O potencial do etanol

Etanol POR: Diana Nascimento

Combustível renovável é opção para a economia de baixo carbono

O etanol é importante e tem uma participação expressiva em nossa matriz energética. Mesmo diante do modelo de eletrificação de veículos, que aos olhos de muita gente é sinônimo de modernidade, tecnologia, futuro e menos poluição, o etanol ainda tem muito a contribuir e é de fato uma opção sustentável e renovável.

Isso foi mostrado durante o podcast da KPMG "O potencial do etanol". Paulo Guilherme Coimbra, líder do segmento de renováveis da empresa de auditoria e consultoria, comentou que o etanol tem um papel importante para o crescimento da indústria nos próximos anos e para a transição de uma economia de baixo carbono.

"Entre produção e consumo mundial em 2019, tivemos algo como 110 e 115 bilhões de litros, com uma expectativa de crescimento da ordem de 15% a 20% para os próximos quatro anos. Hoje, basicamente 80% dessa produção são utilizados na indústria automotiva e vem se tornando relevante quando vemos o etanol usado como blend para combustível. Mais de 60 países já usam ou têm alguma política target de etanol como base para ser misturado à gasolina. Esse número tem apresentado um crescimento desde 2010 e o percentual médio de utilização de etanol ou blend é de 6.2%", disse Coimbra. Só para comparar, este índice no Brasil é de 27%, sem falar na utilização de etanol hidratado.

Ao lado disso, há o crescimento de frota em países como EUA, Brasil e alguns do Sudeste Asiático. A questão é como essa frota será utilizada, se elétrica ou híbrida, e como o etanol poderá fazer parte dela.

"O que chama a atenção, tanto no Brasil quanto nos EUA e no mundo, é a importância da regulação. Brasil e EUA têm políticas claras, regulação e infraestrutura que permitem a utilização do etanol de forma efetiva. A questão política é importante", complementa Coimbra.

Ricardo Bacellar, líder do setor automotivo da KPMG, lembra que o veículo elétrico está sendo recebido com muito entusiasmo, principalmente pelo brasileiro, que é reconhecido como um compulsivo consumidor de tecnologia. "Diversas outras indústrias já sabem e tiram proveito disso, colocando o Brasil no primeiro round de qualquer lançamento de produtos inovadores", ressalta.

Ele explica que não há, até hoje, a expectativa de que esses veículos sejam produzidos no país, mas isso depende da demanda real e da colocação do produto no mercado brasileiro. 100% dos veículos elétricos vendidos no Brasil são importados e isso, principalmente com o comportamento cambial (dólar), interfere negativamente na chegada e proliferação do veículo no mercado.

"Em 2019, de uma venda total de 2,3 milhões de veículos, vendemos pouco mais de 530 modelos elétricos. Isso, no entanto, não deve ser visto como uma mensagem negativa, pois estamos no início da curva de adoção de um novo produto, mas haverá entraves em relação ao custo, não só no Brasil, mas no mundo inteiro", revela Bacellar.

O custo médio de produção de uma bateria gira em torno de US$ 9 mil. Se o custo base de uma bateria é nesse patamar, imagine o valor do veículo no mercado? Vale mencionar que os veículos de entrada de linha com valores entre US$ 35 mil a US$ 40 mil dependem de subsídios dos governantes locais para viabilizar esse tipo de produto no mercado. "No Brasil certamente teremos mais dificuldades porque há pressão de câmbio, nível médio de renda ainda baixo, taxa de desemprego considerável. Isso tudo não desenha um ambiente favorável a um produto cujo o tíquete médio de entrada é alto", analisa Bacellar.

Por outro lado, o carro elétrico veio com a missão de reduzir a emissão de carbono. Mas enquanto a curva de adesão a estes veículos não apresenta um desenho mais positivo, o etanol tem um papel importante nessa transição e talvez até mesmo coadjuvante.

