Nesta coluna estou colocando uma síntese de tópicos recentes que me chamaram a atenção no mercado da cana e mais um caso para os leitores da Canavieiros.
Macroeconomia e Consumo: de perspectivas ao agro, continuo com a visão de um bom período pela frente, um pouco mais moderado do que foram os últimos cinco anos. As margens devem ser um pouco menores, e a produção deve continuar crescendo. Apesar da demanda crescente, a agricultura mundial respondeu a este estímulo com áreas crescentes e produções crescentes. Terras e tecnologias foram utilizadas.
Cana: a Datagro estimou o ATR final da safra fechando 134,6 (R$ 0,4652) e a moagem em 584 milhões de toneladas (Centro-Sul). Bem desestimulante. Expectativas das principais consultorias em previsão de safra indicam para 2014/15 em média igual a atual até 5% a mais de cana que neste ano.
A projeção da ARCHER, baseado nos números da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) é a de fecharmos o ciclo atual com cerca de 590 milhões de toneladas de cana processadas, quase 33,5 milhões de toneladas de açúcar e 25,3 bilhões de litros de etanol.
A Índia, fixa os preços da cana via Governo. Neste momento o preço fixado está acima da capacidade de pagamento das indústrias, e não acompanha os preços do açúcar, e sim custos de produção. Podemos ter impacto de menor produção. É o efeito dos preços baixos do açúcar já afetando outros países produtores.
Boas notícias vindas da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em relação ao sorgo biomassa, que pode atingir seis metros de altura em 120 dias, com proporção mais elevada de lignina, podendo gerar de 30 a 50 toneladas de massa seca por hectare, sendo importante caminho para a co-geração de eletricidade e mais uma alternativa às usinas e produtores.
Etanol: com o anidro a R$ 1,36/l e o hidratado a R$ 1,21/l, estamos chegando mais perto de preços que poderiam ser estimuladores. Pena que isto só está ocorrendo no final do ano, e poderíamos, caso o que colocamos aqui desde o ano passado tivesse sido feito, ter esta situação durante todo o ano de 2013. Em recente debate os presidentes da Mercedez Benz e da FIAT no Brasil disseram ser o carro a etanol a melhor alternativa nossa para o futuro, em detrimento da gasolina e do carro elétrico.
Como já anunciado aqui diversas vezes, a maior incerteza do ano teve uma direção estabelecida. A EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA) anunciou novas metas para o etanol nos EUA, o que representa um retrocesso na política de combustíveis renováveis. O total de uso de etanol proposto é de 15,2 bilhões de galões, uma redução ao redor de 15% proposta, no que seria o uso para 2014. Para os combustíveis avançados, onde se inclui a cana, a meta cai de 3,2 bilhões de litros para 2,5 bilhões de litros, uma redução maior que a total prevista.
A Petrobras divulgou um estudo onde mostra que apenas 23% dos carros flex no Brasil utilizam etanol, e em 2009, a proporção era de 66%. Em setembro deste ano consumiu-se 14% a mais de hidratado que neste mesmo mês de 2012. Já a gasolina, no acumulado deste ano, cresceu 4% o consumo. A defasagem do preço da gasolina está em 12%, e um aumento de 6% deve acontecer ainda em 2014. Espera-se com grande expectativa a implementação da nova formula de precificação proposta pela Petrobras, que traria menor intervenção do Governo nesta questão que vem sendo absolutamente prejudicial ao etanol.
São grandes as chances de importação de etanol americano na entressafra brasileira. Acredita-se que este etanol chegue ao Brasil a US$ 530/m3 (sem tarifas e taxas). Os EUA são o principal comprador de etanol do Brasil, estima-se que no ciclo 13/14 seja de quase 2,5 bilhões de litros. O etanol de milho também vai fazer parte mais ativa da produção brasileira. Já são três os investimentos no Centro-Oeste (Usimat e Libra, usinas de cana, e agora um anúncio da Fiagril). Cada tonelada de milho gera 400 litros de etanol e 330 kg do DDGS, um substituto do farelo de soja na ração animal. O etanol pode ser usado nos mercados regionais do Centro-Oeste e do Norte do Brasil, que representam mais de 3 bilhões de litros de consumo de combustíveis. A estrutura pode ser montada em usinas de cana existentes também, e neste caso se beneficiam da oferta de bagaço para geração de energia para a planta.
Em 2015 também teremos no Brasil três usinas de etanol de segunda geração, produzindo ao redor de 160 milhões de litros/ano. Os investimentos são da GraanBio, Cosan e Petrobras. Segundo a GraanBio, o etanol celulósico terá um custo operacional 20% menor que o etanol de cana, será feito com compra de biomassa das usinas.
