"O maior problema do agro nacional é o Estado"

10/11/2023 Noticias POR: Eddie Nascimento

O agro brasileiro é um dos setores mais dinâmicos e competitivos da economia nacional, responsável por gerar emprego, renda e divisas para o país. Mas quais são os desafios e as oportunidades que o agro enfrenta no cenário atual, tanto interno quanto externo? Para falar sobre esse tema, a Revista Canavieiros conversou com Antonio Cabrera Mano Filho, ex-ministro da Agricultura e do Abastecimento, que comandou a pasta na década de 90, durante o governo de Fernando Collor de Mello. Cabrera é médico veterinário, produtor rural e neto de um imigrante espanhol. Ele foi o responsável por implementar uma série de mudanças no setor agropecuário, como a abertura do mercado internacional, a extinção de órgãos reguladores e o fim do tabelamento de preços. Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre a sua experiência como ministro, a sua visão sobre o agro brasileiro e as suas propostas para o desenvolvimento sustentável do setor.

 

Revista Canavieiros: Como foi o desafio de ser ministro da Agricultura e do Abastecimento na década de 90, quando o Brasil enfrentava uma grave crise econômica e social?

Antonio Cabrera Mano Filho: Foi um desafio imenso, pois o Ministério também cuidava da reforma agrária. Hoje seria como quase quatro ou cinco Ministérios que foram criados posteriormente. E também tivemos a Guerra do Iraque que afetou muito a nossa economia e éramos um dos maiores importadores de alimentos do mundo. Ao mesmo tempo, foi uma imensa oportunidade para conhecermos o abençoado país em que vivemos.

 

Revista Canavieiros: Quais foram as principais mudanças que o Brasil vivenciou com a abertura do mercado internacional, especialmente no setor agropecuário?

Antonio Cabrera Mano Filho: Eu diria que o agronegócio passou por uma verdadeira revolução, ao contrário da indústria. Tivemos no setor um choque de Liberdade Econômica, acabando com o tabelamento de preços de vários produtos, como o leite, carne e o trigo. Sim, o Brasil tinha vários alimentos tabelados, como o leite, onde um decreto ainda de Getúlio Vargas tabelava o preço do produto em todo o país. Além disso, este programa promoveu uma profunda abertura comercial, baixando as tarifas alfandegárias e reduzindo subsídios. O setor teve um choque de competição com o mercado internacional e promovemos uma limpeza burocrática regulatória, como a extinção do Instituto Brasileiro do Café e do IAA (Instituto do Açúcar e Álcool). Com a extinção do IAA, acabaram as cotas de exportações, o setor experimentou um aumento da produtividade e foi deste movimento que nasceu o Consecana.

 

Revista Canavieiros: Quais são os principais desafios governamentais que o agro enfrenta atualmente, tanto em termos de políticas públicas quanto de infraestrutura?

Cabrera: Há vários desafios, como a questão tributária, logística ou ambiental. Mas se você perguntasse hoje qual o maior problema do agro nacional, eu diria que não é alguma praga nova em nossas lavouras ou a aftosa em nossos rebanhos, mas é o Estado, aí abrangendo todo o Executivo e Judiciário. Veja o ativismo judicial na questão do direito de propriedade que vem sendo destruído sistematicamente pelo STF. Ou a Ferrogrão que está paralisada por uma decisão monocromática de um ministro do STF ou a proibição judicial da exploração de nosso cloreto de potássio em Autazes, no Amazonas.

 

Revista Canavieiros: O senhor mencionou que São Paulo produz cana, Mato Grosso produz soja e Paraná produz leite. E Brasília? Qual é o papel da capital federal no desenvolvimento do agro brasileiro?

Cabrera: Infelizmente nos últimos anos o agro teve um desempenho fantástico, deixando de ser importador para ser um dos maiores exportadores de alimentos do planeta, apesar de Brasília. Grande parte de nossa elite política, acadêmica ou cultural não tem a mínima noção de como funciona o agro e acha que as gôndolas de supermercados estão sempre cheias por obra do acaso. Posso dizer que cada vez que alguém se reúne em Brasília, como o STF ou o MPF, sempre tem alguma restrição de liberdade na atividade de empreender.

 

Revista Canavieiros: O senhor acredita que o Brasil tem uma estrutura adequada para escoar e exportar a sua produção agrícola? Quais são as principais deficiências e gargalos que precisam ser superados?

Cabrera: Não, ainda não tem. Mas o Brasil tem uma produção realmente abençoada com a safrinha de milho, pois ao contrário dos EUA que têm que exportar os seus dois principais produtos (soja e milho) ao mesmo tempo, no Brasil o nosso milho safrinha não compete com a nossa soja. Produzimos estes produtos em tempos diferentes e isto evita o congestionamento de nossos portos. Mas precisamos de mais liberdade. Imagine o dia em que tivermos liberdade para construir nossas hidrovias ou ferrovias.

 

Revista Canavieiros: O senhor defende que o agro precisa contar melhor os benefícios que fornece para a sociedade brasileira. Como o senhor avalia a imagem e a reputação do agro no cenário nacional e internacional?

