Durante toda a carreira profissional e de dirigente de entidades ligadas ao setor, Manoel Carlos de Azevedo Ortolan, 66 anos, foi convidado a participar como membro de várias entidades governamentais e não-governamentais ligadas ao setor da bioenergia.
Formado em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq/USP), em 1969, Ortolan foi eleito pela primeira vez presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), em março de 2001 para o mandato de três anos. Reeleito, ficou no cargo até março de 2007. Em abril de 2013, Ortolan assumiu novamente a presidência da Orplana para um mandato de três anos.
O presidente da Orplana é o entrevistado da Agência UDOP de Notícias dessa semana. Ele revela as dificuldades dos pequenos produtores de cana diante da atual realidade do setor da bioenergia e fala das prioridades das entidades na defesa desses fornecedores da matéria-prima para a produção de açúcar, etanol e bioeletricidade.
UDOP - Você reassumiu neste ano a presidência da Orplana, quais serão as prioridades em sua gestão frente à entidade?
Manoel Ortolan: Nosso setor passa por uma profunda transformação, especialmente no que diz respeito ao quadro de indústrias, com forte concentração no setor. A participação de grandes grupos vem crescendo acentuadamente nos últimos anos, ocupando mais de 40% do volume de cana, açúcar e etanol processados no país. Esse fato exige de nossa parte uma mudança. Precisamos reorganizar e estruturar melhor nossas associações em função tanto dessa concentração, como da mecanização já que exige escala. Tradicionalmente, o perfil dos fornecedores é de pequenos produtores. Isso não casa bem com a questão da escala que é necessária para a mecanização. As Associações, juntamente com a Orplana, precisarão buscar novos caminhos, novos meios para fazer frente a essa modernidade, a esta fase em que estamos deixando de ter um grande número de usineiros e tendo uma concentração. O número de proprietários está diminuindo, junto com as indústrias. Ao mesmo tempo em que se reduz o número, aumenta significativamente a capacidade de processamento e produção e isso tudo vai exigir de nós um esforço para que a classe produtora de cana possa permanecer na sua atividade.
UDOP - A área de cana-de-açúcar mecanizada no Estado de São Paulo já chega a 82%, mas o gargalo ainda está nos fornecedores independentes. Qual é o índice de mecanização do plantio e da colheita da cana-de-açúcar por parte dos fornecedores?
Manoel Ortolan: Creio que os fornecedores de cana estejam um pouco acima de 60%, mas é importante salientar que para os pequenos, acima de 150 hectares, a legislação permite que prossigam até 2017, assim como nas áreas não mecanizáveis, evidentemente reduzindo ano a ano. Este é um fator que explica o motivo de os fornecedores estarem um pouco mais atrasados em relação à indústria. Isto tem a ver também com o tamanho das propriedades. A colheita e o plantio mecanizados buscam a escala, área maior. Isto vem acontecendo das áreas maiores para as menores. Como produtores, temos áreas menores, que são estas que podem ser estendidas até 2017, entendo que essas são as razões pelas quais ainda estejamos um pouco para trás.
UDOP - Quais são as principais dificuldades encontradas pelos fornecedores no que tange ao processo de mecanização?
Manoel Ortolan: Principalmente a questão da escala, a dificuldade do produtor ter um grande patrimônio para uma área reduzida. É preciso de um investimento muito grande para trabalhar o seu negócio. Quem tem propriedades de 50, 100, 200, 500 hectares, não reúne meios para dispor de uma estrutura de plantio, de colheita, ou seja, de ser um produtor independente. Ele depende da contratação de serviço para colheita e para plantio. A questão da escala é fundamental e este é o grande problema dos fornecedores. Quem tem patrimônio pequeno não pode fazer um financiamento grande, mas existem financiamentos hoje para aquisição de máquinas com prazos de até dez anos, mas não adianta quem não tem renda fazer frente a um investimento como este. As associações precisarão se modernizar e se adaptar a esta nova fase para poder ajudar aos seus produtores. É fácil falar em condomínios e consórcios de produtores quando pensamos juntar quatro, cinco, seis produtores, mas juntar 40, 50 produtores em um grupo para ter escala, é muito difícil.
UDOP - As liminares que antecipam o fim da queima da cana no estado de São Paulo prejudicam os fornecedores? De que forma?
