O avanço do uso de inoculantes para cana-de-açúcar desenvolvidos pela Embrapa

10/11/2023 Noticias POR: Dra. Christiane Abreu de Oliveira-Paiva e Dr. Daniel Bini

Nos últimos anos, ocorreu um avanço no uso de bioinsumos no Brasil, e só em 2021 o mercado desses produtos movimentou aproximadamente R$ 3 bilhões, dos quais por volta de 22% foram com inoculante biológicos. De acordo com a Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes, as previsões do mercado indicam que em 2025 essa movimentação alcance o valor de R$ 6,2 bilhões. Ou seja, trata-se de um negócio em grande expansão e que pode gerar uma economia mundial de aproximadamente US$ 37 bilhões por ano.

Com o mercado em alta, muitas culturas estão sendo beneficiadas com essa prática, sendo que para cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) há formulações próprias de inoculantes comerciais, que foram desenvolvidas por grupos de pesquisa da Embrapa e parceiros. De fato, tecnologias biológicas voltadas para o cultivo de cana são alvo de muitas pesquisas, uma vez que essa cultura agrícola é de grande importância nacional e mundial, sendo o Brasil líder de produção de biomassa e açúcar derivado de cana.

Em termos de ocupação de área, é a terceira cultura brasileira, ficando atrás apenas da soja e do milho, com aproximadamente 8.127,7 mil hectares plantados na safra de 2022/2023, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Por ser uma cultura com alta exigência nutricional, muito dependente da aplicação frequente de fertilizantes químicos para sua implementação, no entanto, a busca por microrganismos compatíveis, e que aumentem a eficiência de uso de nutrientes e água, pode superar desafios que oneram a produção da cana brasileira.

Neste aspecto, o custo médio de produção vem aumentando a receita dos produtores nos últimos anos, por vários fatores, como a alta nos preços dos insumos e também de mudas. Isso viabiliza cada vez mais o uso de inoculantes biológicos na prática de cultivo de canaviais, tornando-se uma alternativa viável e desejável para reduzir custo de produção.

Reduzir os custos de produção, aumentar a produtividade e minimizar os impactos ambientais são práticas cada vez mais estimuladas no setor. As soluções microbianas aprimoram a captação de nutrientes nas culturas e fazem, também, com que elas se tornem mais resilientes contra fatores geradores de estresse, tais como períodos de seca e calor. Essas soluções geram aumento nos rendimentos e oferecem diversos benefícios ambientais, já que, hoje, além de produtividade e lucro, o produtor rural deve também buscar meios mais sustentáveis para a sua produção.

Essas premissas são totalmente relacionadas com o uso de inoculantes biológicos. Formulados com bactérias especificas, os inoculantes são cuidadosamente analisados e testados para desempenhar atividades benéficas e necessárias para o desenvolvimento vegetal, visando principalmente a redução do uso de fertilizantes. Para tanto, há um pacote de benefícios atrelado ao uso dos inoculantes, considerando aspectos de proteção de plantas e de melhorias nutricionais através de mecanismos como fixação biológica de nitrogênio (FNB), solubilização de fosfato, produção de fitormônios, entre outros.

Nesse cenário, a Embrapa é uma grande estimuladora e desenvolvedora de cepas eficientes e seguras, apresentando um vasto portfólio de microrganismos capazes de serem utilizadas como inoculantes para muitas culturas. A exemplo disso, a cultura da soja é uma das principais vitrines da eficiência do uso de inoculantes na agricultura, alavancado pela Embrapa, uma vez que a inoculação de Bradyrhizobium sp dispensa o uso de N mineral. Esse fato tornou o sistema brasileiro de produção da oleaginosa um exemplo para o mundo na aplicação dessa biotecnologia, resultando em redução de custos econômicos e ambientais.

A maioria das bactérias que formulam os principais inoculantes nacionais faz parte das Coleções de Microrganismos Multifuncionais de diferentes Unidades da Embrapa. Assim, cepas consolidadas no mercado brasileiro são oriundas dessa coleção, como as diazotróficas Bradyrhizobium sp., Rhizobium sp., Azospirilum sp. Essas são atualmente acompanhadas por recentes descobertas de cepas com potencial agrícola, como Bacillus megaterium, B. subtilis, B. aryabhattai, Nitrospirillum amazonenses, entre outras.

É bem definido que a associação entre diazotróficas e gramíneas pode reduzir parcialmente o uso de fertilização nitrogenada. Nesse caso, a inoculação de bactérias diazotróficas e, mais recentemente, daquelas capazes de solubilizar fosfatos e promover o crescimento vegetal, assume cada vez mais uma importância econômica e ambiental para a cultura de cana-de-açúcar.

