Colher duas linhas de cana em apenas uma máquina e com isso praticamente dobrar a eficiência operacional, financeira e, porque não dizer, agronômica, até 2020, quando a John Deere lançou a primeira colhedora com essa característica, não passava de um sonho.
O fato é que o manejo mais caro de um canavial, a colheita mecanizada, desde que chegou no Brasil no final do século passado, precisa superar desafios através do desenvolvimento de uma tecnologia aplicada numa colhedora de duas linhas.
Mais de três anos se passaram, o que não é nada para uma cultura perene como da cana-de-açúcar, mas algumas impressões e aprendizados já podem ser contabilizados através de um diagnóstico geral, contudo o caminho para o uso pleno da tecnologia ainda é longo, até porque agora seu ganho de escala não depende mais somente de seu desenvolvimento interno, mas da adoção de melhores práticas no canavial como um todo, como exemplo o controle eficaz das plantas daninhas.
A formação desta opinião veio de Tupaciguara-MG, onde a Bioenergética Aroeira, ao lado da John Deere, num movimento digno de aplausos no sentido de proporcionar troca de informações reais entre os diversos atores da cadeia produtiva (o que é ainda uma carência entre os canavieiros), abriu suas porteiras para mostrar toda a sua experiência com as duas colhedoras CH-950 que passou a utilizar desde a safra 21/22.
No começo da conversa um susto, quando o gerente de operações agrícolas da unidade, Henrique Soares Naufel, iniciou um bate-papo com os presentes falando que para colher em duas linhas seria necessário um novo processo de aprendizagem, o que gerou um raciocínio precipitado de que se fossem necessários mais vinte anos, tudo estaria de volta à estaca zero.
Por Deus foi um ledo engano, e o que ele queria dizer é que quando as máquinas chegaram, se iniciou um processo de aprendizado para o melhor uso da tecnologia: “Logo no começo percebemos que tudo nela é o dobro, então a questão do tempo de manutenção preventiva, troca de faquinha, lavar, lubrificar, abastecer, entre outros processos, simplesmente levava duas vezes o tempo, o que despencou a sua disponibilidade”, disse Naufel.
Ele contou que tiveram que trabalhar na mudança de diversos processos para amenizar o impacto: “Adaptamos no caminhão-pipa dois carretéis de mangueira, desenhamos um plano para abastecimento e lubrificação uma vez por dia e implementamos chaves de impacto elétricas para agilizar a troca das faquinhas”.
Assim, colocando a casa em ordem, sem esquecer o apoio do concessionário da fabricante que escalou um técnico para ficar diariamente no desenvolvimento da nova rotina, finalmente foi possível colocar o trem nos trilhos para rodar.
Depois da apresentação, a principal curiosidade de todos, o custo, não demorou para fazer parte das perguntas. Sobre o tema ficou claro que ainda não dá para estimar que cai pela metade, quem sabe no final do primeiro ciclo colocando na conta a longevidade e a produtividade que ela acarreta em decorrência da redução do pisoteio, mas que considerando somente as operações de corte e transbordo, já se aponta, no caso da Aroeira, uma redução entre 5% e 10%.
Nessa conta entra toda a estrutura reduzida, tento em vista que hoje a frente de duas linhas colhe 1,5 mil toneladas por dia (por máquina), enquanto a média das de uma linha é de 850 mil, ou seja, numa conta superficial são duas fazendo o serviço de três, além do consumo menor de diesel (0,60 litros por tonelada de cana contra 0,74) e óleo hidráulico (0,009 litros por tonelada de cana contra 0,015) das CH-950.
Outro aspecto que influencia no percentual de economia é sua eficiência, pois mesmo com uma disponibilidade de dois pontos percentuais inferior em relação a média das frentes de uma linha, ela se recupera perante sua velocidade de corte com o tempo de manobra (11,35 contra 11,38 quilômetros por hora) e a média de horas de corte diária (10,09 contra 9,34).
Pontos de melhoria
O melhor da história é que não é preciso sequer binóculos para se conseguir enxergar os pontos de melhoria e isso é a justificativa para Aroeira já planejar um investimento numa segunda frente de colheita com as máquinas de duas linhas.
Segundo Naufel, ainda sob o ponto de vista da manutenção, é necessário finalizar um trabalho de mapeamento dos terminais das mangueiras hidráulicas, que exigem uma adaptação em relação a rotina com máquinas de uma linha, bem como a adequação do estoque de peças.
