O Mix para Açúcar e Etanol é a Grande Decisão

05/02/2019 Colunista POR: Revista Canavieiros
Reflexões dos Fatos e Números do Agro


  • Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), o crescimento mundial em 2019 e 2020 será de 3,5% e 3,6%, respectivamente, quedas de 0,2% e 0,1% ante sua última previsão. O crescimento da Europa caiu 0,3% (para 1,8%), EUA mantém em 2,5% (mas cai para 1,8% em 2020), China manteve 6,2%, e emergentes caem de 4,7% para 4,5%. O Banco Mundial é mais pessimista, estimando o crescimento mundial em 3% para 2018, 2,9% para 2019 e 2,8% para 2020, com crescimentos ligeiramente menores para todos os países e regiões listadas acima.
  • Preocupam o mundo as tensões comerciais e desaceleração da taxa de crescimento da China. A meta do governo Chinês é de um crescimento entre 6% a 6,5% para 2019 e já está tomando providências para reaquecer sua economia. Em relação às tensões com os EUA, o superávit comercial dos chineses nesta relação foi de US$ 323 bilhões, realmente gigante, e uma das maneiras de compensar isso é aumentando o consumo interno e a compra de produtos do agronegócio americano, principalmente grãos, proteína vegetal e etanol, o que afetaria negativamente o agronegócio do Brasil.
  • No caso do Brasil, o cenário é de estabilidade nos números, com todos preocupados com a capacidade do novo governo em aprovar as reformas necessárias. O último Relatório Focus do BC coloca o crescimento do PIB em 2019 em 2,53% e 2,60% em 2020. O câmbio em R$ 3,75 e R$ 3,78 respectivamente para os dois anos, a taxa de inflação em 4% para os dois anos, e a taxa Selic em 7,0% e 8,0%, respectivamente.
  • Nova estimativa para o Valor Bruto da Produc?a?o (VBP) feita pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para 2019 é de R$ 581,6 bilho?es, sendo R$ 200,3 bilho?es na pecuária, valor 7,7% maior que 2018, puxado por bovinos (4,4%,  R$ 79,7 bilho?es), frango (18,6%, R$ 63,1 bilho?es), leite (3,6%, R$ 33,1 bilho?es) e sui?nos (4,5%, R$ 14,6 bilho?es). Apenas o setor de ovos deve cair 6,8%, para R$ 9,8 bilho?es. Já o VBP da agricultura será de R$ 381,3 bilho?es, valor 0,7% menor.
  • Exportações do agro em 2018 dão show e têm recorde de US$ 101,7 bilhões, com crescimento de 5,9% sobre 2017. As vendas para a China aumentaram US$ 9 bilhões em apenas um ano, e para lá são direcionados 20% da carne brasileira, quase 30% do algodão, 40% da celulose e pouco mais de 80% da soja.
  • A balança comercial total brasileira (incluindo o agronegócio) fechou 2018 com superávit de US$ 58,3 bilhões, 13,3% menor que em 2017. Exportamos US$ 239,5 bilhões (9,6% a mais) e importamos US$ 181,2 bilhões (19,7% a mais). Chega próximo a 28% a participação da China nas exportações do Brasil, um crescimento de 32% em apenas um ano. Para os EUA vendemos quase US$ 29 bilhões, aumento de 6,6%. Perdemos vendas para a Argentina, fechando o ano 15% menores, em US$ 15 bilhões. A nossa participação nas importações chinesas ainda é de apenas 2,7%, contra 0,7% em 2002.
  • Em relação às perspectivas, a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) estimou as exportações de soja de 2019 quase 14% menores que as de 2018, ficando em 73 milhões de toneladas, já refletindo alguma queda na produção devido aos problemas climáticos. A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) estima em 74 milhões. O ruim disto é que deixam de entrar no Brasil cerca de US$ 5 bilhões. Boa parte desta soja seguirá para a China, cujas importações são estimadas em 87 milhões de toneladas. Em direção oposta, as exportações de milho devem saltar de 23 para 31 milhões de toneladas. Mais uma vez, as negociações EUA x China podem alterar este quadro.
  • Dados da empresa Williams compilados pela Reuters mostram a concentração nas exportações de soja do Brasil. Das 84 milhões de toneladas exportadas em 2018, a Bunge lidera com 17,7 milhões de toneladas (crescimento de 9,2% sobre 2017), a Cargill está em segundo com 12,15 m.t. (1,4% a mais), a Dreufys aparece em terceiro com 10,98 m.t. (28,6% acima de 2017), seguida da Cofco com 10,96 m.t. (18% a mais). O maior salto foi da Olam, de 225%, exportando 6,7 m.t. e ocupando a sexta posição, logo atrás da ADM que exportou 8,56 m.t., também crescendo 7,5% sobre 2017. As seis maiores empresas venderam aproximadamente 80% da soja brasileira.
  • Ainda sobre os benefícios do agronegócio, a análise de dados feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em mais de 5 mil cidades indicou que o PIB das 100 cidades maiores produtoras do agro nos anos de 2014 e 2016 cresceu 9,81%, muito mais que o Brasil.
  • 2018 termina judiando dos preços das commodities. O índice da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) caiu 3,5% e fecha o ano com 168,4 pontos. Quase 30% menor que o recorde visto em 2011. Os cereais subiram 9%, óleos caíram 15%, carnes caíram 2,2%, lácteos caíram 4,3% e o açúcar impressionante queda de 22%, derrubando o índice geral.
  • Em 2018 quem voltou a sorrir foi o setor de máquinas agrícolas, que cresceu 12%. Para 2019 a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) espera 10% de crescimento. Boas notícias!
  • No mercado de defesa vegetal, vem crescendo o uso de produtos biológicos no controle de pragas e doenças, muitas vezes feitos nas próprias fazendas. Dados da ABCBio (Associação Brasileira de Biodefensivos Agrícolas) estima um mercado de R$ 500 milhões crescendo 20% ao ano, com mais de 170 produtos registrados, contra praticamente zero na década passada.
  • Alguns relatos de empresas neste mês que valem destaque, começando pela Amazon: sua entrada na distribuição de alimentos tem sido vigorosa, crescendo 45% em 2018. O negócio da Amazon Go deve atingir US$ 4 bilhões, indo a 3 mil lojas em poucos anos e o conceito de sair direto da loja com débito automático no cartão deve ser licenciado. Os produtos mais vendidos são café e bebidas, e tem patinado o conceito da Amazon Fresh de distribuição de perecíveis. Estes fazem parte da estratégia da empresa, pois aumentam a frequência de visitas e compras tanto em lojas físicas como virtuais.
  • A Caramuru faturou R$ 4,2 bilhões em 2018, quase 14% a mais. Além do esmagamento de soja, novos projetos estão ligados à produção de etanol com melaço de soja (em Sorriso, MT), glicerina, biodiesel e farelos com maiores teores proteicos, além de logística. Exemplo de economia circular, pois o etanol será usado para gerar energia própria e a glicerina é subproduto do biodiesel.
  • Segundo o Rabobank, o Blockchain será cada vez mais usado para rastreabilidade, contribuindo para a segurança alimentar e transparência. É algo que já está transformando as cadeias produtivas, nas formas de transações financeiras e de informações.
 
