O exministro e exdeputado Antonio Delfim Netto vê apenas uma saída para o governo da presidente Dilma Rousseff e para o país, cuja economia está mergulhada na recessão. "Ou a presidente assume a responsabilidade e vai, no dia 2 de fevereiro, ao Congresso Nacional com os projetos de reforma constitucional e infraconstitucional, ou será o caos", diz. O caos, para ele, se materializará em dois ou três anos de recessão e um longo período de crescimento muito baixo. O que será "uma tragédia".
Delfim esteve na semana passada com o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um almoço que contou com a presença do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), dentre outros.
Poucos dias antes desse encontro de terçafeira ele esteve também com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Dessas conversas não colheu nenhum otimismo. Ao contrário, o exministro e conselheiro de Lula está muito apreensivo.
"O presidencialismo não funciona sem presidente. E acho que é tempo de a gente entender, não tem mais impeachment", avalia. Para ele, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transferir para o Senado a decisão final sobre o impeachment matou a possibilidade de o processo avançar.
Resta, a partir dessa visão, Dilma reassumir o governo e emparedar o Congresso levando, na abertura do ano legislativo, dia 2, quatro projetos de reformas da Previdência Social, do mercado de trabalho, de dexindexação e da desvinculação dos gastos orçamentários. "Em algum momento temos que saber quem é o responsável pelo Brasil", instiga.
O exministro não vê qualquer futuro nas propostas de Lula para reanimar a economia com expansão do crédito. "O Lula está muito preocupado. Ele quer que se pegue o dinheiro do Fundo de Garantia, todo dinheiro que pôs no BNDES, o dinheiro que puseram no Banco do Brasil, pega até o que não existe, e vamos financiar tudo", diz e, ao mesmo tempo, responde: "Não há falta de crédito. Há falta de tomador de crédito. Todo dia converso com os banqueiros e, se o governo não estivesse fazendo a dívida que faz, os banqueiros estariam fechando porque eles estão renovando [os empréstimos] menos do que recebem de volta [em pagamentos]".
Delfim chama a atenção, ainda, para a destruição de valor patrocinada pelo governo nos últimos anos. "A siderurgia vale hoje 5% do que valia. A Petrobras vale 5% do que valia. E isso não ocorreu porque caiu o preço do minério de ferro, nem porque caiu o preço do combustível. Nós fizemos essa destruição de valor cuidadosamente, competentemente."
Quanto a Nelson Barbosa, o exministro acha que ele pode surpreender no rigor com que pretende tratar a política fiscal, mas não acredita que o governo conseguirá entregar a meta de superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como foi a conversa com o expresidente Lula?
Antonio Delfim Netto: Olha, ou a presidente Dilma assume a responsabilidade e vai, no dia 2 de fevereiro, ao Congresso Nacional com os projetos de reforma constitucional e infraconstitucional, ou será o caos. Ela deve ir ao Congresso e dizer: "Agora vamos ver quem é o responsável, porque eu não acredito que vocês não vão aprovar e decidi fazer um teste. Se os senhores quiserem não aprovem". E vai para a rua contar para o povo o que tem que ser feito. Ela tem que colocar o Congresso nas cordas. O presidencialismo não funciona sem presidente. E acho que é tempo de a gente entender, não tem mais impeachment.
Valor: O senhor acha que o impeachment está enterrado?
Delfim: Já acabou. Só tem uma saída. É a Dilma assumir de volta a Presidência ou é o caos e vamos ter que esperar mais três anos. O caos significa satisfazer as previsões que estão aí: perder mais 3% do PIB este ano, mais 4% no ano que vem. E em 2018, quando começar a campanha eleitoral, aparecer alguém que dê alegria para o Brasil, como aconteceu com o Mauricio Macri na Argentina.
Valor: Ele está resgatando a confiança.
Delfim: É tudo uma questão de confiança. Você pode imaginar o CDS [Credit Default Swap, prêmio de risco] do Brasil ser maior que o da Argentina? É só perspectiva. O Brasil sofre de uma doença: não tem perspectiva. Só pode devolver perspectiva para o Brasil quem está no governo, mas a oposição fica esperando o "impeachment da Dilma". Essa gente que vai para a rua não tem força para tirar a Dilma. E se ela não assumir seu protagonismo, não levar a responsabilidade para o Congresso e dizer quem é o responsável, "sou eu ou os senhores?", não tem solução. Vai ser uma tragédia.
