O mercado livre de energia é, em partes, a realização de um sonho
15/01/2018
Geral
POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra
Grande parte da população de uma cidade produtora de cana, e consequentemente etanol, já imaginou a maravilha que seria se o combustível pudesse sair da unidade produtora e ir diretamente para o posto. A saída das distribuidoras do mercado, com certeza, reduziria e muito o seu valor na bomba.
Em um futuro não muito distante,o cidadão poderá consumir um produto vindo de uma unidade sucroenergética, de sua cidade, sem a presença de uma distribuidora repassadora de custos, no entanto, não se trata do etanol, mas da energia elétrica gerada por ela.
No mês de dezembro, a Comerc Energia, maior gestora do mercado livre do país,(mercado que atende a grandes consumidores como indústrias, condomínios comerciais, shopping centers, entre outros), promoveu um almoço exclusivo para a imprensa em seu escritório central, em São Paulo-SP, e lá o seu presidente, CristopherVlavianos, que na ocasião concedeu entrevista exclusiva para a Revista Canavieiros, falou como enxerga esse mercado, a expectativa sobre novas alternativas de geração, a tendência pela compra de fontes sustentáveis, mercado de gás e do grande sonho: o consumidor escolher o preço e a fonte da luz de sua casa. Confira a entrevista!
Revista Canavieiros: Em um cenário com a Eletrobrás, e até mesmo a Cesp, privatizadas, não é difícil de se imaginar uma maior eficiência, inclusive na geração.Você consegue ver os futuros prováveis compradores (em grande parte estrangeiros e desse grupo destaque para os chineses) possam voltar a investir na construção de novas hidrelétricas?
CristopherVlavianos:Se você for pegar leilões a -4 e a -6 (tempo relativo à execução dos projetos de construção de novas geradoras)o que tem de usina hidrelétrica não é nada, 200 MW, para 46 mil MW de projeto, ou seja, um volume muito pequeno para expandir.
É complicado hoje investir nesse modelo, pegue como exemplo as usinas da região de Cesp, onde o impacto ambiental é muito grande, os reservatórios são gigantescos. Outro problema é que atualmente não dá para construir perto do consumo.A eletricidade tendo como fonte a queda de água, apesarser renovável e muito boa, se tornainviável, pois existem muitas dificuldades para se implementar um projeto.
Um exemplo disso é o projeto de Tapajós, de 8 mil MW, não passaria pelo meio ambiente, sepassar vai virar um Belo Monte, onde teve que reduzir o reservatório, aumentar a potência e criar uma modulação e uma sazonalização muito inconveniente para o sistema.
O que é possível ampliar é a eficiência desses ativos, eles são muito bons, é melhorar o assoreamento de reservatórios, repotencializar algumas hidrelétricas, ou seja, melhorar a geração das já existentes.Agora novas, como eram feitas no passado, é muito difícil, mesmo com o dinheiro dos chineses.
Revista Canavieiros: Em relação ao crescimento da oferta de energia elétrica, você acredita que ele no futuro vai ser determinante de como será a frota de veículos, se serão somente elétricos ou híbridos?
Cristopher:Acho que nessa área temos uma tendência a copiar modelos já desenvolvidos em outros lugares do mundo. Hoje o etanol é uma opção muito boa para a nossa frota, que já se mostrou totalmente viável, lógico que a implantação dos carros flex ajudou muito. O consumidor não está comprando carro a etanol, ele está comprando um carro híbrido, tendo pelo menos mais uma possibilidade. O caminho tem que ser mais ou menos igual a esse, ter um carro híbrido movidoàeletricidadeou combustível, onde na estrada é possível usar o etanol e na cidade, onde polui mais, gasta mais e não roda tanto, a opção é usar à bateria.
Revista Canavieiros: Quais são as perspectivas de vocês quanto a utilização do biogás para a produção de energia elétrica?
Cristopher:O modelo de acesso e geração precisa mudar, esse modelo é até hoje baseado na disponibilidade, onde fica muito difícil garantir um investimento em uma usina, pois são necessários contratos de longo prazo,garantindo um preço mínimo.
O gás natural, com um modelo de fornecimento que lhe dê competitividade será de fundamental importância na expansão da matriz energética brasileira, como já falamos, não tem hidrelétrica, tem a eólica, mas ela não vai conseguir atender a demanda crescente no país. O caminho para a expansão são as termoelétricas, baseada na biomassa, biogás e também em gás natural.