A questão do material rodante é um quesito que o profissional destacou com muita ênfase: “Nós temos duas máquinas sendo cada uma com um tipo de rodante, uma com a bitola de 2,75 metros e a sapata de 16 polegadas e outra com a bitola de três metros e a sapata de 22 polegadas. Com o andar dos trabalhos, observamos que a sapata mais larga tem sua vida útil maior, como temos o espaçamento de 1,5 metros, identificamos pisoteio da colhedora de bitola menor e inviabilidade de uso em áreas com o solo preparado de modo mais profundo ou irrigada, pois ela, em virtude da relação de seu peso com a área de contato, afunda”.
Porém, ele apontou para a facilidade no transporte da máquina, que não precisa ser desmontada para circular em rodovias, como a única vantagem da máquina com bitola e sapata menores, o que abriu caminho para um assunto de suma importância para quem deseja entrar na colheita de duas linhas, o planejamento do talhão.
Como a melhor máquina é a de três metros, a regra precisa ser “quanto menos prancha, melhor”, assim é preciso pensar na questão da criação de blocos de colheita próximos, isso para evitar que se perca muito tempo fazendo o transporte da máquina, que é trabalhoso e demorado, o que derruba o seu tempo de disponibilidade e também poderá acarretar em novos custos, como de novos caminhões que precisam ter ao menos três eixos e capacidade para aguentar 35 toneladas nas costas.
Ainda na hora do planejamento, o profissional lembra da questão do paralelismo (espaçamento entrelinhas), uso do piloto automático, escolha por variedade eretas e que não tombem e intenso controle das plantas invasoras, isso porque a máquina apresentou problemas maiores que os habituais quando teve que encarar a cana deitada e reboleiras, principalmente de folhas largas e cipós.
Por fim, há um detalhe na relação máquina transbordo, não que são necessários mais veículos, a Aroeira adota a relação de 3,5 com capacidade de 20 toneladas por máquina, mas o problema está na quebra de ciclo em tiros mais longos: “Concluímos que em talhões maiores o ciclo ideal dos transbordos é quebrado, isso porque como ele enche de maneira muito mais rápida, precisa andar até o final da rua para se dirigir até o caminhão de transporte, o que leva mais tempo e gera interrupção no processo”.
Pulgas atrás das orelhas
Em conversa com a reportagem da Revista Canavieiros, a representante da John Deere, Maria Renata Fregonezi Gonçalves, tirou algumas pulgas que habitam as orelhas de muitos produtores sobre a tecnologia de colheita.
Relevo: Esse é um dos principais paradigmas, isso pelo fato da bitola da colhedora ser o dobro, de três metros, sua estabilidade é maior, assim ela se mostra indo muito bem em cenários de muito relevo.
Tempo de espera após a chuva: Temos o feedback de clientes que é necessário esperar um pouco mais por causa do peso, senão ela afunda, estimamos um tempo médio de entrada de um turno em relação ao de uma linha. Mas é preciso ressaltar que esse tempo é compensado por colher de maneira mais rápida, o que acaba compensando em anos mais chuvosos.
Manobras: Na execução da manobra ela é um pouco mais demorada, porém faz metade em relação à colhedora de uma linha, o que ao somar tempo de colheita mais a manobra ela se mostra mais eficiente.
Mão de Obra: Essa é uma tecnologia diferente, com novas funcionalidades, a forma de se trabalhar muda um pouco, mas os operadores da máquina de uma linha conseguem se adaptar tranquilamente.
Arranquio de soqueira: Ela vem com um sistema chamado “Roll Adapter”, que se trata da independência dos sistemas de alimentação, então desde o divisor de linha, cortes de base e os rolos alimentadores, se adaptam ao relevo e volume de cana de sua linha. Além disso, como ela tem praticamente dois chassis, não é necessário levantar a colhedora inteira para copiar o solo, como é o caso nas de uma linha, levantando apenas a plataforma da frente, sendo mais ágil e com isso mantendo um padrão maior de corte.
Assim, fica claro que a colheita em duas linhas já é uma realidade e entra na fila esperando o capricho maior para finalmente expressar o seu potencial para contribuir de maneira efetiva para evoluirmos quando se fala em eficiência produtiva, financeira e agronômica da cultura canavieira.