“O Brasil é o melhor lugar para se produzir cana”

04/06/2021 Cana-de-Açúcar POR: Eddie Nascimento

Cid Caldas - Coordenador-geral de Cana-de-açúcar e Agroenergia da Secretaria de Política Agrícola do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento

 

A inovação é um tema muito recorrente nos últimos tempos. Com o advento das novas tecnologias, as transformações acontecem em todas as esferas de trabalho e no campo não é diferente. Nos dias atuais, a agricultura busca um aumento de produção, ao mesmo tempo em que se preocupa com aspectos ambientais.

Em abril, um seminário promovido pela consultoria AgResource discutiu as novas tecnologias e inovação na agricultura dos Estados Unidos e do Brasil. De olho na expertise brasileira, países buscam conhecer a tecnologia que é empregada em nossos canaviais.

Para entender um pouco sobre essas tecnologias e o interesse de outros países nessa forma de produção brasileira, especificamente na cana-de-açúcar, entrevistamos o coordenador-geral de Cana-de-açúcar e Agroenergia da SPA — Secretaria de Política Agrícola, ligada ao Mapa — Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Cid Caldas.

Confira!

Revista Canavieiros: Secretário, o setor sucroenergético é um dos mais importantes do Brasil. Gera alimento, combustível e até energia elétrica. Como o senhor tem acompanhado a evolução desse setor tão importante para a agricultura brasileira?

Cid Caldas: Sim. Com certeza. Pelo seu gigantismo, o setor sucroenergético tem interface com vários órgãos da administração direta (ministérios, agências reguladoras, bancos de fomento...). Especificamente, em relação à atuação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a ligação está mais concentrada nos trabalhos de pesquisa pelas diversas unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), principalmente na parte de desenvolvimento de processos produtivos da cadeia.

Revista Canavieiros: Quais são as principais inovações que o Governo Federal tem implantado por intermédio de sua secretaria para o setor de cana-de-açúcar?

Cid Caldas: Além da Embrapa, o desenvolvimento de ações para esse segmento agroindustrial, internamente no ministério, está direcionada a duas secretarias - Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação (SDI) e Política Agrícola (SPA). A difusão das inovações é realizada com meio de convênios e parcerias da Embrapa como das diversas entidades que atuam no segmento, a exemplo do Ridesa, uma rede de universidades que investem no desenvolvimento de novos materiais genéticos de cana-de-açúcar, entre outras inovações.

Revista Canavieiros: Como a secretaria tem trabalhado com toda a cadeia sucroenergética que envolve também as indústrias de base que fornecem a tecnologia para as usinas produtoras?

Cid Caldas: É preciso observar que não há envolvimento direto dessa pasta com a indústria de base. No entanto, há algumas ações de apoio ao Arranjo Produtivo Local do Álcool (APLA) que têm levado conhecimento não apenas para os interessados em produzir açúcar e etanol no Brasil, mas também no exterior. Inicialmente, pode causar estranheza uma parceria para incentivar a produção em outros países, mas é importante ressaltar a expertise do Brasil nesta área.  Além disso, se o país anseia que o etanol seja transformado em uma commodity internacional, outras nações também devem produzir e comercializar, assim formando um ambiente de mercado global.                

Revista Canavieiros: Secretário, o senhor participa de diversos seminários e encontros, onde discute com outras autoridades internacionais ligadas agricultura sobre a importância de adotar novas tecnologias na produção agrícola. Gostaria que nos citasse algumas tecnologias que já existem no mundo e que poderiam ser usadas para melhorar ainda mais a produção brasileira com relação à cana-de-açúcar.

Cid Caldas: Em termos de volume de produção agrícola geral, os resultados que o Brasil tem obtido são incomparáveis. Devido às suas características edafoclimáticas, o país tem o privilégio de ter mais de uma safra por ano na mesma área. Uma das tecnologias mais revolucionárias que possibilita isso é a do plantio direto e já utilizada há bastante tempo no Brasil.

O Brasil de antigamente utilizava técnicas agrícolas de outros países com características muito diferentes das brasileiras, como, por exemplo, após o período de inverno, havia a necessidade de trabalhar intensamente a terra (arar e gradear) devido à compactação do solo no período com muito gelo.

Sabemos que é necessário mais investimento, principalmente, em novos implementos agrícolas. No entanto, há todo um esforço para reduzir essa defasagem tecnológica.  Há empresas que, além de produzir no Brasil, também têm produção em outros países mais desenvolvidos e acabam por trazer inovações mais recentes em termos de equipamentos e que são incorporadas à atividade no mercado doméstico.

