Este conto os convida a me acompanharem em viagem para a interessante, exótica e culturalmente riquíssima cidade de Lima, no Peru. Uma condição única de ser beira mar e não ter chuva, a cidade em cima de uma falésia e a costanera lá em baixo, com lindos bairros como Miraflores e San Isidro, e outros não tão bonitos, mas em grande transformação. Um cheiro de história no ar.
Usei a primeira manhã livre para caminhar pelas ruas de Miraflores, muito policiadas, lembrando Zeca Pagodinho e "deixando a vida me levar", observando como um cientista os comportamentos, comércios e ambientes. Tomei um inesquecível espresso, fotografando a cafeteria recém inaugurada Juan Valdez, dos produtores de café colombianos. Uma culinária simplesmente espetacular, recomendo aos leitores jantarem no La Mar Cevicheria, uma sequência com seis pratos, algo inesquecível.
O Peru tem grande riqueza na história da América do Sul. Palco de cultura, de golpes, de movimentos terroristas, e principalmente de reformas econômicas que permitem ser um país com incrível velocidade de crescimento e transformação. A China da América Latina.
Um dos taxistas me disse que durante o recente império de um temível grupo terrorista, o Sendero Luminoso, tanto nos natais como nas passagens de ano, exatamente à meia noite em Lima, a energia era cortada, para mostrar sua presença. Pouco tempo atrás.
Comprei um livro para conhecer mais a história deste grupo e seu líder, professor universitário como eu, hoje detido em uma estrutura militar em um capricho geográfico que avança junto ao mar, em frente a Lima. Voltarei ao tema em novo conto, já estou na metade da obra, muito interessante.
A ida ao Peru era para um palestra e debate com economistas baseados nos EUA, na Europa e na América do Sul, entre eles o renomado Hernando de Soto, e ex-ministros, do Chile e do Peru, nos Governos de Bachelet e Alan Garcia. Apenas cinco pessoas, um evento de macroeconomia e agricultura, entrei nesta segunda parte, falando do agro mundial, uma honra no meio destas autoridades.
No jantar do dia anterior ao evento, uns 60 grandes empresários da América Latina, público-alvo dos organizadores. Único brasileiro, fiquei numa mesa com os palestrantes e alguns dos empresários. Se até então o conto está interessante, começa a apodrecer o ceviche.
A conversa rola para como está sendo minha experiência nos EUA, a agricultura e como vejo a América do Sul, depois viajamos para a macroeconomia e comparações entre os países. Todos dão opiniões semelhantes do Brasil: um país bonito, povo bacana, mas difícil de se investir, um país caro e um país violento. Um país que não cresce mais como crescia.
Cheguei a sentir vergonha. Na última vez que me senti assim foi quando morava na Holanda, em 1998 e sempre sofria com estas conversas que diminuíam o meu país, e sempre ocorriam... na mesa. Para mim uma sensação nova, o Brasil saindo de moda.
Depois de muito tempo na questão econômica, o assunto vai para amenidades. Perguntaram sobre os estádios da Copa, disse que alguns já estão em uso, alguns terão dificuldades econômicas depois, alguns com orçamentos estourados mas todos ficarão prontos e lindos, padrão FIFA. Gosto deles, apesar das críticas, pelo menos isto fica bom no Brasil. No sonho de que o Brasil lidere o futebol mundial, isto é importante.
E os aeroportos? Disse que após diversos, diversos e mais diversos anos e centenas de estudos, três foram finalmente privatizados, e nestes se vê grandes obras. Também acredito que ficarão prontos para o mundial. Sobre os outros não soube informar, pois dependem da estatal dos aeroportos, que mesmo tendo gente muito boa nos seus quadros, aparece com frequência na mídia, em espaços não nobres.
Na sequência perguntaram como iremos fazer, já que o Brasil está muito violento, muito inseguro. A esta altura, já nervoso, me acalmei respirando fundo e percebendo que não estavam querendo me irritar, e sim, que tinham razão. Disse que faremos igual na Rio + 20, que foi um sucesso de segurança. Nosso Exército assume, a parcela selvagem se recolhe até que a Copa termine, o Exército volta para as suas funções e os selvagens voltam às ruas outra vez.