Em relação ao fósforo no solo, por causa do grau de intemperismo de muitos solos tropicais, estima-se que cerca de 70% do P aplicado via fertilizantes minerais ou orgânicos fica acumulado no solo em formas pouco acessíveis às plantas. Essa problemática, em conjunto com a maior quantidade de fertilizantes fosfatados aplicados para manter as culturas, encarece a produção das culturas. Como alternativa, o uso de inoculantes pode superar esses desafios, sendo uma estratégia cada vez mais utilizada na agricultura, e que pode ser aplicada na cultura de cana-de-açúcar.

Nesse contexto, há recomendações de uso das cepas Nitrospirillum amazonenses e B. megaterium e B. subtilis para cana-de-açúcar, e produtos comerciais autorizados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) já existem no mercado para tal finalidade. É importante frisar que A. brasilense apresenta resultados promissores de uso, mas não existe nenhum produto comercial formulado com essa bactéria para cana-de-açúcar, sendo que os resultados ainda são experimentais.

Inoculantes para fósforo estão disponíveis para cana-de-açúcar, e as cepas da Embrapa, de B. megaterium B2084 e B. subtilis B119, são as pioneiras para essa finalidade. Previamente autorizadas para milho e soja em 2020 e 2021, respectivamente, tiveram seu registro autorizado pelo Mapa para uso em cana-de-açúcar em 2022, compondo o produto Omsugo ECO, que contém a mesma formulação do produto BiomaPhos, lançado em 2019 para uso em milho e soja. O desenvolvimento e os testes de validação dessas cepas são resultados de anos de pesquisa coordenada pela Dr. Christiane Abreu de Oliveira-Paiva, da Embrapa Milho e Sorgo. Essas cepas aumentam a eficiência de uso dos adubos fosfatados em cana, assim como reduzem custo de produção e impactos ao meio ambiente.

A tecnologia presente no inoculante Omsugo ECO, à base de Bacillus, envolve a capacidade de promover o crescimento das raízes e solubilizar fosfato por mecanismos distintos, através de enzimas e ácidos orgânicos. Em testes de campo, há indicativos de ganhos médios de aproximadamente 12 toneladas por hectare em áreas testadas por produtores.

Além disso, estudos complementares mostraram que a coinoculação das cepas de Bacillus B119 e B2084, em doses superiores a 500 mL ha-1, e associada a 50% da dose de P2O5 recomendada, foi capaz de aumentar significativamente parâmetros como tonelada de cana por hectare (TCH) e tonelada de açúcar por hectare (TAH), que são associados respectivamente à produtividade e à qualidade de matéria-prima na cultura da cana-de-açúcar. Essas informações indicam a capacidade dessas cepas em maximizar a produtividade da cana e sinalizam o uso eficiente da adubação fosfatada, com economia para os produtores.

A bactéria diazotrófica N. amazonense BR11145 da Embrapa (anteriormente denominada A. amazonense) é a mais nova alternativa de inoculante para cana envolvendo FBN. Isolada de cana-de-açúcar, é capaz de promover o crescimento de planta e aumentar a produtividade nas lavouras. Recentemente autorizada pelo Mapa para uso comercial como inoculante de cana, apresenta capacidade de fixar nitrogênio, produzir fitormônios e solubilizar fosfatos. Essa cepa bacteriana está presente no produto comercial Aprinza, desenvolvido pela parceria entre Embrapa e Basf e disponível como parte do pacote tecnológico Muneo BioKit. A atuação como promotora de crescimento de planta ocorre poucos dias após a aplicação da bactéria, pela aceleração da brotação de gemas e pela estimulação do crescimento de raízes. Como resultado, raízes de cana-de-açúcar inoculada com a cepa N. amazonense BR11145 apresentam uma arquitetura radicular com maior número de raízes secundárias, especialmente de raízes finas, que são as de maior atividade na absorção de água e nutrientes (Embrapa Agrobiologia, Dra. Verônica Reis). Como consequência disso, as plantas inoculadas apresentam melhorias no crescimento e desenvolvimento, na altura e no número de perfilhos, no comprimento e no número de entrenós, no diâmetro do caule e na produtividade de até 18% no primeiro ano.