Valor: O sr. está sugerindo que a presidente saia do imobilismo e vire a mesa?
Delfim: Isso, vira a mesa, vai ao Congresso. Até agora, eles [os parlamentares] puderam dizer que ela não faz nada. Ou a Dilma não sabe o que faz e, portanto, não pode decidir, ou o Congresso é mais omisso ainda. Em algum momento temos que saber quem é o responsável pelo Brasil. São os dois. Mas como podemos fazer um experimento fundamental? Apresentando as reformas para o Congresso e vamos ver se ele tem coragem de dizer não. Mas não é apresentar passivamente, é ir para a rua, enfrentar o panelaço que tiver que enfrentar, mas explicar para a população: "Estou fazendo isso para salvar o seu neto". Posso até estar profundamente enganado e amanhã a Dilma ser "impedida". Mas acho que a coisa está tão ruim que ninguém quer nem o impeachment. As pessoas estão em pânico.
Valor: Quais as reformas que o senhor sugere?
Delfim: As quatro: da Previdência Social, de flexibilização do mercado de trabalho, da desindexação e da desvinculação das verbas do Orçamento. Com isso abrese o espaço para o setor privado voltar a operar. "Ela [Dilma] tem que colocar o Congresso nas cordas. E é tempo de entender, não tem mais impeachment"
Valor: O sr. acredita que isso seria suficiente para o governo abrir alguma perspectiva?
Delfim: Na minha opinião a prova do pudim de que a receita é a perspectiva é o caso do Macri [Mauricio Macri, presidente da Argentina]. A Argentina estava numa situação concreta pior do que a do Brasil. Como o mundo acreditou que o país vai melhorar, ele já está melhor do que o Brasil. Isso é pela expectativa de que a Argentina pode melhorar. O problema do Brasil é que não tem como melhorar. De novo, a Argentina até agora é só espuma, mas a espuma fez com que o CDS deles ficasse abaixo do nosso. O fato é que na economia as crenças são mais importantes do que os fatos.
Valor: Mas o senhor acha que o governo tem condições de restabelecer a confiança?
Delfim: Na minha opinião essa é a única solução para o Brasil. Porque as pessoas continuam com pensamento mágico de que se não tiver o impeachment, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] faz [anulando as eleições], ou que depois das eleições para prefeito as coisas mudam. Não vai mudar nada! Não vai haver impeachment por uma razão muito simples: a mecânica produzida para o impeachment impede que haja o impeachment. Quantos suplentes há no Senado que não têm nenhum voto?
Valor: O expresidente Lula está com propostas para a retomada do crescimento pela expansão do crédito. Há condições de se fazer isso?
Delfim: Não há falta de crédito. Há falta de tomador de crédito. Todo dia converso com os banqueiros e, se o governo não tivesse fazendo a dívida que faz, os banqueiros estariam fechando porque eles estão renovando [os empréstimos] menos do que recebem de volta [em pagamentos].
Valor: O expresidente avisou que o ministro Nelson Barbosa, da Fazenda, soltará um pacote de medidas nos próximos dias para tentar reanimar a economia.
Delfim: Se não voltar a crescer, não adianta nada. Não tem nenhum projeto andando. A desmontagem dos canteiros de obras se conta às dezenas. Porque ninguém quer tomar mais risco, não consegue tocar as coisas. Tem a ver com a situação geral. O governo não anda! Acho uma coisa muito séria o que está acontecendo. É uma paralisia enquanto as pessoas não se convencerem de que o "principismo" do STF é muito significativo. O Supremo já decidiu que não tem essas coisas mais e está podando mesmo o sistema.
Valor: O que o senhor achou da manifestação dos advogados contra a Operação LavaJato?
Delfim: As críticas [deles] são ridículas! Fica muito difícil os advogados dizerem que o juiz Sérgio Moro "fez isso, fez aquilo" sem provas. O que o Moro fez até agora foi inteiramente aprovado pelo Supremo, não tem dúvida nenhuma, não.