Ao observarmos os investimentos que a indústria tem feito, eles apontam para esse caminho. O exemplo mais clássico foi o lançamento, no ano passado, por parte da Toyota, do primeiro veículo híbrido flex mundial, que é elétrico. "Das conversas com a indústria fica claro que o híbrido pode ter um papel muito importante nesse processo de transição dos motores a combustão até os veículos elétricos. O etanol tem essa propriedade, o Brasil tem experiência com o etanol há mais de 40 anos, temos postos de combustíveis do Oiapoque ao Chuí. Sabemos que construir uma infraestrutura de abastecimento de veículos elétricos em um país das dimensões do Brasil irá custar bastante, não só em volume, mas também em tempo. O etanol é um combustível de baixíssima emissão. Está mais do que comprovado, em diversos testes, que o etanol bate todas as alternativas encontradas no mercado hoje, inclusive o hidrogênio. O Brasil tem a oportunidade histórica de tirar muito proveito disso", acredita Bacellar.

Coimbra, aponta que o etanol pode ter uma grande participação pela frente. "O Brasil tem uma produção estável e constante com potencial de crescimento sem o deslocamento de grandes culturas, tem a evolução de cana para aumentar a produtividade. Não vejo grandes mudanças na estrutura produtiva, mas talvez na logística com grandes oportunidades de crescimento e investimento. Dado o tamanho do setor, com toda a sua infraestrutura, vejo o etanol participando de uma forma bastante intensa ao longo dos próximos anos até a parte de eletrificação amadurecer. O etanol á algo bem maduro e que funciona muito bem dentro do Brasil", afirma.

Vantagem competitiva

De acordo com Bacellar, há alguns anos países como Índia, Filipinas e outros estão investindo bastante na produção de cana-de-açúcar, mas até então muito focado no ativo açúcar. "Por conta dessa empreitada houve uma sobredemanda de açúcar no mundo e o ativo caiu de preço, inclusive com reflexos no Brasil, um grande exportador", diz.

Esses países começaram a questionar o que poderiam fazer, adicionalmente, para ter retorno sobre o investimento realizado e descobriam o que o Brasil faz há mais de 40 anos: produzir um ativo chamado etanol. "Temos visto a Unica liderar várias iniciativas e viagens para os países para discutir a possibilidade do Brasil exportar tecnologia de plantio de cana-de-açúcar e produção de etanol", lembra.

O grande valor observado para o Brasil é a capacidade de exportar essa tecnologia que está mais do que consolidada. Isso tem sido visto com bons olhos pelos governantes destes países e as perspectivas de parcerias são grandes.

O desdobramento disso é que o Brasil deixa de ser uma voz quase única na defesa do etanol como combustível no mundo inteiro, pois todas as suas propriedades, características e taxas de emissão já conhecidas têm uma visibilidade zero lá fora. "À medida que se têm mais países envolvidos com isso e entramos com o posicionamento geográfico estratégico desses países para abastecer a Europa e a China, aumenta-se o potencial de sucesso do etanol enquanto alternativa energética em escala global em muitos pontos. O Brasil tem muito a ganhar, não só com a exportação da tecnologia, mas também tendo novos parceiros para disseminar a utilização do etanol no mundo todo", salienta Bacellar.

Coimbra comenta que um estudo em conjunto com a Unica mapeou lugares com potencial de utilização de etanol, levando-se em consideração alguns indicadores. "O Sudeste Asiático e alguns países da África teriam um grande potencial de uso, além de serem produtores de etanol. Se pegarmos os países da Ásia (China, Índia, Indonésia, Japão, Paquistão, Tailândia e Coreia do Sul) e considerarmos um percentual de 15% de etanol, estamos falando de um consumo de até 60 bilhões de litros, o que seria hoje quase 60% da produção de etanol. Quando se olha para isso, percebe-se um mercado potencial".

O background mostra que há mais de 30 instituições mundiais olhando para o etanol, além de associações em diversos países da Europa, na Tailândia, nos EUA e na Índia, agências e estudos para fins regulatórios, diversos centros de pesquisas e instituições acadêmicas.

"Ao olharmos os benefícios do etanol, a redução efetiva de carbono e os investimentos em países, vejo um grande potencial para o combustível renovável. Importante salientar que estamos falando, no Brasil, em etanol de primeira e segunda geração nos últimos 20 anos, um incrível crescimento em produtividade agrícola e em eficiência para quilômetros de autonomia com o seu uso. O etanol é mais uma alternativa na busca pela economia de baixo carbono nessa jornada de descarbonização", elenca Coimbra.