O poder da mudança: A velha indústria e o novo agronegócio

Agronegócio POR: Haroldo José Torres da Silva

Doutor em Economia e professor da Faculdade PECEGE

É perceptível no cotidiano do brasileiro, em especial nos últimos anos, uma elevação da polarização política, refletindo-se num radicalismo das discussões político-partidárias. Algumas pessoas estão atônitas e assustadas com essa situação, a qual revela o encerramento de um ciclo. Trata-se do fim de um ciclo que dominou o país por anos, especificamente o da concentração das atividades econômicas nas grandes cidades e a mudança de poder da velha indústria para o agronegócio.

Durante o governo Sarney, a indústria, como um todo, representava cerca de 46,2% do PIB do Brasil. Por outro lado, esse setor respondeu por 20,9% do PIB em 2019, expondo um setor que vem em crise constante e perdendo espaço na economia brasileira. Junto com a indústria, perdem espaço também os sindicatos, os trabalhadores de chão de fábrica e as grandes cidades. Aliás, a pandemia de Covid-19 só fez acelerar o fenômeno de êxodo urbano que já se insinuava com a revolução tecnológica, fortalecendo o movimento da metrópole para o interior, das grandes cidades para o campo, e dos escritórios para o Zoom, Microsoft Teams e Google Meet.

Na contramão deste movimento, quem vem ganhando espaço e crescendo é o agronegócio. Em 2019, respondeu por 21,4% do PIB do país. Embora seja pujante, é um setor que se comunica e se articula politicamente muito mal, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa.

A silenciosa e quase independente revolução agrícola no país ocorre desde a década de 70, graças ao trabalho de Alysson Paulinelli, da Embrapa e da Emater, e continua progredindo porque é um dos setores mais abertos ao comércio internacional, sendo regido pela competição de mercado e inovação, sem contar que é um dos setores que menos intervenção do Estado recebe. Fruto da sua inserção no mercado global, o agronegócio sustenta o superávit da balança comercial brasileira. Por exemplo, em 2019, a balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 46,674 bilhões.

Na contramão do agronegócio, a indústria brasileira sempre foi politicamente mais forte e articulada, o que lhe garantiu privilégios (incentivos fiscais e subsídios), além de um mercado protegido. Basta um olhar histórico para constatar isso: o agronegócio foi renegado a favor da “industrialização” para o mercado interno, a famosa política de “substituição das importações”. Tratou-se de uma industrialização fechada, isto é, voltada para dentro, visando prioritariamente o mercado interno e dependente de políticas governamentais que protegessem a indústria nacional em relação aos seus concorrentes internacionais. Infelizmente, foi justamente a “substituição das importações” que implicou num parque industrial obsoleto, estagnado e sem apetite à inovação. Lentamente destruímos a nossa indústria nascente, fenômeno materializado na espiral descendente da sua participação no PIB.

Neste contexto, a atual crise política é uma crise da indústria, dos sindicatos trabalhistas que viviam da contribuição sindical – aliás, em julho de 2017, o então presidente Michel Temer sancionou o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical –dos industriais ricos e que ainda contam com certo poder político. Perderam poder econômico e estão perdendo o político, do qual nunca mais se recuperarão, ao menos no curto prazo.

O resultado dessa situação é o desespero da imprensa tradicional, dos ecologistas, dos artistas subsidiados (basta ver a lista dos proprietários de jatinhos subsidiados pelo BNDES e aqueles que mantinham a sua “boquinha” com a Lei Rouanet) e dos intelectuais das grandes cidades. Enfim, grupos que viviam - e alguns ainda vivem - da indústria e de seus impostos. Entretanto, atualmente é um setor que regride, se enfraquece e que não tem mais o poder financeiro de outrora.

A vida e, por conseguinte, a economia, é uma roda gigante: às vezes em cima e às vezes em baixo. No passado, fruto das nossas escolhas políticas e do descaso pelo nosso agronegócio, estimulamos o êxodo rural. Por outro lado, hoje observamos um êxodo urbano, uma fuga das grandes cidades - onde prevalece excessiva densidade populacional, altíssimo custo de vida, dependência dos setores de varejo, cultura e turismo, e a necessidade de usar um transporte público sempre lotado -, para o campo e cidades menores. Será o fortalecimento de um interior solidário e comunitário e, por conseguinte, do agronegócio.

O agronegócio justamente por ter sido esquecido pelo Estado, vem ganhando o seu espaço, mas fruto de um esforço próprio. Os frutos destes esforços se materializam ano a ano em recordes de produção, vindos sobremaneira de produtividade e não de expansão de área, bem como superando os desafios logísticos e de escoamento da sua produção. Se o novo bordão é “Mais Brasil e menos Brasília”, certamente o próximo será “Mais campo e menos cidade”. Então, veremos o boom da música sertaneja e a cultura de raiz voltando ao mainstream: uma vitória do Brasil agrícola. É a vitória do agronegócio mais associado ao mercado externo e se valendo de suas vantagens competitivas, ante à velha indústria “voltada para dentro”.

No entanto, esse movimento não será excludente. Gosto de uma frase que diz que “quando o campo vai bem, o comércio nas cidades limpa as prateleiras, e as indústrias recebem encomendas...". Isso mostra que tudo começa com a produção no campo, de tal modo que a nossa indústria também sairá ganhando com essa nova escala agrícola, de onde virão os fundos à sua recapitalização, desta vez realmente nacionais.