O setor, a cana e elas

10/05/2018 Agronegócio POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento
 
A 7ª edição do Encontro Cana Substantivo Feminino, realizado pela Paiva & Baldin Editora, reuniu mais de 400 participantes, no dia 22 de março, no auditório do Centro de Cana do IAC, em Ribeirão Preto.

Já tradicional, o encontro trata de vários assuntos relativos ao setor sob a perspectiva profissional feminina.

A idealizadora do evento, Luciana Paiva, conta que atualmente o Cana Substantivo Feminino passou a ser uma tendência. “Isso é ótimo, cada vez mais as mulheres estão se reunindo e mandando o seu recado”, afirma.

O tema principal desta edição foi Inovação. Segundo Luciana, esse é um dos motivos da maior entrada de mulheres no agronegócio e no setor sucroenergético.

Para Patrícia Rezende Fontoura, gerente de Planejamento e Desenvolvimento Agrícola na Cofco International, o assunto inovação é um pouco delicado para o setor por ele não ser muito inovador. “Há três anos falávamos o que ainda se diz hoje, mas atualmente há uma necessidade maior de inovação devido à crise e as produtividades de cana não estarem como as da soja e do milho”, salientou.

De acordo com Patrícia, através de planejamento e novas formas de colher e plantar é possível ter melhores resultados, mostrando que a adoção de novas tecnologias agrega valor e garante espaço no mercado.

Sandra Silva, coordenadora de Irrigação da Coruripe Matriz, em Alagoas, comentou sobre a importância da irrigação para as usinas daquela região. “Sem água e sem irrigação, é inimaginável a sobrevivência das usinas. Das 29 unidades, que nos bons tempos funcionavam no estado, hoje são apenas 16 em atividade.Uma das vantagens competitivas na região é a água e o seu uso consciente. Aí é que está a questão da inovação no campo da irrigação”, disse.

Ela conta ainda que o fornecedor que não irriga na região consegue a produtividade de 35 t/ha, um número massacrante em virtude da grande seca ocorrida no ano passado. “Só sobrevive, de fato, quem tem o recurso da água. No entanto, não adianta irrigar se não fizer trato cultural, adubação e as outras atividades também necessárias”, enfatiza.

A coordenadora de Planejamento e Desenvolvimento do Polo Minas Gerais da Usina Coruripe, Vivian Oliveira Cunha, destacou a unidade localizada em Iturama como uma das mais produtivas do grupo no estado. “Atribuímos isso a um planejamento estratégico e ao manejo de colheita de terceiro eixo já realizado há 4 safras. Com isso, observamos que os nossos primeiros quatro cortes foram acima de 100 toneladas, não tendo diferença da cana planta para as soqueiras”.

Vivian também concorda com o fato do setor não ser inovador. "O setor demora muito para aderir às tecnologias como as variedades, por exemplo. Há variedades que estão no mercado desde 2006 e são boas, como a CTC4, que apenas hoje, em 2018, ocupa uma posição no censo varietal. Existem outras variedades na mesma situação. O pessoal do setor espera a coisa virar, aparecer em um censo para ter coragem e plantar. Ninguém quer ser inovador e validar”, frisou.

Daniela Bento Gomes, supervisora Agrícola da Usina Santo Antônio, em Sertãozinho, lembra que entrou no setor sem querer. “A minha pretensão era ser gerente de banco, mas tive que começar a trabalhar cedo. Participei de um processo seletivo e comecei minha carreira na secretaria do departamento agrícola. Não sabia nada de cana, mas fui aprendendo muita coisa, pois era curiosa e perguntava bastante. Passei para assistente e depois encarregada de laboratório (para gerir). Nesta época, dobrei a produção de cotésiaflavipes e estou há 22 anos na usina”, contou ao dizer ainda que, com o uso de controle biológico para broca, a infestação geral na unidade não chega a 1%. “Mas isso não foi do dia para a noite”, observou.

Para Vanessa Prezotto Silveira, gerente ambiental Corporativa da Tereos, a grande inovação na área ambiental são os assuntos de sustentabilidade fazerem parte da tomada estratégica de decisão do negócio. “O setor de sustentabilidade e as áreas vinculadas ao dia a dia da usina sentam à mesa juntamente com as diretorias de produção e financeira para dizer qual o melhor caminho a ser trilhado. Na Tereos isso não é diferente”, exemplifica.

Cássia Aparecida Negri é produtora rural e coordenadora de Produção na EngClarian. Há 14 anos, após o falecimento de seu pai, ela e sua mãe assumiram o negócio da família. Ela conta que sempre participou da área agrícola e descobriu mais sobre variedades, irrigação, como a usina trabalhava com os fornecedores e como era realizado o pagamento. “Foi uma época inovadora e difícil. Depois entrei na parte da indústria para entender o outro lado e acabei fazendo engenharia química. Hoje, eu e minha mãe continuamos com nossas propriedades, administrando o negócio da família e também trabalho na indústria, ajudando as usinas com produção química para a produtividade de açúcar, etanol, energia e água.”