Um modelo ideal é instalar essas termos perto dos centros produtores, por exemplo em São Sebastião, no litoral paulista, ou também na costa sul do Rio de Janeiro (no caso das movidas a combustível fóssil). A primeira coisa que precisa ter em mente quando se pensa em gás,é o fato dele não ter a mesma capilaridade da energia elétrica, é loucura construir uma rede de gasodutos abastecendo todas as indústrias e residências, por isso o modelo onde se transporta o gás através da rede elétrica, tendo termelétricas próximas das regiões produtoras seria a melhor solução em termos logísticos.
Outro ponto é a questão do gasoduto Brasil-Bolívia, ela inibe bastante esse setor, pois um país está amarrado ao outro. Se nós deixarmos de comprar eles não vão ter para quem vender, ou seja, amarra as nossas possibilidades de alternativa de fornecimento e produção interna que o país tem condições de realizar.
Revista Canavieiros: Partindo desse raciocínio, então dá para pensar na produção de gás vindo da vinhaça (projeto da São Martinho) para cobrir o hiato que há na entressafra de cana na questão da produção energética das unidades sucroenergéticas?
Cristopher:Acredito que seja possívelaté mesmo estocar ao longo do ano e queimar na entressafra. Para isso manteríamos a mesma estrutura de conexão e a mesma estrutura de geração. A mudança será o tempo, ao invés de gerar 7 meses no ano,completaríamos o calendário, é possível sim.
Revista Canavieiros: Os grandes compradores do mercado livre já manifestam preocupação em encontrar geradoras sustentáveis?
Cristopher:Temos muitos clientes olhando o lado da sustentabilidade, outros já estão se planejando em investir na geração renovável, até mesmo para atingir as metas de sustentabilidade dentro dessas empresas, em alguns casos são mundiais.Se considerarmos um recorte de dez anos para cá, que não é um período muito longo,podemos verificar a aceleração alta da evolução na preocupação ambiental desse mercado.
Revista Canavieiros: Em uma hipótese de que a oferta de biomassa aumente consideravelmente, é possível segurar o preço?Principalmente nos períodos de bandeira vermelha, só com a entrada dessa fonte nova?
Cristopher:É preciso entender que o preço hoje não é baseado em oferta e demanda. É um preço técnico, esse é um mercado totalmente atípico, pode ter oferta de contratos de energia com o preço lá em cima, porque está faltando água do reservatório, ou ter um cenário de escassez com o preço lá embaixo. É totalmente diferente em relação auma commodity.Então é muito complicado dizer se uma oferta suprimisse o risco hidrológico de hoje, garantiria preços menores. Lógico, quanto mais ofertativer, melhor.
Revista Canavieiros: Como é a diferença de preços entre a geração através da Biomassa e a Eólica?
Cristopher:Hoje a biomassa e a eólica estão bem equiparadas em termos de custo. Existe uma vantagem na eólica quando se constrói um parque e tem uma sobra de conexão, dando a possibilidade de replicá-lo, porque aí toda a estrutura já está pronta, já tem uma conexão, já tem a experiência do parque, a medição já muito mais apurada, então quando expande uma geração eólica dentro dessa maturidade, ela fica mais competitivado que criar uma geração de biomassa, mas as duas fontes são bastante competitivas.
Revista Canavieiros: Você acredita que o conceito do Renovabio pode chegar até o mercado de eletricidade?
Cristopher:Já está indo. Hoje o mercado tem alguns certificados de energia sustentável que acabam incentivando o consumidor a comprá-las. Nesse aspecto o setor canavieiro evoluiu demais, mesmo sofrendo a crise dos últimos anos, em função da irrealidade no preço dos combustíveis, problema também enfrentado por nós do setor elétrico.
Muitas empresas boas fecharam em razão dessa ingerência governamental, mas olhando por outro lado percebo que as sobreviventes ficaram mais fortes, dando maior disciplina para o mercado, demonstrando preocupação com processos, governança.
Tem o caso de um cliente que migramos para o mercado livre, onde na época o preço não estava atraente em relação ao mercado cativo, mas ele insistiu,poiso objetivo era ter uma geração renovável, depois a tarifa cativa explodiu e a economia dele foi estrondosa.
Revista Canavieiros: Qual motivo leva ao não crescimento exponencial da geraçãoatravés de fontes renováveis? Falta dinheiro? Falta linha?