Valor: Voltando ao crédito, o expresidente insiste que a saída é a expansão do crédito para consumo e investimento...
Delfim: O Lula está muito preocupado. Ele quer que se pegue o dinheiro do Fundo de Garantia, todo dinheiro que pôs no BNDES, o dinheiro que puseram no Banco do Brasil, pega até o que não existe, e vamos financiar tudo. Mas ninguém vai correr risco. Se mandar o BNDES emprestar, ele não vai emprestar porque quem vai, depois, prestar contas ao TCU é o BNDES. Não tem ninguém querendo crédito, pelo contrário.
Valor: Por quê?
Delfim: Devíamos chamar a atenção para o que nós produzimos de destruição de valor nos últimos anos. A siderurgia vale hoje 5% do que valia. A Petrobras vale 5% do que valia. E isso não ocorreu porque caiu o preço do minério de ferro, nem porque caiu o preço do combustível. É só olhar para quanto valem as outras empresas de petróleo no mundo, a BHP [Billiton, empresa de minério angloaustraliana], por exemplo, e quanto vale a Petrobras. Nós fizemos essa destruição de valor cuidadosamente, competentemente.
Valor: No caso da Petrobras está claro o que aconteceu: preços congelados, negócios ruins e corrupção. E na siderurgia?
Delfim: No caso da siderurgia, você não imagina que a China é uma economia de mercado, não é? A China exporta o aço pelo custo do minério e mais alguma coisa para pagar o salário do chinês. A indústria de máquinas brasileira, que é a coisa mais importante de um país, passou a ser importadora. Importar é a melhor coisa do mundo, não tem problema de crédito lá fora, não dá trabalho, não precisa fazer pesquisa, não precisa acompanhar avanço da tecnologia. Que país vai ser esse? Nos dois últimos anos, 2014 e 2015, o país seguramente perdeu uns dois pontos percentuais do PIB potencial. Não me lembro em quanto estava, mas seguramente temos hoje um PIB potencial de "x2"
Valor: Com a inflação em dois dígitos, o risco não é a pressão por reindexação?
Delfim: Tem a simbologia. Com uma inflação de 10% e desemprego de 10% ninguém mais segura a indexação. Aí é o salvese quem puder. Todo mundo vai tentar defender o seu, indexando. Nós assistimos a isso em preto e branco [nos anos 80] e agora vamos assistir em cores. E, vou dizer, naquele tempo as pessoas não tinham experiência. Foi preciso a inflação chegar a 50% ao ano para ver o que se tinha que fazer. Agora ninguém mais vai esperar. Hoje em dia a coisa mais difícil é convencer as pessoas que é preciso aumentar os salários pela expectativa de inflação e não pela inflação passada, porque você perdeu a âncora. Então o problema social aumenta. Os empresários e trabalhadores, ao invés de colaborarem, se comem.
Valor: Mesmo na indexação, há quem se proteja mais do que os outros, não?
Delfim: O problema é o seguinte: o sistema financeiro tem indexação completa por definição, porque a taxa de juros nominal é igual à taxa de juros real ou multiplicada pela taxa de inflação. Para o sistema financeiro, portanto, não é um problema. O problema é para o setor produtivo, onde há defasagem entre custos e preços e, mais grave, para quem recebe salário. Você espreme no emprego e espreme no salário. A massa salarial sofre duplamente.
Valor: O senhor acredita que o ministro da Fazenda vai dar conta de enfrentar essa crise?
Delfim: Não vi nele nenhuma disposição de fazer bobagem. Creio quer ele vai fazer algumas coisas em que acredita, mas será diferente do que as pessoas estão pensando. No fundo, no fundo acho que o Nelson Barbosa... Veja só, tanto o Keynes [John Maynard Keynes, economista inglês] quanto o Kalecki [Michal Kalecki, economista polonês] sabiam o seguinte: só há crescimento com investimento. A diferença entre os dois é a explicação para o investimento. Para o Keynes, é o que estamos vendo na Argentina, é a expectativa, é você acordar o espírito animal do empresário. A diferença entre eles é que o Keynes trabalhou para salvar o capitalismo e o Kalecki simplesmente tentou demonstrar que o capitalismo não pode ser salvo. Mas não acredito que o Nelson acredite nisso. O Nelson quer tentar "reganhar" o controle da economia brasileira. O problema dele é pôr o Brasil para rodar. "A Argentina até agora é espuma, mas eles já têm um CDS menor. Na economia, crenças são mais importantes do que fatos"
Valor: Dada as péssimas condições fiscais, o senhor acredita que ele tentará trocar o ajuste de curto prazo por um de médio e longo?