Revista Canavieiros: O Brasil é o maior produtor de açúcar, e a inovação do campo tem favorecido o aumento da produtividade brasileira em relação a outros países. Como o senhor analisa esse cenário? O Brasil pode ser no futuro um exportador dessa tecnologia?

Cid Caldas: A tecnologia na produção canavieira (parte agrícola) não registrou grandes avanços. Diferentemente de outras culturas de ciclo curto, o aparecimento de novos cultivares de cana-de-açúcar demanda um tempo de maturação muito longo (cerca de 10 a 12 anos) para se ter uma nova variedade testada e aprovada. Como a cultura da cana se concentra na faixa dos trópicos, poucos países a cultivam e, consequentemente, investem em novas variedades. 

Apesar do crescimento na parte agrícola está limitada a novas variedades, o Brasil, por sua condição climática, ainda é o melhor lugar para se produzir cana.

Quanto à exportação de tecnologia, as indústrias brasileiras de equipamentos para o segmento açucareiro são demandadas constantemente por empresas de outros países que buscam investir na atividade.

Revista Canavieiros: Pelo que o senhor tem acompanhado, existe o interesse de outros países em entender a tecnologia que é usada na agricultura brasileira? Há o interesse nesse intercâmbio tecnológico?

Cid Caldas: Sim. Muitos países têm buscado informação sobre o modelo sustentável de produção agropecuária. A Embrapa, que neste mês de abril completou 48 anos de existência, tem sido chamada a colaborar nessa divulgação.

Revista Canavieiros: O mundo hoje se debruça em relação à sustentabilidade. Muitos países veem no carro elétrico a maior inovação, como também em veículos que possam rodar com célula de etanol para a geração de energia através do hidrogênio e , nesse caso, o produto pode ser o diferencial. O senhor analisa que o Brasil pode se aproveitar desse cenário para emplacar o combustível verde no mundo?

Cid Caldas: O que o Brasil não pode permitir, em nossa avaliação, é que o modelo de eletrificação - como implementado em países mais desenvolvidos - seja aplicado aqui. A sustentabilidade da mobilidade deve ser vista no seu conjunto geral. Falar em sustentabilidade de veículos puramente elétricos é, no mínimo, controverso. Para que se contabilize as emissões de um veículo elétrico deve ser considerada a fonte de geração da energia que irá abastecer o veículo. Utilizar fontes não renováveis ou poluentes (carvão, petróleo e derivados) é um contrassenso, pois o carro pode não emitir, mas sua fonte de energia sim?

O uso direto do etanol como combustível, seja como aditivo ou base para a produção de energia embarcada (unidade celular de combustível), entendemos que deva ser o caminho a ser seguido pelo Brasil. Não se pode desprezar sua imensa rede de distribuição de combustíveis e biocombustíveis que somam cerca de 40 mil pontos espalhados nas diferentes regiões do país.

Revista Canavieiros: O setor sucroenergético hoje tem o RenovaBio, que trouxe a criação dos créditos de descarbonização. Gostaria que o senhor nos falasse o que acha desse programa que tem como objetivo é expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, enquanto avalia a sustentabilidade ambiental.

Cid Caldas: O Brasil deu o exemplo a outros países com a implantação de um modelo de sustentação a todas as fontes de energia limpas e renováveis. Em nosso ponto de vista, ainda não há uma percepção correta pelos brasileiros sobre esse programa inovador de suporte a produção limpa e renovável sem qualquer tipo de subsídio. Todos têm a ganhar com o Renovabio. Os grandes centros urbanos, os produtores dos diversos tipos de biocombustíveis, a população em geral por ter um ar mais limpo, ou seja, é um modelo que deveria ser seguido por todas as nações.

Revista Canavieiros: Para finalizarmos, gostaria que deixasse uma mensagem para os produtores de cana-de-açúcar falando sobre a importância deles para o Brasil.

Cid Caldas: A mensagem ao nosso produtor de cana-de-açúcar é que o seu trabalho, a produção está sendo reconhecida, não apenas pelos parceiros de negócio (usinas), mas, principalmente, pelos diferentes países. Hoje o foco não está mais em questões sociais ou trabalhistas, já superadas, mas sim nos avanços e em todo o esforço empregado para transformar o perfil dessa importante atividade agrícola.