Através de parcerias com multinacionais, as tecnologias chegam ao setor. “Desenvolvemos, junto quem a Kemira, uma nova linha de antincrustantes para os evaporadores da usina. Testamos o produto em algumas unidades no ano passado com excelentes resultados.A limpeza do evaporador é muito complicada, manual e com hidrojato, o que implicava em muitas ações trabalhistas devido ao perigo que apresenta. Com o produto, a tendência é dobrar ou até mesmo triplicar o tempo de campanha dos evaporadores sem a necessidade de abertura para limpeza”, adianta Cássia.

A diretora da Raízen Ventures, Raphaella Gomes,ressaltou que a empresa sempre foi inovadora, mas as inovações eram pontuais e feitas de forma pulverizada nos negócios. “Temos inovações de ponta como o etanol de segunda geração e a construção de nossa primeira planta de biogás. Mas isso era feito em um ambiente sem proliferaçãoe de forma não organizada e alinhada com a nossa estratégia”, atenta.

Quando se fala em estratégia de longo prazo, é necessário falar de sustentabilidade. Como as empresas de hoje existirão no futuro? Elas existirão trazendo valor para os seus acionistas e para a sociedade?

“A única maneira de garantir que essas duas coisas ocorram é com inovação e sustentabilidade. A cana é brasileira e, portanto, as soluções tecnológicas de inovação devem sair do Brasil. Existe um risco de errar quando se inova e temos que olhar para as startups, pilotos e testes”, pontua Raphaella.

Ela também argumenta que é preciso ter estratégia para que o Brasil possa ser o maior produtor agrícola de tecnologia. “Temos tudo para isso, mas primeiro é preciso traçar um plano para o país, unir empresas, instituições e governo para trabalhar políticas públicas. As universidades brasileiras estão no ranking das que mais produzem trabalhos no mundo. As ideias não estão sendo transformadas em modelos de negócios. A inovação é uma ideia transformada em um modelo de negócio que seja replicável”.

Sucessão
O segundo painel do encontro intitulado “As mulheres participam do negócio”mostrou ações e projetos que estimulam e qualificam herdeiras a integrarem ou até mesmo a assumirem a gestão do negócio.

A produtora rural Maria Christina Pacheco compartilhou a sua experiência. “Foi um processo interessante. Morei em Brasília, Nova York e em outros lugares do mundo. Pensar em morar em Capivari, uma cidade pequena, foi problemático.Fui morar na fazenda e com cara e coragem aprendi sobre o seu dia-a-dia. Por mais que eu fizesse um planejamento detalhado de como seriam os próximos anos, a Mãe Natureza me pregava peças fantásticas: uma hora chovia demais, outra hora chovia de menos, outra hora era uma chuva de granizo que acabava com a plantação de tomate”, contou.

Maria Christina encontrou também um ambiente masculino, onde teve que aprender a se portar para conseguir se posicionar e mostrar que não estava ali para brincar. “Uma das primeiras coisas que fizemos foi automatizar a contabilidade, nossos controles e aos poucos mostrar a parceria com os nossos colaboradores, mostrar porque tinham que plantar cana de determinada maneira.”

A trajetória de produtora rural ainda trouxe surpresas. “Para mim, que trabalhava com pessoas de nível superior, trabalhar com pessoas que têm, no máximo, o quarto ano primário, foi complicado, mas por outro lado aprendi a beleza e a capacidade que eles tinham em me dizer sobre a direção da chuva, por exemplo. A sabedoria, pureza, solidariedade e fraternidade dessas pessoas com um mínimo de escolaridade são fantásticas”, derreteu-se Maria Christina.

Atuando como CEO no grupo da família há cinco anos, Sarita Junqueira Rodas, lembrou que há dez anos, estudava para ser promotora de justiça e não tinha a mínima intenção em trabalhar no agronegócio. Após o falecimento de seu pai, Sarita precisou se preparar durante cinco anos dentro e fora da empresa para assumir os negócios da família.

“A melhor coisa que fizemos foi tentar entender o que poderíamos implantar de melhor. O fato do faturamento do grupo ter crescido é porque adotamos a metodologia de gestão compartilhada. As pessoas que trabalhavam há mais tempo na empresa são a nossa expertise, o nosso maior valor, mas também fomos ao mercado em busca de melhorias e inovação.O grupo é muito focado em inovação para a melhoria de produtividade e também em se manter coeso para manter a escala”, resumiu Sarita.

Tuca Dias, produtora de café e de cana-de-açúcar, diz não ser uma sucessora, mas entrou no negócio por desafio. Prestes a viajar pelo Brasil, recebeu a proposta do braço direito de seu pai, que já estava cansado de cuidar de uma fazenda com 70 casas, 130 funcionários fixos e um prejuízo mensal de R$ 300 mil.

“Aceitei a proposta e no primeiro dia me apresentei a todos. Arrendei a fazenda por 2,5 anos. Passado esse tempo, fizemos todas as modificações necessárias, trouxemos o chão de fábrica junto a nós e fomos sentindo o negócio. Hoje, depois de oito anos, a fazenda é minha e temos 100 hectares de café mecanizáveis na montanha, a fazenda de cana é 100% mecanizada, faço todo o CTT e tenho uma equipe maravilhosa. O café me ensina muito porque eu fecho no vermelho todo o ano. Já a cana me emburrece porque é fácil, é um bom negócio que paga as contas”, sintetiza.