Delfim: O ajuste fiscal de médio e longo prazo é igual à retomada da confiança. Suponha apenas o seguinte: que a presidente apresente as reformas que precisam ser feitas e a nação tenha um ataque de lucidez e diga "agora vai"!. Nesse momento vira tudo. E no momento em que a economia começar a crescer 1%, tudo aquilo que parecia insolúvel é solucionado. A dificuldade é essa passagem, esse ponto de inflexão entre o pessimismo muito alto e acender uma luz de que pode mudar. Ninguém quer a destruição do Brasil. O trabalhador é vítima desse processo, o trabalhador paga o preço quando perde o emprego e quando vê seu salário reduzido. O investimento de hoje é o crescimento e o emprego de amanhã. Não adianta se é capitalismo, socialismo, só existem dois vetores para o crescimento: investimento e exportação. Nós estamos em vias de recuperar as exportações. Em uma economia como a nossa em que o investimento está baixo, se tivéssemos uma dívida pública de 45% do PIB, ou de 50% do PIB, poderíamos executar um programa de investimento público. Mas o governo matou essa solução, porque abusou dela [a dívida está na casa dos 70% do PIB]. E o mais grave, não se fez déficit para fazer investimento. O déficit foi feito para pagar salários, para conceder subsídios, para fazer mais dívida. Fezse mais dívida para fazer mais déficit. Então, é a cobra que está mordendo o rabo.
Valor: Qual a sua avaliação da decisão do Copom, de manter estável a taxa Selic, mesmo com a inflação muito elevada?
Delfim: A ideia de que o FMI sabe mais do que nós sobre o estado da economia é extravagante. O Tombini [Alexandre Tombini, presidente do Banco Central] não se assustou com os dados do FMI. Ele se assustou com o que está acontecendo nos últimos dias. Dá a impressão de que o mundo está caindo aos pedaços. Estou achando que estamos em um tsunami. Nem o Fed [Federal Reserve, banco central americano], nem o Banco Central da China, o Banco Central Europeu ou o Banco Central do Brasil sabem o que estão fazendo. Estamos em um mundo novo que foi construído pela própria política monetária até 2008 e que não tem nem mapa e nem bússola. O caso do Brasil é complicado, mas não é o único.
Valor: O sr. considera possível o cumprimento da meta de superávit de 0,5% do PIB este ano?
Delfim: Tenho sérias dúvidas sobre o equilíbrio fiscal. A única coisa que é certa são as despesas, e elas são muito difíceis de serem comprimidas. As receitas são muito incertas. Então não tenho muita esperança de que as coisas funcionem, a não ser que a presidente retome e apresente o conjunto de reforma ao Congresso, vá pra rua e brigue.
Valor: Na sua previsão, a recessão pode ser este ano pior do que a de 2015?
Delfim: Se a presidente não reassumir o protagonismo do seu governo vamos cair entre 7% e 8% nesses dois anos, 2015 e 2016. Isso não é uma previsão, é condicionante. Ou ela reassume e atrai o investimento do setor privado, ou será muito pouco provável não perdermos de 7% a 8% do PIB. E a experiência do mundo, hoje, sugere que, quando há esse desvio tão grande, o PIB potencial, seja lá o que isso for, se reduz. Isso ocorrendo, vamos ter um arrasto de baixo crescimento por muitos anos.
Valor: Uma vez o sr. disse que era preciso ser muito competente para produzir uma recessão no Brasil.
Delfim: Provamos que temos competência.
Valor: E para sair dela?
Delfim: No meu ponto de vista todas as previsões são condicionadas a uma ação: da presidente assumir protagonismo. Creio que não há condições para o impeachment e que ela não tem condições, atualmente, de retomar a direção do país. Portanto, ela precisa fazer isso.