Porém, nesta hora tive um lampejo, uma pequena vingança e disse que poderiam ir sim ao Brasil, mas principalmente aqueles que conseguirem a classificação, e não serão todos nesta mesa...
O jantar foi delicioso, conversa cordial, mas indigesta. É duro assimilar tantas críticas, ver o sonho de país de primeiro mundo mais distante devido a nós mesmos, à nossa pouca capacidade de gestão.
Aproveitei a primeira chance e fui embora ao Hotel, com a desculpa da palestra. No taxi, um executivo de Banco, que vive em Nova York, mas cuida da América Latina, disse que a Cidade do México em quase todos os sentidos, está se tornando melhor que São Paulo. Fui a nocaute. Depois de algum tempo em silêncio, só me restou falar do Neymar.
Fiquei sabendo na mesa que a Presidência do Brasil esteve no mesmo dia em Lima. Dia seguinte, pego o El Comércio, principal jornal, ainda depressivo, e não vejo nenhuma nota da visita na primeira página. Não há também nenhum editorial, entre uns 15, que falasse da visita. Havia, no meio do caderno meia pagina com foto, onde a Presidente dizia querer o comércio entre os países chegando a US$ 10 bi em cinco anos, uma excelente e louvável meta.
Foi criado um grupo de trabalho para estudar a integração ferroviária, que a meu ver, pela importância do tema, deveria ter sido criado há três anos, e nesta visita já assinarem as obras. De papel mesmo, três convênios de cooperação: na área de meio ambiente, trabalhista e em comunicações (para que populações fronteiriças não paguem ligações internacionais) além de ajudá-los na instalação de farmácias populares. Com base no jornal de Lima, achei uma agenda sem grande destaque, talvez por isto não ganhou primeira página. Torço para estar redondamente enganado. Há enganos que são gostosos.
Segue o evento, e entre as apresentações dos economistas, uma foi mortal para nós. Mostrava indicadores aceitos internacionalmente sobre reformas feitas nos países, visando torná-los mais competitivos. A comparação era entre 2009 e 2013 e, entre uns 20 a 30 países, piores que nós, apenas Bolívia e... Venezuela, este lindo país, mas em triste retrocesso graças às "chaves maduras".
Seguem apresentando dados de crescimento econômico e desenvolvimento, e também estamos mal na tábua comparativa. A mensagem dos macroeconomistas é a de que os emergentes passaram a ser diferentes, e estas diferenças devem ser observadas pelos investidores, e para nossa tristeza, perdeu-se em parte o encanto com o Brasil, fomos para segunda divisão da América do Sul.
Mas.. porque este conto se refere a operação Jorge Chávez?
Sou curioso com estas coisas, sabia que o nome do "Aeropuerto Internacional Jorge Chávez" que fica em Callao, servindo Lima, é uma homenagem a um engenheiro e aviador nascido na França em 1887, filho de peruanos, que foi o primeiro a cruzar os Alpes em 1910, mas sofreu avarias, se acidentou no pouso e morreu quatro dias após.
Sua história, o jantar e a experiência no Peru me lembrou o Brasil. Decolamos, subimos, passamos, entramos na moda, mas... descemos, pousamos e paramos. Não tão drasticamente como Jorge Chávez, espero e... os próximos anos dirão.
Para terminar o conto e partirmos, temporariamente, do Peru, um pouco de humor... Ao simpático taxista, senhor educado que me conduzia ao aeroporto, quase noventa minutos de aprendizado da história peruana, perguntei, de brincadeira para sentir sua reação: Este Jorge Chávez do aeroporto era parente do falecido Hugo, "acá del país vecino"? Ele prontamente me respondeu: "no... no...no...pelo amor de Dios, no".