Reflexões dos Fatos e Números da Cana
 
  • A safra 2018/19 da cana não deixará bons resultados. Os custos totais subiram, segundo o Pecege, em 6,9%, graças a fertilizantes, diesel e operações, estando agora em R$ 127,41 por tonelada moída. Também houve quebra de 4% na safra, e como boa parte dos custos é fixa  (entre 75 a 85%), isto deteriora as margens. Estima-se que 70,8% deste custo total seja na parte agrícola. Além de menor produção, os preços não ajudaram. No caso do açúcar, foi vendida, em média, a R$ 967,53 a tonelada quando o custo total de produção (inclui depreciação e custo de capital) é de R$ 1.288,40 por tonelada. No caso do hidratado, o preço médio em 2018 foi de R$ 1.771 por metro cúbico, enquanto que o custo total foi de R$ 2.065 por metro cúbico.
  • Fruto deste quadro, o último levantamento da RPA Consultoria (set/18) indica 93 usinas fechadas  com uma capacidade de moagem de 99 milhões de toneladas por safra. É 21% das 443 unidades que o Brasil possui. A empresa relata que mais duas usinas deixarão de operar em 2019, a Clealco, em Clementina e a Ibéria, em Borá. Mas a Clealco declarou que a unidade Clementina retoma na safra 2020/21.
  • Tal como no Blockchain visto acima, novidades no mercado da digitalização envolvendo o setor estão sendo trazidas pela Cosan, com o aplicativo que permite transações de dinheiro entre compradores e vendedores sem passar pelo sistema de cartão de crédito e dos bancos, economizando taxas e tarifas. Os mais de 6000 postos teriam direito a uso, pagando apenas 0,1% do valor, contra quase 3% do cartão tradicional. Interessante modelo de negócios, que pode envolver toda a cadeia produtiva (chama-se Payly, inspirado na Alypay Chinesa e na WeChatPay). É preciso entender mais os impactos disto no agro.
  • Seguem relatos de seca (veranicos) em algumas regiões produtoras do Centro-Sul que podem reduzir a expectativa de 570 milhões de toneladas em 2019/20.
 