Dentro do grupo das diazotróficas há promissores resultados do uso de cepas A. brasilense em cana. No caso, estudos recentes demonstraram que a inoculação da cana-de-açúcar com alta dose de A. brasilense Ab-V5 (15–20 × 1010 CFU ha−1) pode aumentar a produtividade de colmos e de açúcar (entre 10% e 20%, dependendo da dose utilizada do inoculante), independentemente da forma de aplicação (sulco, soqueira ou via foliar no estádio de perfilhamento). Sabe-se que há recomendações de inoculação de soja, milho, trigo e outras plantas com as cepas de A. brasiliense, sendo os benefícios à planta ligados a muitos mecanismos, principalmente à produção de fitormônios. Para cana, os resultados ainda são preliminares e experimentais, fato que é importante frisar para evitar uso indevido, uma vez que existe o inoculante no mercado para outras culturas, mas ainda não é recomendado para cana.

Boas práticas de uso dos inoculantes

Dentro da temática de inoculantes é necessário abordar dois assuntos atuais, que são as boas práticas de uso dos inoculantes para garantia da qualidade e a eficiência desses produtos. É importante entender que tecnologias como os inoculantes, que utilizam microrganismos vivos, devem ser manuseadas de maneira adequada e seguir critérios. A segurança é um dos principais fatores para a manutenção do número de células viáveis nos produtos e para a ausência de contaminantes. Por isso, procedimentos como armazenar os inoculantes em local sombreado e evitar salas com altas temperaturas e com armazenamento de outros resíduos químicos favorecem a manutenção celular das bactérias presentes no produto. Deve-se lembrar que não há necessidade de armazenar em geladeiras, e que o produto deve ser todo utilizado, a fim de se evitar contaminações, principalmente por patógenos.

Além disso, não é recomendado que os inoculantes sejam preparados nos mesmos tanques e caldas de produtos químicos, pois isso pode diminuir a viabilidade celular bacteriana, e alguns produtos químicos e seus componentes da fórmula são incompatíveis com microrganismos, além de o pH muito baixo da calda poder afetar também a viabilidade celular.

Neste sentido, é interessante também que o produtor tenha o solo corrigido e de preferência úmido durante o uso dos biológicos. A aplicação dos inoculantes no sulco de plantio, como no caso da cana, evita esses problemas, mas é necessário atentar para a dose de aplicação e para o volume de calda de água, que deve ser no mínimo de 50 L/ha. Essas e outras práticas de uso de inoculantes são essenciais para obter os melhores resultados dos inoculante.

Uma importante recomendação é a de que o produtor sempre use produtos registrados no Mapa, pois eles são fiscalizados e aprovados nesse órgão quanto à pureza e à concentração de células. No caso da prática on farm, que é produção na própria fazenda, para consumo próprio, corre-se maior risco de perder qualidade e pureza dos produtos, pois a fiscalização em cada propriedade ainda não está vigente no Brasil. É importante levar em consideração que não é tão simples produzir um inoculante, uma vez que etapas rigorosas de controle de qualidade e biossegurança são necessárias a fim de evitar contaminações por agentes patogênicos que produzam toxinas prejudiciais à saúde humana.

Pelo sistema on farm não há certeza se o que está sendo cultivado são os microrganismos de interesse ou se são patógenos (por exemplo, coliformes fecais e totais). Alguns estudos realizados pela Embrapa já confirmaram que muitos desses produtos apresentam baixa qualidade e são contaminados com vários microrganismos que são potenciais patógenos humanos (por exemplo, Enterobacter, Klebsiella, Staphylococcus, Acinetobacter). O fato é que existe um grande movimento no setor a fim de regulamentar essa prática e, para tanto, a Embrapa emitiu uma Nota técnica em 2020, em que recomenda alguns princípios básicos com informações técnico-científicas sobre a produção de bioinsumos on farm, sendo eles: 1) os microrganismos utilizados na produção na fazenda devem ser adquiridos em listas de germoplasma credenciados pelo Mapa; 2) o produtor de bioinsumos deve estar cadastrado no Mapa; e 3) a produção de bioinsumos on farm deve ser conduzida por um responsável técnico habilitado. Isso tudo, a fim de estimular uma estrutura regulatória para essa nova prática agrícola.

O sucesso do uso desses inoculantes e o avanço na seleção de novas cepas envolvem o trabalho da Embrapa e parceiros, que têm a finalidade de pesquisar e fomentar o uso de tecnologias agrícolas de maneira segura e responsável. Nesse caso, os resultados observados com os inoculantes para milho e soja podem ser também vislumbrados para a cultura de cana-de-açúcar. Os últimos cinco anos foram de muitos avanços nessa temática, e os resultados de produtividade representam esses esforços. Com inoculantes eficientes e seguros presentes no mercado e o estímulo a pesquisas para desenvolvimento de novas cepas, há indicativos de mudanças de perspectivas no cultivo de cana, que hoje é uma cultura tratada com grande importância para o mercado de bioinsumos.