Marcos Fava Neves - Professor titular de planejamento estratégico
e cadeias alimentares da FEA-RP/USP
Este conto os convida a me acompanharem em viagem para a interessante, exótica e culturalmente riquíssima cidade de Lima, no Peru. Uma condição única de ser beira mar e não ter chuva, a cidade em cima de uma falésia e a costanera lá em baixo, com lindos bairros como Miraflores e San Isidro, e outros não tão bonitos, mas em grande transformação. Um cheiro de história no ar.
Usei a primeira manhã livre para caminhar pelas ruas de Miraflores, muito policiadas, lembrando Zeca Pagodinho e "deixando a vida me levar", observando como um cientista os comportamentos, comércios e ambientes. Tomei um inesquecível espresso, fotografando a cafeteria recém inaugurada Juan Valdez, dos produtores de café colombianos. Uma culinária simplesmente espetacular, recomendo aos leitores jantarem no La Mar Cevicheria, uma sequência com seis pratos, algo inesquecível.
O Peru tem grande riqueza na história da América do Sul. Palco de cultura, de golpes, de movimentos terroristas, e principalmente de reformas econômicas que permitem ser um país com incrível velocidade de crescimento e transformação. A China da América Latina.
Um dos taxistas me disse que durante o recente império de um temível grupo terrorista, o Sendero Luminoso, tanto nos natais como nas passagens de ano, exatamente à meia noite em Lima, a energia era cortada, para mostrar sua presença. Pouco tempo atrás.
Comprei um livro para conhecer mais a história deste grupo e seu líder, professor universitário como eu, hoje detido em uma estrutura militar em um capricho geográfico que avança junto ao mar, em frente a Lima. Voltarei ao tema em novo conto, já estou na metade da obra, muito interessante.
A ida ao Peru era para um palestra e debate com economistas baseados nos EUA, na Europa e na América do Sul, entre eles o renomado Hernando de Soto, e ex-ministros, do Chile e do Peru, nos Governos de Bachelet e Alan Garcia. Apenas cinco pessoas, um evento de macroeconomia e agricultura, entrei nesta segunda parte, falando do agro mundial, uma honra no meio destas autoridades.
No jantar do dia anterior ao evento, uns 60 grandes empresários da América Latina, público-alvo dos organizadores. Único brasileiro, fiquei numa mesa com os palestrantes e alguns dos empresários. Se até então o conto está interessante, começa a apodrecer o ceviche.
A conversa rola para como está sendo minha experiência nos EUA, a agricultura e como vejo a América do Sul, depois viajamos para a macroeconomia e comparações entre os países. Todos dão opiniões semelhantes do Brasil: um país bonito, povo bacana, mas difícil de se investir, um país caro e um país violento. Um país que não cresce mais como crescia.
Cheguei a sentir vergonha. Na última vez que me senti assim foi quando morava na Holanda, em 1998 e sempre sofria com estas conversas que diminuíam o meu país, e sempre ocorriam... na mesa. Para mim uma sensação nova, o Brasil saindo de moda.
Depois de muito tempo na questão econômica, o assunto vai para amenidades. Perguntaram sobre os estádios da Copa, disse que alguns já estão em uso, alguns terão dificuldades econômicas depois, alguns com orçamentos estourados mas todos ficarão prontos e lindos, padrão FIFA. Gosto deles, apesar das críticas, pelo menos isto fica bom no Brasil. No sonho de que o Brasil lidere o futebol mundial, isto é importante.
E os aeroportos? Disse que após diversos, diversos e mais diversos anos e centenas de estudos, três foram finalmente privatizados, e nestes se vê grandes obras. Também acredito que ficarão prontos para o mundial. Sobre os outros não soube informar, pois dependem da estatal dos aeroportos, que mesmo tendo gente muito boa nos seus quadros, aparece com frequência na mídia, em espaços não nobres.
Na sequência perguntaram como iremos fazer, já que o Brasil está muito violento, muito inseguro. A esta altura, já nervoso, me acalmei respirando fundo e percebendo que não estavam querendo me irritar, e sim, que tinham razão. Disse que faremos igual na Rio + 20, que foi um sucesso de segurança. Nosso Exército assume, a parcela selvagem se recolhe até que a Copa termine, o Exército volta para as suas funções e os selvagens voltam às ruas outra vez.