Cabrera: Sim, precisamos contar melhor a nossa história para a sociedade interna e internacional. Dia desses, com a minha filha caçula. Parei em um McDonald’s no Canadá e qual foi a minha surpresa que em um caixinha do hambúrguer veio escrito “este lanche foi graças ao esforço de um criador canadense.” Por que não fazemos isso no Brasil?

 

Revista Canavieiros: Como o senhor vê o papel do agro na geração de emprego e renda para o Brasil, especialmente em um contexto como foi a pandemia e a crise sanitária?

Cabrera: O setor, por ter sido considerado essencial, não parou e, pelo contrário, deu um salto na produção. Apesar da pandemia, nossos produtores aumentaram a produção e conquistaram novos mercados. Neste ano tomamos a taça de maior exportador de milho dos EUA e estamos tomando deles também no caso do algodão. A partir da pandemia, o agro está dando uma projeção geopolítica mundial ao Brasil que jamais imaginaríamos que um dia o país teria.

 

Revista Canavieiros: Quais são as principais oportunidades e desafios para o agro brasileiro no mercado externo, considerando as demandas e exigências dos consumidores internacionais?

Cabrera: Temos imensas oportunidades pela frente. Uma delas é a conquista de novos mercados: hoje, para cada 100 dólares que exportamos para a China, exportamos apenas 4 para a Índia. E a Índia acaba de se tornar o país mais populoso do mundo. Além do mais, temos uma avenida para ser explorada na questão de agregarmos valor em nossas exportações. E isto implica em termos mais liberdade: hoje enquanto uma torrefação paga 32% em impostos no Brasil, na Alemanha paga-se apenas 7%. A receita é liberdade para empreender e produzir, pois terras férteis e produtores capacitados nós já temos.

 

Revista Canavieiros: Como o senhor avalia o nível de inovação e tecnologia no agro brasileiro? Quais são as principais áreas que precisam de mais investimento e pesquisa?

Cabrera: Este é um dos segredos do gro: ele não parou no tempo e hoje temos a agricultura tropical mais desenvolvida do mundo. Hoje, cerca de 50% das startups do Brasil estão de alguma forma ligadas ao Agro. Além do mais, diferente de nossos concorrentes, temos uma geração mais jovem perfeitamente conectada ao setor e ávida por novas tecnologias. Eu acredito que precisamos investir mais na área ambiental, não que o Brasil já não seja um dos principais produtores do mundo com um imenso ativo ambiental, mas precisamos ter uma metodologia nossa, tropical, para poder mostrar ao mundo a nossa sustentabilidade. Hoje, falamos em mercado de carbono ou bioeconomia usando métricas do mundo temperado.

 

Revista Canavieiros: O senhor acredita que o agro brasileiro é sustentável e respeita o meio ambiente? Como o senhor responde às críticas e acusações de que o agro é responsável pelo desmatamento e pela degradação ambiental?

Cabrera: Sim, não temos nenhum outro concorrente que produza um quilo de proteína animal ou vegetal com a sustentabilidade que o Brasil tem hoje. O que precisamos fazer é contar melhor esta história ao mundo. Talvez a solução seja a nossa mensagem chegar diretamente ao consumidor no exterior e fazer dele um aliado do nosso campo. Veja, um melão hoje produzido no Nordeste e enviado para a Europa emitirá menos CO2 do que um melão produzindo na própria Europa, pois somos a melhor fábrica de fotossíntesse a céu aberto do mundo. Esta é uma história que precisa ser contada.
Mas temos que também entender que essas acusações não vão parar, pois elas se transformaram em um mecanismo de proteção comercial para os agricultores dos países concorrentes, principalmente os europeus que são extremamente ineficientes em relação a um agricultor brasileiro.

 

Revista Canavieiros: Qual é a sua opinião sobre a reforma agrária no Brasil? O senhor acha que ela é necessária e viável? Como ela afetaria o agro brasileiro?

Cabrera: O que percebo hoje é que este assunto se tornou uma ideologia, com muitos confundindo guerra com terra. Desde a fundação do MST, este movimento fora da lei já promoveu mais de seis mil invasões e isso é um imenso retrocesso. Nenhuma civilização em todos os momentos de nossa história progrediu e teve prosperidade sem o respeito ao direito de propriedade. Este é um ponto chave que precisamos entender: o Brasil não ingressará no primeiro mundo sem o respeito ao direito de propriedade. E defendo que esse assunto deve ter uma discussão mais séria: já é o momento de encerrar esse capítulo da reforma agrária e apenas dar autonomia aos milhares de brasileiros que já foram assentados e ainda são inviáveis. Hoje, na agricultura moderna, a terra é apenas 10% do investimento total. Capital e recursos humanos são muito mais importantes do que apenas ter um pedaço de terra. Atualmente o Brasil utiliza em torno de 70 milhões de hectares para ter uma das agriculturas mais eficientes do planeta, sendo o maior exportador de soja, milho, açúcar, café, suco de laranja do mundo. Mas já utilizamos no processo de reforma agrária mais de 84 milhões de hectares. Ou seja, é o momento de analisarmos os números e não ficarmos no discurso ideológico. A pior cegueira é a cegueira ideológica, pois diferente da cegueira física, que impede você de ver, a ideológica impede você de pensar.