O exministro e exdeputado Antonio Delfim Netto vê apenas uma saída para o governo da presidente Dilma Rousseff e para o país, cuja economia está mergulhada na recessão. "Ou a presidente assume a responsabilidade e vai, no dia 2 de fevereiro, ao Congresso Nacional com os projetos de reforma constitucional e infraconstitucional, ou será o caos", diz. O caos, para ele, se materializará em dois ou três anos de recessão e um longo período de crescimento muito baixo. O que será "uma tragédia".
Delfim esteve na semana passada com o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um almoço que contou com a presença do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), dentre outros.
Poucos dias antes desse encontro de terçafeira ele esteve também com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Dessas conversas não colheu nenhum otimismo. Ao contrário, o exministro e conselheiro de Lula está muito apreensivo.
"O presidencialismo não funciona sem presidente. E acho que é tempo de a gente entender, não tem mais impeachment", avalia. Para ele, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transferir para o Senado a decisão final sobre o impeachment matou a possibilidade de o processo avançar.
Resta, a partir dessa visão, Dilma reassumir o governo e emparedar o Congresso levando, na abertura do ano legislativo, dia 2, quatro projetos de reformas da Previdência Social, do mercado de trabalho, de dexindexação e da desvinculação dos gastos orçamentários. "Em algum momento temos que saber quem é o responsável pelo Brasil", instiga.
O exministro não vê qualquer futuro nas propostas de Lula para reanimar a economia com expansão do crédito. "O Lula está muito preocupado. Ele quer que se pegue o dinheiro do Fundo de Garantia, todo dinheiro que pôs no BNDES, o dinheiro que puseram no Banco do Brasil, pega até o que não existe, e vamos financiar tudo", diz e, ao mesmo tempo, responde: "Não há falta de crédito. Há falta de tomador de crédito. Todo dia converso com os banqueiros e, se o governo não estivesse fazendo a dívida que faz, os banqueiros estariam fechando porque eles estão renovando [os empréstimos] menos do que recebem de volta [em pagamentos]".
Delfim chama a atenção, ainda, para a destruição de valor patrocinada pelo governo nos últimos anos. "A siderurgia vale hoje 5% do que valia. A Petrobras vale 5% do que valia. E isso não ocorreu porque caiu o preço do minério de ferro, nem porque caiu o preço do combustível. Nós fizemos essa destruição de valor cuidadosamente, competentemente."
Quanto a Nelson Barbosa, o exministro acha que ele pode surpreender no rigor com que pretende tratar a política fiscal, mas não acredita que o governo conseguirá entregar a meta de superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como foi a conversa com o expresidente Lula?
Antonio Delfim Netto: Olha, ou a presidente Dilma assume a responsabilidade e vai, no dia 2 de fevereiro, ao Congresso Nacional com os projetos de reforma constitucional e infraconstitucional, ou será o caos. Ela deve ir ao Congresso e dizer: "Agora vamos ver quem é o responsável, porque eu não acredito que vocês não vão aprovar e decidi fazer um teste. Se os senhores quiserem não aprovem". E vai para a rua contar para o povo o que tem que ser feito. Ela tem que colocar o Congresso nas cordas. O presidencialismo não funciona sem presidente. E acho que é tempo de a gente entender, não tem mais impeachment.
Valor: O senhor acha que o impeachment está enterrado?
Delfim: Já acabou. Só tem uma saída. É a Dilma assumir de volta a Presidência ou é o caos e vamos ter que esperar mais três anos. O caos significa satisfazer as previsões que estão aí: perder mais 3% do PIB este ano, mais 4% no ano que vem. E em 2018, quando começar a campanha eleitoral, aparecer alguém que dê alegria para o Brasil, como aconteceu com o Mauricio Macri na Argentina.
Valor: Ele está resgatando a confiança.
Delfim: É tudo uma questão de confiança. Você pode imaginar o CDS [Credit Default Swap, prêmio de risco] do Brasil ser maior que o da Argentina? É só perspectiva. O Brasil sofre de uma doença: não tem perspectiva. Só pode devolver perspectiva para o Brasil quem está no governo, mas a oposição fica esperando o "impeachment da Dilma". Essa gente que vai para a rua não tem força para tirar a Dilma. E se ela não assumir seu protagonismo, não levar a responsabilidade para o Congresso e dizer quem é o responsável, "sou eu ou os senhores?", não tem solução. Vai ser uma tragédia.