Manoel Ortolan: Elas prejudicam no sentido de que querem que parem a queimada imediatamente. Nós temos um protocolo que foi firmado com o governo, em que ficou claro que os pequenos produtores teriam mais dificuldade para parar a queima da cana. Evidentemente que se você muda este quadro, antecipando, isto vai trazer problemas aos pequenos produtores. Acredito que nestas regiões muitos vão arrendar ou até mesmo vender as propriedades e até sair da atividade ou terão que migrar para outras culturas, o que não é fácil, porque em pequena escala, a pequena propriedade, ela tanto é difícil para cana como para soja ou milho, por exemplo. Hoje, tudo é mecanizado e tudo precisa de escala.
UDOP - Se todos quiserem comprar máquinas ao mesmo tempo, haverá disponibilidade no mercado? O cooperativismo pode ser a solução para os entraves envolvendo os pequenos?
Manoel Ortolan: Creio que o mercado está preparado para atender a demanda de máquinas e equipamentos para a cana-de-açúcar. O cooperativismo é sim uma boa opção aos pequenos agricultores, como também aos médios e grandes.
UDOP - Pode-se dizer que o governo federal esqueceu o setor sucroalcooleiro nos últimos anos?
Manoel Ortolan: Eu não acredito que o governo federal esqueceu o setor, isso para mim não existe. O governo federal sabe muito bem o que está fazendo e ele deixou de apoiar o setor, principalmente em relação à questão energética no país. Ele fez um grande investimento no marketing do etanol tanto a nível nacional como internacional e, de repente, mudou o foco e passou a privilegiar o petróleo, a gasolina. Isso não é um fator de esquecimento, isto se refere a foco, maneira de enxergar o negócio. É sabido por todos que hoje passamos por dificuldades grandes na questão do abastecimento da gasolina. Nós estamos no limite da importação por problemas de logística e distribuição de produto. Trabalhamos no limite da capacidade de nossas refinarias. A tendência é que com os anos elas passem a produzir um pouco menos do que vêm produzindo hoje, não temos refinarias para gasolina em construção, o que demoraria de cinco a dez anos. Desta maneira, vamos ter que continuar aumentando a importação de gasolina e para isso teremos de investir em infraestrutura, em distribuição, em armazenagem, em portos. Ou o governo terá que arrumar outra solução, que é aumentar a produção de etanol.
UDOP - O Brasil poderia ser destaque mundial por imprimir o desenvolvimento sustentável com base na utilização de energias limpas e renováveis, mas vemos o país privilegiando o combustível fóssil, principalmente por parte do governo federal. Mudaram os conceitos ou mudaram as cabeças dos governantes?
Manoel Ortolan: Para estas pessoas que estão no governo hoje, mudaram os conceitos. Evidentemente que nos governos anteriores, a questão do etanol era vista como um combustível limpo, renovável, com uma grande contribuição para o meio ambiente no que diz respeito à redução de emissão de gases causadores do efeito estufa. A questão do etanol neste sentido ganhou relevância de 2005 até 2008, quando tivemos a grande expansão do setor, entendendo que o etanol era importante não só para o Brasil, mas para o mundo e que teríamos um grande mercado interno e a possibilidade de construir um grande mercado externo, um grande negócio para o Brasil. Mudaram as pessoas e mudaram o rumo das coisas. Hoje, em vez de trabalharem o etanol, trabalham em cima do pré-sal, do petróleo. Então, houve mudança de atitude do governo e das pessoas.
UDOP - O governo federal anunciou medidas de apoio ao setor bioenergético: redução do PIS e da Cofins sobre o etanol; juros menores para o Prorenova, nova linha de crédito para a estocagem do nosso combustível renovável. Essas medidas são suficientes para o setor retomar a competitividade e voltar a crescer? E no que tange aos fornecedores, as medidas atingem de alguma forma o setor que representa?
Manoel Ortolan: Primeiro, é preciso deixar bem claro que a questão do PIS e Cofins da forma como saiu na Medida Provisória, desonera para uns, mas onera para outros. A cana destinada à produção de açúcar branco foi penalizada com 5,5%. Esta cana não ficou isenta, alguma coisa saiu errada na Medida Provisória. Hoje, temos produtores que são pessoas jurídicas que não tinham obrigação antes de recolher e hoje tem que recolher. Ou seja, não houve desoneração total destes dois impostos. Para uma parcela dos produtores passou a ser um ônus.
No geral, as medidas ajudam sim. Mas não sinalizam nada para novos investimentos. Para isso o governo tem que definir políticas de longo prazo, um marco regulatório para o etanol como existe para gasolina e o biodiesel. Essa é a grande diferença. Elas vão ajudar sim, pontualmente, mas não são suficientes para uma retomada dos investimentos. Continuaremos sem saber o que acontecerá no médio e longo prazo quanto à questão do etanol.