Por motivos de força maior, Andréa Sanches Fernandes, diretora de Operações Corporativas na Cerradinho Par, entrou muito cedo no setor. Recém-formada em engenharia química, Andréa passou por várias áreas da usina, como o setor de qualidade e todos os outros de fabricação de etanol e açúcar.

“Depois de vários anos acabamos profissionalizando a empresa.Fomos crescendo e passei a ser gerente industrial, depois diretora. Devido a uma governança corporativa bem madura na empresa, hoje sou membro do Conselho de Administração da Cerradinho Bio, mas iniciei muito cedo em um setor de cultura totalmente masculina e foi desafiador”, relembra.

Andréa afirma que essa trajetória lhe trouxe muita sabedoria e aprendizado. “O setor é cachaça, a gente vicia!”, brinca.

Por outro lado, ela destaca que desenvolver as futuras gerações, independente do gênero, é muito importante. “O foco é formar gestores competentes e de sucesso no mercado de trabalho e ter acionistas responsáveis, independente deles trabalharem ou não na empresa. O nosso maior legado é fazer isso ancorado nos valores e na cultura da família e da empresa”, disse Andréa.

Já os projetos de qualificação do setor foram apresentados por Aline Silva, gerente de projetos de cana-de-açúcar da Solidariedad e por Cristiane Regina de Simone, gerente de projetos e sustentabilidade da Socicana.

Mudanças e oportunidades
O painel “A cana transforma vidas” trouxe depoimento de mulheres que atuam no setor sucroenergético e desenvolvem ações e projetos que transformam para melhor a vida de muitas pessoas e também depoimento de mulheres em que o setor transformou suas vidas.

O setor, segundo Rosmarli Guerra, supervisora de Eventos e Comunicação da Usina Estiva, em Novo Horizonte, SP, conseguiu transformar e contribuir para o desenvolvimento da comunidade local. “A área de educação é referência na usina e apoiada pela diretoria da mesma”, afirma.
Rosana Zumstein, executiva da Telog/TransEspecialista e diretora financeira do Ceise Br, lembra que nenhum trabalho é em vão e que fazer projetos em usinas é fundamental. “Isso ajuda a reestruturar famílias que poderiam tomar outro caminho”, destacou.

A motorista de rodotrem na Biosev, Unidade Santa Eliza, em Sertãozinho, SP, Vanilza Barbosa, tem orgulho do que faz. “Já fui cortadora de cana, colhedora de café, doméstica e trabalhei no comércio. Comecei a trabalhar em uma usina como motorista de perua e caminhão. Na Biosev, trabalhei como motorista de transbordo durante dois anos antes de ser motorista de rodotrem. Tenho capacidade de produzir para a empresa e sou grata por essa oportunidade em minha vida. Falar de caminhão para mim é fácil, pois amo ser canavieira”, enfatiza.

Já a Coordenadora de Pessoas e Organização da Atvos, Polo Santa Luzia, em MS, RubianZilmer, entrou na empresa em 2007, época de transição do plantio manual para o mecanizado. “Neste período, tivemos a fase de implantação do programa de qualificação profissional em quatro estados e nove cidades”, aponta.

Ela ressalta que através do processo de qualificação as pessoas passaram para outro patamar, pois começaram a ter melhor remuneração, qualidade de vida e acesso à saúde. “As pessoas passaram a exercer atividades com melhor remuneração. Esse movimento sustentável de qualificação profissional permitiu ter pessoas mais capacitadas e com oportunidades de carreira”, disse Rubian.

Segundo a coordenadora, a empresa tem como política, na gestão de pessoas, enxergar os potenciais, independente do gênero. “Diversidade e pluralidade na equipe trazem resultados”, completou.

O setor em 2018
O último painel de debates com o tema “Expectativas para o setor sucroenergético em 2018” foi uma oportunidade para explicar e tirar as dúvidas do público sobre o RenovaBio e contou com as participações de Elizabeth Farina, presidente-executiva da Unica; Plínio Nastari, presidente da Datagro Consultoria e Pedro Mizutani, presidente do Conselho da Unicae vice-presidente de Relações Externas e Estratégia da Raízen.
Nastari explicou o que é o RenovaBio e disse que agora há a fase de implantação, que deve ser inclusiva e não excludente, com elementos que permitam com que os agentes econômicos se engajem. “Precisamos duplicar a proporção de bioenergia existente e triplicar a proporção de biocombustíveis até 2030. O RenovaBio é um mecanismo de indução”, salientou.

“A missão é propiciar que sejam construídas regras que potencializem a melhora da competitividade. Temos trilhado o caminho de busca de políticas públicas” completou Elizabeth.

Mizutani ressaltou que o programa é uma política estável e que o país preciso disso. “O RenovaBio é a ponta do iceberg para o etanol se expandir, pois o seu valor e benefícios ainda não são percebidos pelas pessoas”, concluiu.