O mercado de biogás e os desafios da nova economia

Energia POR: Fernanda Clariano

As usinas de cana possuem potencial para produzir biogás para suprir 20% da demanda nacional de energia elétrica, ou então, usar esse biogás como biometano e substituir 35% do consumo brasileiro de diesel. Além de subproduto de cana, o biogás e o biometano também podem ser produzidos a partir de resíduos de saneamento e agroindustriais. A produção deles cresceu em 40% entre 2010 e 2018 conforme a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) do MME (Ministério de Minas e Energia). Porém, esse crescimento continua irrisório na matriz energética de apenas 0.7%, mas com potencial de crescimento.

Para debater o tema “Como o mercado de biogás está se preparando para os desafios da nova economia”, a Fenasucro & Agrocana promoveram uma webinar que contou com a participação de dirigentes de associações, CEO e representantes de empresas do setor como o presidente da Abiogás, Alessandro Gardemann; o presidente da GasBrasiliano, Alex Gasparetto; o diretor do portfólio de combustíveis da Reed Exhibitions Brasil, Paulo Montabone;  o CEO da ZEG e Capitale Energia, Daniel Rossi; o gerente de Bioeletricidade da Unica, Zilmar de Souza; o consultor de Processos de Negócios Sênior da Dassault Systemes, João Vicente Ferreira, e o editor e produtor de conteúdo da plataforma "Energia que fala com você", Delcy Mac, que mediou o evento.

De acordo com as considerações iniciais do presidente da Abiogás, o grande desafio do setor é colocar toda a produção no mercado, aproveitando o que já é produzido e desperdiçado. “Atualmente, existe a tecnologia para o uso do biogás como combustível em veículos pesados. A Scania e alguns modelos chineses já oferecem essa tecnologia no mercado. Além disso, em vistas do RenovaBio, o biogás contribui para aumentar a nota de eficiência da usina por meio da emissão de um número maior de créditos, os CBios, e aumentar a receita advinda do programa”, pontuou Gardemann.

Indagado se atualmente é viável planejar a implantação de uma planta de biogás e como estão as normas de regulamentações, o executivo da Abiogás ponderou que o biogás é uma realidade e as posições regulatórias estão prontas, podendo o gás ser vendido em postos, injetado no gasoduto, participar de leilões, dentre outros. “Estimamos que nos projetos realizados não só em cana, mas em saneamento, existem quase R$ 700 milhões sendo investidos em desenvolvimento, mas de fato o desafio para essa turma que está analisando o projeto agora é nos ajudar a fazer o biogás com todo o potencial que ele tem e não desperdiçá-lo”, destacou Gardemann.

O biogás transformado em energia elétrica

De acordo com o gerente de Bioeletricidade da Unica, um trabalho recente do RCGI (Centro de Pesquisa, Inovação em Gás) ligado a Universidade de São Paulo mostrou que no Estado de São Paulo, o biogás (gerando energia elétrica) tem capacidade de produzir 32 mil GW/h, um potencial equivalente a 80% de uma usina Belo Monte ou atender mais de 16 milhões de residências no Brasil. “Isso é bastante representativo e talvez o que preocupa é o que aproveitamos desse potencial”, comentou.

Um levantamento da Unica apontou que em 2019, a geração de energia elétrica a partir do biogás na agroindústria foi de apenas 18,5 GW/h. “Estamos produzindo 18 GW/h e temos potencial para 32 mil GW/h. Temos um avenida de oportunidades para aproveitar e agregar valor dentro do agronegócio” afirmou Souza.

Acreditando no setor

Muito tem se falado sobre o choque do gás, que neste momento é necessário para o crescimento industrial do Brasil por ser competitivo. Grande parte da transformação desse mercado se dará pela origem do gás no pré-sal e pelo gás importado que está chegando cada vez mais no Brasil. Esse gás é muito competitivo onde se tem uma boa malha de distribuição, que se concentra nos grandes centros e no litoral. Uma pergunta que se faz é como esse gás pode chegar de forma competitiva na região Centro-Oeste? 

De acordo com o CEO da ZEG e Capitale Energia, uma das soluções é orientar sobre a produção in loco. “Podemos produzir o biogás no Centro-Oeste que é o berço do agronegócio brasileiro e tem vocação para ser um grande produtor de gás. Temos um mapeamento com potenciais postos de produção no interior e acredito que estamos próximos a um processo de revolução como foi a utilização do bagaço de cana para a produção de energia elétrica”, revela Rossi que disse acreditar que, com o advento da pandemia e tudo o que estamos vivendo atualmente, a sociedade passará a ter, cada vez mais, os olhos voltados para as fontes energéticas de baixas emissões.

Fomentando o mercado

Conforme o CEO da GasBrasiliano, existe uma infraestrutura preparada para atender à produção e programas em operação visando ao estímulo do uso pelas indústrias e consumidores. A concessionária conta com uma rede em operação de distribuição de gás natural na região Noroeste de São Paulo de 1.100 km. “Se pegarmos a localização de nossas redes, já temos entre 55 a 60 usinas com grande capacidade, que podem ser conectadas rapidamente à rede de distribuição e usufruir dessa estrutura para colocar um eventual excedente de biometano no mercado, viabilizando o consumo em larga escala”.  Gasparetto também destacou que existem projetos em operação como o uso da tecnologia diesel-gás para frotas pesadas, o uso do gás para alavancar a geração de energia elétrica, denominado usina híbrida, e o projeto Cidades Sustentáveis, desenvolvido por meio de parcerias que deve entrar em operação até o final de 2021 e permitirá atender à cidade de Presidente Prudente com o biometano.

Para o consultor da Dassault Systemes, é fundamental para qualquer sociedade não depender de uma única fonte de energia para suprir a indústria que move e economia. “Em países como a Alemanha, China e EUA, existem diversas iniciativas que buscam alternativas e no Brasil temos uma capacidade única de diversificação em relação aos outros países, mas as empresas devem se adaptar a essa nova realidade para serem competitivas”, comentou Ferreira.

Mas como convencer o empresário a investir em transformar o biogás em energia elétrica diante de um cenário de consumo baixo, oferta abundante e sem leilão de compra? O gerente de Bioeletricidade da Unica mencionou que o MME suspendeu os leilões que estavam programados em 2020 e a que, a partir de 2021, o crescimento da carga será de 4% ao ano até 2024. Todavia, o presidente da EPE está estudando a realização de um leilão para o gás natural no A -7, ou seja, contrato hoje para entregar a energia elétrica a partir do gás natural em 2027. “Caso tenhamos um leilão em 2020 para o gás natural, em que o biogás possa participar, estendendo para a bioeletricidade, isso ajudará na competitividade dos leilões. A partir de 2021 para frente, com a retomada do crescimento da carga, novos leilões virão e tenho a certeza de que a integração biogás, RenovaBio, setor sucroenergético e energia elétrica naturalmente irá acontecer”, avaliou Souza.

Em suas observações, o diretor do portfólio de combustíveis da Reed Exhibitions Brasil, foi enfático ao dizer que o biogás representa um dos segmentos estratégicos do biocombustível e possui um grande potencial de crescimento e de oportunidade de negócios. “Esse webinar alcançou o objetivo ao estimular o debate sobre as perspectivas envolvendo o cenário, já que o biogás apresenta um enorme potencial para toda a cadeia produtiva e empresas envolvidas no setor de bioenergia, além de ser destaque no RenovaBio”.