Durante toda a carreira profissional e de dirigente de entidades ligadas ao setor, Manoel Carlos de Azevedo Ortolan, 66 anos, foi convidado a participar como membro de várias entidades governamentais e não-governamentais ligadas ao setor da bioenergia.
Formado em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq/USP), em 1969, Ortolan foi eleito pela primeira vez presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), em março de 2001 para o mandato de três anos. Reeleito, ficou no cargo até março de 2007. Em abril de 2013, Ortolan assumiu novamente a presidência da Orplana para um mandato de três anos.
O presidente da Orplana é o entrevistado da Agência UDOP de Notícias dessa semana. Ele revela as dificuldades dos pequenos produtores de cana diante da atual realidade do setor da bioenergia e fala das prioridades das entidades na defesa desses fornecedores da matéria-prima para a produção de açúcar, etanol e bioeletricidade.
UDOP - Você reassumiu neste ano a presidência da Orplana, quais serão as prioridades em sua gestão frente à entidade?
Manoel Ortolan: Nosso setor passa por uma profunda transformação, especialmente no que diz respeito ao quadro de indústrias, com forte concentração no setor. A participação de grandes grupos vem crescendo acentuadamente nos últimos anos, ocupando mais de 40% do volume de cana, açúcar e etanol processados no país. Esse fato exige de nossa parte uma mudança. Precisamos reorganizar e estruturar melhor nossas associações em função tanto dessa concentração, como da mecanização já que exige escala. Tradicionalmente, o perfil dos fornecedores é de pequenos produtores. Isso não casa bem com a questão da escala que é necessária para a mecanização. As Associações, juntamente com a Orplana, precisarão buscar novos caminhos, novos meios para fazer frente a essa modernidade, a esta fase em que estamos deixando de ter um grande número de usineiros e tendo uma concentração. O número de proprietários está diminuindo, junto com as indústrias. Ao mesmo tempo em que se reduz o número, aumenta significativamente a capacidade de processamento e produção e isso tudo vai exigir de nós um esforço para que a classe produtora de cana possa permanecer na sua atividade.
UDOP - A área de cana-de-açúcar mecanizada no Estado de São Paulo já chega a 82%, mas o gargalo ainda está nos fornecedores independentes. Qual é o índice de mecanização do plantio e da colheita da cana-de-açúcar por parte dos fornecedores?
Manoel Ortolan: Creio que os fornecedores de cana estejam um pouco acima de 60%, mas é importante salientar que para os pequenos, acima de 150 hectares, a legislação permite que prossigam até 2017, assim como nas áreas não mecanizáveis, evidentemente reduzindo ano a ano. Este é um fator que explica o motivo de os fornecedores estarem um pouco mais atrasados em relação à indústria. Isto tem a ver também com o tamanho das propriedades. A colheita e o plantio mecanizados buscam a escala, área maior. Isto vem acontecendo das áreas maiores para as menores. Como produtores, temos áreas menores, que são estas que podem ser estendidas até 2017, entendo que essas são as razões pelas quais ainda estejamos um pouco para trás.
UDOP - Quais são as principais dificuldades encontradas pelos fornecedores no que tange ao processo de mecanização?
Manoel Ortolan: Principalmente a questão da escala, a dificuldade do produtor ter um grande patrimônio para uma área reduzida. É preciso de um investimento muito grande para trabalhar o seu negócio. Quem tem propriedades de 50, 100, 200, 500 hectares, não reúne meios para dispor de uma estrutura de plantio, de colheita, ou seja, de ser um produtor independente. Ele depende da contratação de serviço para colheita e para plantio. A questão da escala é fundamental e este é o grande problema dos fornecedores. Quem tem patrimônio pequeno não pode fazer um financiamento grande, mas existem financiamentos hoje para aquisição de máquinas com prazos de até dez anos, mas não adianta quem não tem renda fazer frente a um investimento como este. As associações precisarão se modernizar e se adaptar a esta nova fase para poder ajudar aos seus produtores. É fácil falar em condomínios e consórcios de produtores quando pensamos juntar quatro, cinco, seis produtores, mas juntar 40, 50 produtores em um grupo para ter escala, é muito difícil.
UDOP - As liminares que antecipam o fim da queima da cana no estado de São Paulo prejudicam os fornecedores? De que forma?