Cristopher:Quando fazemos o projeto de uma usina, estamos olhando o mercado de açúcar, de etanol. Olhamos muito menos a eletricidade, lógico que depois, na hora de fechar a conta, ela passa a ter uma importância muito grande, mas o crescimento desse mercado não vai se dar pela vantagem, mas pela análise da empresa de crescimento dentro dos seus mercados mais tradicionais.
Também é preciso entender que o setor ainda está se recuperando do trauma, isso passando, as indústrias começarão a investir mais na sua eficiência.Tem também a questão da queda da taxa de juros, aonde o investidor voltará a dar as caras no setor e,consequentemente, a geração também vai expandir.
Revista Canavieiros: É possível uma usina fazer negócio com um consumidor do Amazonas no mercado livre?
Cristopher:Possível é, mas é preciso entender um pouco como funciona esse mercado.Podemosfazer transações para o Brasil inteiro, agora pegar uma energia do Sudeste e vender para o Norte, poderá haver uma diferença de preço entre as duas regiões. Isso vai me trazer uma vantagem ou uma desvantagem, ou vou pagar muito ou vou receber muito, nesse cenário não dá para negociarem um cenário perfeito.
Quando é feito um contrato,a única verdade é que não receberáo “produto”original do vendedor, ele é um contrato de hedge de preço. A eletricidade em si será consumida sempre por quem estiver mais próximo da rede, porém quando se reduz o zoom e vê como é a rede no país dividido por regiões, ou submercados, aí existe uma questão de intercâmbio entre eles, como existe restrição de linha entre o Sudeste e o Norte. O Norte geralmente tem um preço mais baixo comparado com o Sudeste, isso porque temmuita usina lá (Tucuruí e Belo Monte por exemplo), gerando em um mercado com graves restrições de linha, esse é o ponto que faz as empresas envolvidas optarem por permanecer em seus respectivos submercados. Para entender, no Brasil existem 4 submercados (Sul, Sudeste, Norte e Nordeste). Então,a limitação de cada um está nas linhas de transmissão que fazem o transporte de um lado ao outro. Quando mais no limite dessa linha se chega, o preço começa a descolar um do outro.
Revista Canavieiros: Onde o mercado livre de energia estará em 2050?
Cristopher:Espero que esteja pelo país todo, se o cronograma de mercado seguir conforme o planejado, talvez antes de 2050 o mercado será totalmente livre, como é em vários países.
Revista Canavieiros: Totalmente livre, até o residencial?
Cristopher:Sim, o que precisa ser feito é tentar mudar a relação desverticalizadaexistente entre as empresas do setor, por exemplo, a distribuidora ganha por disponibilizar a área de concessão dela ou seja ganha pelo fio.A energia ela compra e revende, tendo o papel de uma intermediária, nessa configuração acabacomprando mal, pois adquire somente quando precisa, quando todo mundo precisa, onde geralmente está cara, simplesmente porque a demanda é maior em relação a oferta.
Por que o consumidor livre consegue reduzir o custo dele?Porque ele é o dono da estratégia de contratação dele, é a mesma coisa, quando é que o consumidor vai comprar um carro ou um apartamento?Quando está todo mundo comprando?Ou quando a oferta melhorar e tiver opções de escolher melhor?
Nosso trabalho aqui, como gestor desses clientes, é encontrar o melhor momento para fechar o contrato, diferente da distribuidora, que repassa o custo para o consumidore não tem incentivo nenhum em fazer uma boa compra. Em um mercado totalmente livre oconsumidor vai entrar em uma câmara, vai comprar a sua energia através do cartão de crédito, como é no mundo inteiro, poderá inclusive escolher a geradora, por exemplo: escolher somente fontes renováveis.
Revista Canavieiros: No caso eólico, parte da geração vai para o mercado tradicional e parte vem para o livre, com a biomassa acontece a mesma coisa, ou ela é 100% livre.
Cristopher:Ela acontece bem menos, a eólica nasce dentro de um contrato, vai fazer um contrato a -6 e daqui 6 anos ele vai ter que entregar essa energia e ele vai basear o seu projeto nele.Nesse caso quem compra é o mercado cativo. A biomassa já não acontece assim, ela não precisa vender para começar o projeto, esse gerador prefere contratos mais curtos, isso explica a presença maior da biomassa no mercado livre em relação à eólica.