Valor: O sr. está sugerindo que a presidente saia do imobilismo e vire a mesa?
Delfim: Isso, vira a mesa, vai ao Congresso. Até agora, eles [os parlamentares] puderam dizer que ela não faz nada. Ou a Dilma não sabe o que faz e, portanto, não pode decidir, ou o Congresso é mais omisso ainda. Em algum momento temos que saber quem é o responsável pelo Brasil. São os dois. Mas como podemos fazer um experimento fundamental? Apresentando as reformas para o Congresso e vamos ver se ele tem coragem de dizer não. Mas não é apresentar passivamente, é ir para a rua, enfrentar o panelaço que tiver que enfrentar, mas explicar para a população: "Estou fazendo isso para salvar o seu neto". Posso até estar profundamente enganado e amanhã a Dilma ser "impedida". Mas acho que a coisa está tão ruim que ninguém quer nem o impeachment. As pessoas estão em pânico.
Valor: Quais as reformas que o senhor sugere?
Delfim: As quatro: da Previdência Social, de flexibilização do mercado de trabalho, da desindexação e da desvinculação das verbas do Orçamento. Com isso abrese o espaço para o setor privado voltar a operar. "Ela [Dilma] tem que colocar o Congresso nas cordas. E é tempo de entender, não tem mais impeachment"
Valor: O sr. acredita que isso seria suficiente para o governo abrir alguma perspectiva?
Delfim: Na minha opinião a prova do pudim de que a receita é a perspectiva é o caso do Macri [Mauricio Macri, presidente da Argentina]. A Argentina estava numa situação concreta pior do que a do Brasil. Como o mundo acreditou que o país vai melhorar, ele já está melhor do que o Brasil. Isso é pela expectativa de que a Argentina pode melhorar. O problema do Brasil é que não tem como melhorar. De novo, a Argentina até agora é só espuma, mas a espuma fez com que o CDS deles ficasse abaixo do nosso. O fato é que na economia as crenças são mais importantes do que os fatos.
Valor: Mas o senhor acha que o governo tem condições de restabelecer a confiança?
Delfim: Na minha opinião essa é a única solução para o Brasil. Porque as pessoas continuam com pensamento mágico de que se não tiver o impeachment, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] faz [anulando as eleições], ou que depois das eleições para prefeito as coisas mudam. Não vai mudar nada! Não vai haver impeachment por uma razão muito simples: a mecânica produzida para o impeachment impede que haja o impeachment. Quantos suplentes há no Senado que não têm nenhum voto?
Valor: O expresidente Lula está com propostas para a retomada do crescimento pela expansão do crédito. Há condições de se fazer isso?
Delfim: Não há falta de crédito. Há falta de tomador de crédito. Todo dia converso com os banqueiros e, se o governo não tivesse fazendo a dívida que faz, os banqueiros estariam fechando porque eles estão renovando [os empréstimos] menos do que recebem de volta [em pagamentos].
Valor: O expresidente avisou que o ministro Nelson Barbosa, da Fazenda, soltará um pacote de medidas nos próximos dias para tentar reanimar a economia.
Delfim: Se não voltar a crescer, não adianta nada. Não tem nenhum projeto andando. A desmontagem dos canteiros de obras se conta às dezenas. Porque ninguém quer tomar mais risco, não consegue tocar as coisas. Tem a ver com a situação geral. O governo não anda! Acho uma coisa muito séria o que está acontecendo. É uma paralisia enquanto as pessoas não se convencerem de que o "principismo" do STF é muito significativo. O Supremo já decidiu que não tem essas coisas mais e está podando mesmo o sistema.
Valor: O que o senhor achou da manifestação dos advogados contra a Operação LavaJato?
Delfim: As críticas [deles] são ridículas! Fica muito difícil os advogados dizerem que o juiz Sérgio Moro "fez isso, fez aquilo" sem provas. O que o Moro fez até agora foi inteiramente aprovado pelo Supremo, não tem dúvida nenhuma, não.
