Entrevista: Márcio Lopes de Freitas, presidente executivo da OCB
Por acreditar e defender os valores e princípios do cooperativismo, paixão que vem de família, o produtor agrícola do interior de São Paulo, Márcio Lopes de Freitas, buscou na atividade cooperada uma melhor alternativa de vida. Sua participação direta no cooperativismo teve início em 1994 nas diretorias da Cocapec (Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas) e Credicocapec (Cooperativa de Crédito Rural), nas quais atuou como presidente. Sua contribuição para o desenvolvimento do cooperativismo teve continuidade frente à Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo) e, finalmente, como representante do setor frente à OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), onde atua há 20 anos e atualmente é presidente executivo. Entusiasta do sistema cooperativista, Freitas falou com a reportagem da Revista Canavieiros sobre esse importante sistema de organização.
Revista Canavieiros: Como a OCB surgiu?
Márcio Lopes de Freitas: O cooperativismo era algo muito incipiente nos anos 60 e 70. Não havia lei e nada que falasse claramente o que era o cooperativismo. O dr. Antônio Rodrigues (pai do ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues) era vice-governador de São Paulo e acumulava o cargo de secretário da Agricultura. Ele, percebendo a dificuldade, convocou as cooperativas e organizou um Congresso em Belo Horizonte em 1969 e na ocasião decidiram que a melhor maneira era criar uma organização que falasse em nome das cooperativas.
O dr. Rodrigues com sua habilidade conquistou o pessoal para essa necessidade e, juntos, fundaram a OCB – uma entidade privada na qual ele foi o primeiro presidente. Na época existia uma organização muito singela das cooperativas agrícolas e um pouco das cooperativas de consumos (supermercados cooperativos), os outros ramos praticamente inexistiam - crédito era proibido. Então, foi uma luta e conseguiram avançar substancialmente com isso. Logo, em 1970, saiu a Lei 5764, que fez o cooperativismo se desenvolver muito. Daí por diante foram surgindo as questões em prol do cooperativismo que se desenvolveu, cresceu e amadureceu nesse processo todo.
Revista Canavieiros: Qual é a importância da OCB para as cooperativas?
Freitas: A OCB representa politicamente e institucionalmente o cooperativismo brasileiro e hoje é uma entidade consolidada, reconhecida, e que criou outras funções que as pessoas às vezes não entendem bem como funciona. Na realidade, o Sistema OCB faz mais do que representação, conseguimos criar o nosso S (Sescoop), o S das cooperativas, assim como tem o Senar para a agricultura e o Sesi para a indústria. O Sescoop é uma ferramenta que nos gerou condições de ter uma estrutura de capacitação e formação para o cooperativismo brasileiro. Paralelo ao Sescoop também criamos a CNCoop (Confederação Brasileira de Cooperativas) que é o nosso sistema sindical patronal. Atualmente, as cooperativas empregam mais de 400 mil pessoas no Brasil e precisávamos criar uma entidade que representasse sindicalmente o cooperativismo.
Revista Canavieiros: Qual o número de cooperativas no Brasil? E em quais culturas elas são mais atuantes?
Freitas: Temos aproximadamente 7.600 cooperativas que atuam em todas as atividades econômicas e a primeira delas sem dúvidas é a agrícola. Dentro da agricultura trabalhamos desde o leite, a soja passando pelo algodão, trigo, cevada, café, cana-de-açúcar, laranja, frutas, carnes, frangos e suínos. Estamos em todas as atividades agropecuárias brasileiras. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), metade de tudo que se produz na agropecuária brasileira passa por uma cooperativa e é originada por um sistema cooperativo. Outro segmento muito importante são as cooperativas de crédito que nasceram muito ligadas às cooperativas agrícolas. Chegamos a ter 1300 e hoje temos em torno de 1000 no Brasil, não que alguma quebrou, mas porque foram se aglutinando, as cooperativas foram formando um menor número, porém, cada vez mais fortes no setor do crédito.
Revista Canavieiros: Qual a sua opinião sobre aglutinação entre cooperativas?