Porém, nesta hora tive um lampejo, uma pequena vingança e disse que poderiam ir sim ao Brasil, mas principalmente aqueles que conseguirem a classificação, e não serão todos nesta mesa...
O jantar foi delicioso, conversa cordial, mas indigesta. É duro assimilar tantas críticas, ver o sonho de país de primeiro mundo mais distante devido a nós mesmos, à nossa pouca capacidade de gestão.
Aproveitei a primeira chance e fui embora ao Hotel, com a desculpa da palestra. No taxi, um executivo de Banco, que vive em Nova York, mas cuida da América Latina, disse que a Cidade do México em quase todos os sentidos, está se tornando melhor que São Paulo. Fui a nocaute. Depois de algum tempo em silêncio, só me restou falar do Neymar.
Fiquei sabendo na mesa que a Presidência do Brasil esteve no mesmo dia em Lima. Dia seguinte, pego o El Comércio, principal jornal, ainda depressivo, e não vejo nenhuma nota da visita na primeira página. Não há também nenhum editorial, entre uns 15, que falasse da visita. Havia, no meio do caderno meia pagina com foto, onde a Presidente dizia querer o comércio entre os países chegando a US$ 10 bi em cinco anos, uma excelente e louvável meta.
Foi criado um grupo de trabalho para estudar a integração ferroviária, que a meu ver, pela importância do tema, deveria ter sido criado há três anos, e nesta visita já assinarem as obras. De papel mesmo, três convênios de cooperação: na área de meio ambiente, trabalhista e em comunicações (para que populações fronteiriças não paguem ligações internacionais) além de ajudá-los na instalação de farmácias populares. Com base no jornal de Lima, achei uma agenda sem grande destaque, talvez por isto não ganhou primeira página. Torço para estar redondamente enganado. Há enganos que são gostosos.
Segue o evento, e entre as apresentações dos economistas, uma foi mortal para nós. Mostrava indicadores aceitos internacionalmente sobre reformas feitas nos países, visando torná-los mais competitivos. A comparação era entre 2009 e 2013 e, entre uns 20 a 30 países, piores que nós, apenas Bolívia e... Venezuela, este lindo país, mas em triste retrocesso graças às "chaves maduras".
Seguem apresentando dados de crescimento econômico e desenvolvimento, e também estamos mal na tábua comparativa. A mensagem dos macroeconomistas é a de que os emergentes passaram a ser diferentes, e estas diferenças devem ser observadas pelos investidores, e para nossa tristeza, perdeu-se em parte o encanto com o Brasil, fomos para segunda divisão da América do Sul.
Mas.. porque este conto se refere a operação Jorge Chávez?
Sou curioso com estas coisas, sabia que o nome do "Aeropuerto Internacional Jorge Chávez" que fica em Callao, servindo Lima, é uma homenagem a um engenheiro e aviador nascido na França em 1887, filho de peruanos, que foi o primeiro a cruzar os Alpes em 1910, mas sofreu avarias, se acidentou no pouso e morreu quatro dias após.
Sua história, o jantar e a experiência no Peru me lembrou o Brasil. Decolamos, subimos, passamos, entramos na moda, mas... descemos, pousamos e paramos. Não tão drasticamente como Jorge Chávez, espero e... os próximos anos dirão.
Para terminar o conto e partirmos, temporariamente, do Peru, um pouco de humor... Ao simpático taxista, senhor educado que me conduzia ao aeroporto, quase noventa minutos de aprendizado da história peruana, perguntei, de brincadeira para sentir sua reação: Este Jorge Chávez do aeroporto era parente do falecido Hugo, "acá del país vecino"? Ele prontamente me respondeu: "no... no...no...pelo amor de Dios, no".
Marcos Fava Neves - Professor titular de planejamento estratégico
e cadeias alimentares da FEA-RP/USP