Valor: Voltando ao crédito, o expresidente insiste que a saída é a expansão do crédito para consumo e investimento...
Delfim: O Lula está muito preocupado. Ele quer que se pegue o dinheiro do Fundo de Garantia, todo dinheiro que pôs no BNDES, o dinheiro que puseram no Banco do Brasil, pega até o que não existe, e vamos financiar tudo. Mas ninguém vai correr risco. Se mandar o BNDES emprestar, ele não vai emprestar porque quem vai, depois, prestar contas ao TCU é o BNDES. Não tem ninguém querendo crédito, pelo contrário.
Valor: Por quê?
Delfim: Devíamos chamar a atenção para o que nós produzimos de destruição de valor nos últimos anos. A siderurgia vale hoje 5% do que valia. A Petrobras vale 5% do que valia. E isso não ocorreu porque caiu o preço do minério de ferro, nem porque caiu o preço do combustível. É só olhar para quanto valem as outras empresas de petróleo no mundo, a BHP [Billiton, empresa de minério angloaustraliana], por exemplo, e quanto vale a Petrobras. Nós fizemos essa destruição de valor cuidadosamente, competentemente.
Valor: No caso da Petrobras está claro o que aconteceu: preços congelados, negócios ruins e corrupção. E na siderurgia?
Delfim: No caso da siderurgia, você não imagina que a China é uma economia de mercado, não é? A China exporta o aço pelo custo do minério e mais alguma coisa para pagar o salário do chinês. A indústria de máquinas brasileira, que é a coisa mais importante de um país, passou a ser importadora. Importar é a melhor coisa do mundo, não tem problema de crédito lá fora, não dá trabalho, não precisa fazer pesquisa, não precisa acompanhar avanço da tecnologia. Que país vai ser esse? Nos dois últimos anos, 2014 e 2015, o país seguramente perdeu uns dois pontos percentuais do PIB potencial. Não me lembro em quanto estava, mas seguramente temos hoje um PIB potencial de "x2"
Valor: Com a inflação em dois dígitos, o risco não é a pressão por reindexação?
Delfim: Tem a simbologia. Com uma inflação de 10% e desemprego de 10% ninguém mais segura a indexação. Aí é o salvese quem puder. Todo mundo vai tentar defender o seu, indexando. Nós assistimos a isso em preto e branco [nos anos 80] e agora vamos assistir em cores. E, vou dizer, naquele tempo as pessoas não tinham experiência. Foi preciso a inflação chegar a 50% ao ano para ver o que se tinha que fazer. Agora ninguém mais vai esperar. Hoje em dia a coisa mais difícil é convencer as pessoas que é preciso aumentar os salários pela expectativa de inflação e não pela inflação passada, porque você perdeu a âncora. Então o problema social aumenta. Os empresários e trabalhadores, ao invés de colaborarem, se comem.
Valor: Mesmo na indexação, há quem se proteja mais do que os outros, não?
Delfim: O problema é o seguinte: o sistema financeiro tem indexação completa por definição, porque a taxa de juros nominal é igual à taxa de juros real ou multiplicada pela taxa de inflação. Para o sistema financeiro, portanto, não é um problema. O problema é para o setor produtivo, onde há defasagem entre custos e preços e, mais grave, para quem recebe salário. Você espreme no emprego e espreme no salário. A massa salarial sofre duplamente.
Valor: O senhor acredita que o ministro da Fazenda vai dar conta de enfrentar essa crise?
Delfim: Não vi nele nenhuma disposição de fazer bobagem. Creio quer ele vai fazer algumas coisas em que acredita, mas será diferente do que as pessoas estão pensando. No fundo, no fundo acho que o Nelson Barbosa... Veja só, tanto o Keynes [John Maynard Keynes, economista inglês] quanto o Kalecki [Michal Kalecki, economista polonês] sabiam o seguinte: só há crescimento com investimento. A diferença entre os dois é a explicação para o investimento. Para o Keynes, é o que estamos vendo na Argentina, é a expectativa, é você acordar o espírito animal do empresário. A diferença entre eles é que o Keynes trabalhou para salvar o capitalismo e o Kalecki simplesmente tentou demonstrar que o capitalismo não pode ser salvo. Mas não acredito que o Nelson acredite nisso. O Nelson quer tentar "reganhar" o controle da economia brasileira. O problema dele é pôr o Brasil para rodar. "A Argentina até agora é espuma, mas eles já têm um CDS menor. Na economia, crenças são mais importantes do que fatos"
Valor: Dada as péssimas condições fiscais, o senhor acredita que ele tentará trocar o ajuste de curto prazo por um de médio e longo?