Freitas: Isso é tendência, vai acontecer cada vez mais num mundo globalizado, principalmente quem trabalha com commodities e produtos de baixo valor agregado - tem que trabalhar na escala e escala se consegue com aglutinação, é assim que se consegue baixar custos. É importante o cooperativismo ter ligação com essa ferramenta que já está sendo utilizada no mundo inteiro pelos bancos e por outras entidades.
Revista Canavieiros: Para onde caminha o cooperativismo no Brasil? E como o senhor vê o trabalho das cooperativas no Estado de São Paulo?
Freitas: Eu vejo com um crescimento muito bom, acho que as cooperativas ganham cada vez mais em poder econômico e em capacidade de organização. Podemos ver hoje o desenvolvimento dos Estados, das nações, não pela riqueza em si acumulada, mas muito mais pela capacidade que as pessoas têm de se organizarem e as cooperativas têm sido ferramentas importantes. Eu diria que as cooperativas do Brasil vão crescer muito pela capacidade que têm de ajudar as pessoas, elas terão um papel cada vez mais relevante. Dificilmente teremos uma agricultura saudável sem uma organização de produtores e a organização do produtor rural é a cooperativa. Dificilmente vamos ter uma saúde próspera onde o Estado perde cada vez mais a capacidade de investir. A humanidade está querendo algo diferente e vemos que os regimes de governo estão cada vez mais incapazes de agradar as pessoas. O que observamos é uma insatisfação, o ser humano não está satisfeito com o regime autoritário, os governos não conseguem dar respostas adequadas e elas estão querendo outros modelos. O que está acontecendo é que as pessoas estão vendo que a maneira de prosperar é criando a sua própria autogestão, sua própria maneira de organização. E aí o cooperativismo entra como uma luva porque é um processo participativo e de economia compartilhada. As novas gerações querem respostas, querem participar desse processo com mais intensidade. Vejo o cooperativismo no Brasil de uma maneira especial pelo momento em que estamos vivendo, com uma possibilidade de desenvolvimento e crescimento muito intensa nos próximos anos.
Revista Canavieiros: As cooperativas têm se mostrado capazes de mitigarem os efeitos das crises?
Freitas: Com toda certeza. Elas não vão resolver tudo, não é uma fada com vara de condão, mas elas conseguem mitigar, diminuir os efeitos nefastos das crises.
Revista Canavieiros: Quais são os desafios para as cooperativas nos próximos anos?
Freitas: O grande desafio são as pessoas conhecerem a ferramenta. O maior problema do cooperativismo ainda é ser pouco conhecido e com isso, pouco utilizado, pois as pessoas não o veem plenamente. Eu acredito que o cooperativismo precisa trabalhar melhor sua autoimagem, vender mais o aspecto da integridade, essa é a primeira coisa que eu consideraria. Segundo, são diversos pontos - marco regulatório, algumas questões tributárias que são importantes para que possamos criar um ambiente positivo para que as cooperativas continuem a se desenvolver. E terceiro é mantermos a capacidade de investir no grande negócio da cooperativa que são as pessoas. Temos que manter a nossa capacidade de ter pessoas preparadas, precisamos investir em educação, formação e capacitação em todas as áreas, ou seja, em nossos funcionários para que eles estejam cada vez mais preparados, em nossos dirigentes para que eles tenham melhores estratégias e em nossos cooperados para que eles possam absorver isso e ganhar qualidade de vida através do cooperativismo.
Revista Canavieiros: Como o cooperativismo tem contribuído para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro?
Freitas: O cooperativismo acaba tendo um papel preponderante, pois está presente com muita força arrumando os setores, organizando os pequenos e médios produtores, fazendo com que eles tenham força. Isso faz com que as coisas mudem num mundo onde prevalecem os interesses econômicos porque se você não tem mecanismos de defesa você está fora do jogo.
Revista Canavieiros: Ser cooperativista é ter a certeza de que o produto ou serviço cooperativo tenha alma, lastro, história e família?
Freitas: Eu não tenho dúvida disso. Acredito que o cooperativismo é a face humana da economia. A cooperativa não é uma ação entre amigos ou casa de benevolência, a cooperativa é uma atividade econômica, é um negócio, só que feito com o coração – tem o lado da solidariedade e da justiça mais bem equilibrados. O cooperativismo é isso, dá um rosto humano aos negócios.