Manoel Ortolan: Elas prejudicam no sentido de que querem que parem a queimada imediatamente. Nós temos um protocolo que foi firmado com o governo, em que ficou claro que os pequenos produtores teriam mais dificuldade para parar a queima da cana. Evidentemente que se você muda este quadro, antecipando, isto vai trazer problemas aos pequenos produtores. Acredito que nestas regiões muitos vão arrendar ou até mesmo vender as propriedades e até sair da atividade ou terão que migrar para outras culturas, o que não é fácil, porque em pequena escala, a pequena propriedade, ela tanto é difícil para cana como para soja ou milho, por exemplo. Hoje, tudo é mecanizado e tudo precisa de escala.
UDOP - Se todos quiserem comprar máquinas ao mesmo tempo, haverá disponibilidade no mercado? O cooperativismo pode ser a solução para os entraves envolvendo os pequenos?
Manoel Ortolan: Creio que o mercado está preparado para atender a demanda de máquinas e equipamentos para a cana-de-açúcar. O cooperativismo é sim uma boa opção aos pequenos agricultores, como também aos médios e grandes.
UDOP - Pode-se dizer que o governo federal esqueceu o setor sucroalcooleiro nos últimos anos?
Manoel Ortolan: Eu não acredito que o governo federal esqueceu o setor, isso para mim não existe. O governo federal sabe muito bem o que está fazendo e ele deixou de apoiar o setor, principalmente em relação à questão energética no país. Ele fez um grande investimento no marketing do etanol tanto a nível nacional como internacional e, de repente, mudou o foco e passou a privilegiar o petróleo, a gasolina. Isso não é um fator de esquecimento, isto se refere a foco, maneira de enxergar o negócio. É sabido por todos que hoje passamos por dificuldades grandes na questão do abastecimento da gasolina. Nós estamos no limite da importação por problemas de logística e distribuição de produto. Trabalhamos no limite da capacidade de nossas refinarias. A tendência é que com os anos elas passem a produzir um pouco menos do que vêm produzindo hoje, não temos refinarias para gasolina em construção, o que demoraria de cinco a dez anos. Desta maneira, vamos ter que continuar aumentando a importação de gasolina e para isso teremos de investir em infraestrutura, em distribuição, em armazenagem, em portos. Ou o governo terá que arrumar outra solução, que é aumentar a produção de etanol.
UDOP - O Brasil poderia ser destaque mundial por imprimir o desenvolvimento sustentável com base na utilização de energias limpas e renováveis, mas vemos o país privilegiando o combustível fóssil, principalmente por parte do governo federal. Mudaram os conceitos ou mudaram as cabeças dos governantes?
Manoel Ortolan: Para estas pessoas que estão no governo hoje, mudaram os conceitos. Evidentemente que nos governos anteriores, a questão do etanol era vista como um combustível limpo, renovável, com uma grande contribuição para o meio ambiente no que diz respeito à redução de emissão de gases causadores do efeito estufa. A questão do etanol neste sentido ganhou relevância de 2005 até 2008, quando tivemos a grande expansão do setor, entendendo que o etanol era importante não só para o Brasil, mas para o mundo e que teríamos um grande mercado interno e a possibilidade de construir um grande mercado externo, um grande negócio para o Brasil. Mudaram as pessoas e mudaram o rumo das coisas. Hoje, em vez de trabalharem o etanol, trabalham em cima do pré-sal, do petróleo. Então, houve mudança de atitude do governo e das pessoas.
UDOP - O governo federal anunciou medidas de apoio ao setor bioenergético: redução do PIS e da Cofins sobre o etanol; juros menores para o Prorenova, nova linha de crédito para a estocagem do nosso combustível renovável. Essas medidas são suficientes para o setor retomar a competitividade e voltar a crescer? E no que tange aos fornecedores, as medidas atingem de alguma forma o setor que representa?
Manoel Ortolan: Primeiro, é preciso deixar bem claro que a questão do PIS e Cofins da forma como saiu na Medida Provisória, desonera para uns, mas onera para outros. A cana destinada à produção de açúcar branco foi penalizada com 5,5%. Esta cana não ficou isenta, alguma coisa saiu errada na Medida Provisória. Hoje, temos produtores que são pessoas jurídicas que não tinham obrigação antes de recolher e hoje tem que recolher. Ou seja, não houve desoneração total destes dois impostos. Para uma parcela dos produtores passou a ser um ônus.
No geral, as medidas ajudam sim. Mas não sinalizam nada para novos investimentos. Para isso o governo tem que definir políticas de longo prazo, um marco regulatório para o etanol como existe para gasolina e o biodiesel. Essa é a grande diferença. Elas vão ajudar sim, pontualmente, mas não são suficientes para uma retomada dos investimentos. Continuaremos sem saber o que acontecerá no médio e longo prazo quanto à questão do etanol.