Delfim: O ajuste fiscal de médio e longo prazo é igual à retomada da confiança. Suponha apenas o seguinte: que a presidente apresente as reformas que precisam ser feitas e a nação tenha um ataque de lucidez e diga "agora vai"!. Nesse momento vira tudo. E no momento em que a economia começar a crescer 1%, tudo aquilo que parecia insolúvel é solucionado.
A dificuldade é essa passagem, esse ponto de inflexão entre o pessimismo muito alto e acender uma luz de que pode mudar. Ninguém quer a destruição do Brasil. O trabalhador é vítima desse processo, o trabalhador paga o preço quando perde o emprego e quando vê seu salário reduzido.
O investimento de hoje é o crescimento e o emprego de amanhã. Não adianta se é capitalismo, socialismo, só existem dois vetores para o crescimento: investimento e exportação. Nós estamos em vias de recuperar as exportações. Em uma economia como a nossa em que o investimento está baixo, se tivéssemos uma dívida pública de 45% do PIB, ou de 50% do PIB, poderíamos executar um programa de investimento público. Mas o governo matou essa solução, porque abusou dela [a dívida está na casa dos 70% do PIB]. E o mais grave, não se fez déficit para fazer investimento. O déficit foi feito para pagar salários, para conceder subsídios, para fazer mais dívida. Fezse mais dívida para fazer mais déficit. Então, é a cobra que está mordendo o rabo.
Valor: Qual a sua avaliação da decisão do Copom, de manter estável a taxa Selic, mesmo com a inflação muito elevada?
Delfim: A ideia de que o FMI sabe mais do que nós sobre o estado da economia é extravagante. O Tombini [Alexandre Tombini, presidente do Banco Central] não se assustou com os dados do FMI. Ele se assustou com o que está acontecendo nos últimos dias. Dá a impressão de que o mundo está caindo aos pedaços. Estou achando que estamos em um tsunami. Nem o Fed [Federal Reserve, banco central americano], nem o Banco Central da China, o Banco Central Europeu ou o Banco Central do Brasil sabem o que estão fazendo. Estamos em um mundo novo que foi construído pela própria política monetária até 2008 e que não tem nem mapa e nem bússola. O caso do Brasil é complicado, mas não é o único.
Valor: O sr. considera possível o cumprimento da meta de superávit de 0,5% do PIB este ano?
Delfim: Tenho sérias dúvidas sobre o equilíbrio fiscal. A única coisa que é certa são as despesas, e elas são muito difíceis de serem comprimidas. As receitas são muito incertas. Então não tenho muita esperança de que as coisas funcionem, a não ser que a presidente retome e apresente o conjunto de reforma ao Congresso, vá pra rua e brigue.
Valor: Na sua previsão, a recessão pode ser este ano pior do que a de 2015?
Delfim: Se a presidente não reassumir o protagonismo do seu governo vamos cair entre 7% e 8% nesses dois anos, 2015 e 2016. Isso não é uma previsão, é condicionante. Ou ela reassume e atrai o investimento do setor privado, ou será muito pouco provável não perdermos de 7% a 8% do PIB. E a experiência do mundo, hoje, sugere que, quando há esse desvio tão grande, o PIB potencial, seja lá o que isso for, se reduz. Isso ocorrendo, vamos ter um arrasto de baixo crescimento por muitos anos.
Valor: Uma vez o sr. disse que era preciso ser muito competente para produzir uma recessão no Brasil.
Delfim: Provamos que temos competência.
Valor: E para sair dela?
Delfim: No meu ponto de vista todas as previsões são condicionadas a uma ação: da presidente assumir protagonismo. Creio que não há condições para o impeachment e que ela não tem condições, atualmente, de retomar a direção do país. Portanto, ela precisa fazer isso.