnerável ao lockdown;

                Mesmo com a desvalorização cambial que ajuda nas exportações, devemos esperar sérios problemas de crédito e liquidez nos próximos meses,

                Existe um duplo choque, pois a crise compromete a demanda e a oferta de produtos agropecuários.

Em relação à oferta de produtos, ao contrário da crise de 2007/8, os estoques mundiais estão altos neste momento e as atividades agrícolas intensivas de mão de obra serão afetadas por restrições a aglomerações e migrações. No caso dos mercados e da demanda, o efeito será limitado sobre o consumo total e abastecimento, levando em consideração que a demanda por alimentos básicos é inelástica para preços e pode ser elástica para a renda nos países mais pobres do mundo.

Verificaremos mudanças nos padrões de consumo em função das restrições localizadas e preços relativos (perecíveis: FLV, carnes e lácteos) e a substituição de produtos de maior valor agregado por produtos mais básicos.

A participação do comércio exterior na oferta doméstica do mundo, em relação à dependência por alimentos, pode ser dividida em países primariamente importadores (a exemplo da China, Índia, Oriente Médio, África, México e outros países da Europa e América Latina) e os primariamente exportadores (a exemplo do Canadá, Argentina, Austrália, EUA, Brasil, Rússia, entre outros).

Insegurança alimentar no mundo:

                Recessão, quebras nas cadeias de suprimentos e restrições ao comércio internacional podem causar desabastecimento, volatilidade de preços, pânico e instabilidade social;

                A pandemia passará de uma crise de saúde para uma crise de segurança alimentar, se não for bem conduzida;

                Impacto considerável sobre pequenos e médios agricultores;

                Risco de desnutrição com a interrupção dos programas escolares de alimentação pelo lockdown;

                Dificuldades em cadeias de suprimentos transfronteiriças (Ásia e África),

                Dificuldades em efetivar o lockdown (Índia).

Restrições ao comércio internacional:

                A Organização Mundial do Comércio, a Organização Mundial da Saúde e a FAO alertam para o risco de obstrução das cadeias logísticas e a importância de manter os fluxos globais de comércio agrícola para evitar crises de fornecimento de alimentos e insumos;

                O nacionalismo alimentar, que significa o retorno do Estado-Nação, controles rígidos de fronteiras e favorecimento da produção e dos produtores locais,

                O renascimento da geopolítica cada vez mais forte: acordo EUA-China de comércio internacional, Brexit e fronteiras fechadas na União Europeia, movimentos antiglobalistas e antimigração.

Medidas importantes para mitigar a crise global:

                Apoiar financeiramente os agricultores;

                Monitorar mercados e preços;

                Informar e conscientizar a população;

                Evitar interrupções nas cadeias de suprimentos;

                Garantir a merenda escolar (visando à nutrição infantil);

                Manter os mercados abertos para transações internacionais,

                Promover o comércio de produtos perecíveis (canal “verde” para hortifrutis, lácteos, carnes etc.).

Duas recomendações para o Brasil:

É importante liderar uma discussão global sobre a consistência dos sistemas de vigilância e o controle de doenças que atingem animais e humanos no mundo. Como?

                Fortalecendo os sistemas de controle sanitário dos países;

                Combatendo às zoonoses de animais selvagens;

                Eliminando vendas e abates de animais vivos em mercados abertos sem controle sanitário e de vendas de carnes exóticas no mundo todo, de forma a reduzir os riscos futuros de outras pandemias,

                Valorizando as cadeias de produtos congelados, em substituição a produtos perecíveis sem controle de qualidade.

Devemos afirmar com convicção ao mundo que o Brasil não deixará de cumprir o seu papel histórico na garantia do abastecimento global neste momento difícil.

Já passamos por momentos marcantes que sacudiram todo o mundo nos últimos 30 anos... A reorganização do mundo político-econômico com a queda do muro de Berlim em 1989, que marcou o final da “Guerra Fria” e do mundo bipolar e o início da globalização e emergência da Ásia. A reorganização da segurança internacional ocorre após o atentando ao World Trade Center, em Nova Iorque, em 2001, mostrando ao mundo a relevância dos conflitos étnicos e religiosos e o risco do terrorismo na globalização. Por fim, acontece a reorganização da sanidade humana e animal pelo advento da pandemia ocasionada pela Covid-19 no início de 2020, que expõe os riscos que a sanidade da humanidade corre e os problemas sanitários na globalização.

Tenho certeza de que passaremos por mais esta se estivermos comprometidos e unidos!

O agro não para!