Reflexões dos Fatos e Números do Açúcar
  • A moagem até o final de dezembro foi de 562 milhões de toneladas na atual safra (3,6% a menos que na safra anterior) e estamos praticamente no final, segundo a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
  • Para a FCStone, a moagem da próxima safra será de 564,7 milhões de toneladas, com 59% do mix para o etanol (64,7% nesta safra), portanto voltaremos a ter crescimento no mix destinado a açúcar. Para a empresa, o Brasil produzirá 30,2 milhões de toneladas de açúcar em 2019/20, quase 15% a mais que nesta safra. Sua projeção aumentou em praticamente 1 milhão de toneladas desde a primeira lançada.
  • Foi anunciado que além da Bunge, a Olam também deixará o trading de açúcar.

Reflexões dos Fatos e Números do Etanol e Energia
  • A FCStone estima que a produção de etanol no Centro-Sul será quase 11% menor, ficando em 26,8 bilhões de litros na safra 2019/20 (17 bilhões de litros de hidratado e 9,8 bilhões de litros de anidro). A estimativa foi reduzida em 600 milhões de litros desde a primeira feita. Desta produção, cerca de 1,2 bilhão  virá  do milho (35% maior).
  • No consumo são boas as notícias, pois de etanol hidratado em dezembro foi  vendido 1,79 bilhão de litros, 25% acima do mesmo mês de 2018. Em novembro havia sido de 1,83 bilhão de litros, e a queda nos preços da gasolina afetou este consumo (Unica). Desde o início da safra, em 1º de abril, até o final do ano, produzimos 30,1 bilhões de litros de etanol (19,4% a mais) e 26,3 milhões de toneladas de açúcar (26,5% a menos).
  • Segundo a Archer, o valor da gasolina nos postos de SP hoje deveria ser ao redor de R$ 3,78/l.
  • A Logum, que agora tem como sócios majoritários a Petrobras, Raízen e Copersucar, tem planos de expansão do duto para o Centro-Oeste, visando captar também a produção de etanol de milho, que pode alcançar 5 bilhões de litros em cinco anos no MT. Se o duto chegar a Cuiabá, a expansão pode ser mais forte ainda por evitar o trajeto de mais de 1500 km via rodovias para seu transporte. 
  • O parlamento francês autorizou o aumento da mistura de etanol da gasolina, passando de 7,5% em 2018 para 7,9% em 2019 e 8,2% em 2020.
  • Nova projeção da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) mostra que até 2030 cerca de R$ 90 bilhões em investimentos seriam necessários no setor de combustíveis renováveis. No etanol seriam R$ 60 bilhões para levar a produção a quase 50 bilhões de litros. A EPE estima 19 novas usinas a R$ 15 bilhões e R$ 8 bilhões na expansão das atuais.
  • No caso do biodiesel, a EPE estima R$ 3 bilhões em investimentos até 2023 para acompanhar o aumento da mistura dos atuais 10% para 15%.
  • É preciso acertar a questão da eletricidade gerada a partir da biomassa da cana. Estimativas da Unica e da Cogen (Associação da Indústria de Cogeração de Energia) mostram que o setor pode produzir 30% a mais, economizando 15% do volume de água dos reservatórios. Falta hoje a remuneração por esta geração adicional, que poderia ser conseguida via portaria do MME (Ministério de Minas e Energia) pois toda ela é liquidada no mercado de curto prazo, via CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e existem liminares feitas pelas hidrelétricas que impedem o recebimento deste adicional de energia que poderia ser gerado. A Unica estimou em final de 2017 que passavam de R$ 400 milhões o que deveria ser recebido. 
 
Finalizando, qual seria a minha estratégia com base nos fatos?
 
  • O que observar agora em janeiro/fevereiro: O quanto desta safra vindoura de cana que será alocada para açúcar é a principal variável empresarial a ser acompanhada, fora as questões climáticas que afetam o crescimento da cana, comentadas acima. O mix será uma consequência da influência do câmbio, do preço do petróleo e da gasolina no mercado interno, da evolução dos estoques de etanol agora na entressafra, e da reação do consumo de açúcar e combustíveis com o crescimento da economia. E este mix, somado ao andamento das produções da safra 2018/19 no mundo, é decisivo para antever como serão os preços do açúcar na próxima safra. Eu acredito em melhoria por confiar que os fatores acima serão mais favoráveis.
 
  • Quem é o homenageado do mês?
 
Desta vez, nossa singela homenagem vai ao saudoso Aparecido Ailton Passoni, Presidente da Associação dos Produtores de Cana de Novo Horizonte, que nos deixa de forma muito prematura. Nossos sentimentos à família, amigos e associados.
 
Haja Limão
Aqui na América do Sul, o Maduro apodreceu, como quase toda a esquerda latino-americana, que fracassou na sua missão de melhorar a vida das pessoas e de criar oportunidades. Já vão tarde, com grande estrago feito.
 
 
*Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo, especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos, vídeos e outros materiais no site doutoragro.com