Açúcar: Superávit mundial deve ser menor que o estimado devido a safra mais alcooleira no Brasil e redução da produção em alguns mercados. Deve diminuir os excedentes mundiais. A OIA (Organização Internacional do Açúcar) prevê excedentes na safra atual (2013/14) em 4,7 milhões de toneladas. Em 2012/13 tivemos 10,6 milhões de toneladas, o que levou a esta situação de preços. A produção neste ciclo deve ser de 181,5 milhões de toneladas (183,6 no ciclo anterior). O consumo será 2,1% maior ou seja, 3,7 milhões de toneladas a mais, chegando a 176,5 milhões de toneladas. Acreditam que o consumo em 2014/15 chegue a 181 milhões de toneladas.
O caso do mês: “A Vitória do Selvagem na Operação Robert Howard” - este meu segundo conto traz uma bonita, mas também triste história. Nos convida ao lindo e ensolarado Vale do São Francisco, que tenho o privilégio de visitar há quase 15 anos. E o título do conto... sertão, semiárido, Robert Howard e selvagem, qual seria a relação entre eles?
Conheci na região de Lagoa Grande (PE), cidade bem próxima às lindas Petrolina e Juazeiro, imortalizadas por Jorge de Altinho, na emocionante canção Petrolina e Juazeiro (“nas margens do São Francisco, nasceu a beleza, e a natureza ela conservou...”) uma gente trabalhadora e empreendedora, que junto com a Codevasf, a Embrapa, o Sebrae, e outras organizações do Estado e privadas, lutaram para, quase no meio do nada, criar um polo produtor mundial de vinhos e uvas.
Numa história merecedora do nosso apoio, esta brava gente meteu a cara para competir com a Califórnia, Europa, Austrália, África do Sul, Chile e Argentina, produzindo os vinhos da nova latitude (paralelo 8).
Despertou curiosidade, e escrevemos para a Universidade de Harvard, imaginem... Harvard... um estudo de caso, “um conto”, sobre a produção de vinhos lá na região. Este conto voou para o mundo com o endosso da marca Harvard. Em 2010, no gélido janeiro em Boston, apresentei o conto para 200 executivos do mundo e aos professores de Harvard, com direito a degustação dos vinhos ao final. Fiquei emocionado e orgulhoso ao vê-los apreciando nossa inovação e o Brasil participando do jogo mundial.
A feira da uva e do vinho de Lagoa Grande (Vinhuva Fest), já em sua oitava edição, visa entre outros esforços, criar esta marca, este conceito mundial. É resultante do desenvolvimento daquela região pelo trabalho, pela geração de emprego e inclusão, afinal, a produção de frutas emprega muita gente. Visitei fazendas que chegam a empregar 1500 pessoas.
Até então temos um conto feliz: uva, vinho, música, Boston, Harvard, trabalho, sol e o Vale do São Francisco... Mas na segunda parte do conto o vinho vira vinagre.
A Vinhuva Fest de 2013, foi cancelada, devido a mais uma invasão nas fazendas produtoras, feita por pessoas que, tal como eu, não tem terras, os ditos “sem terras”, coordenadas por um antigo e eficiente movimento, porém, ainda na informalidade. Apesar da reintegração de posse concedida, nada foi feito, trazendo um clima de insegurança, como em outras regiões do Brasil que quer trabalhar e produzir. Resultado: grande evento... evento do ano... cancelado.
O Instituto do Vinho e a Associação dos Produtores e Exportadores de Frutas do Vale do São Francisco, verdadeiras pérolas e exemplo na atividade de empreender com ações coletivas, emitiram nota onde prestam solidariedade aos trabalhadores e empresários da propriedade alvo deste crime de invasão e depredação, que produz há mais de 40 anos, sendo destaque em responsabilidade social e no relacionamento com seus funcionários (Valexport).
Com o cancelamento, advindo da invasão, insegurança e tolerância crescente com o crime no Brasil, perdeu a parcela da região e do país que quer se conectar no jogo mundial. Perderam também milhares de pessoas: os empreendedores, comerciantes, donos de restaurantes, de lojas, de pousadas, de hotéis, taxistas e, inclusive, perderam os ambulantes que hidratariam os participantes sob o sol de novembro em Lagoa Grande.
Venceu, como vem vencendo cada vez mais batalhas, a parcela do Brasil que não aceita participar do jogo jogado e consagrado no mundo e tem como meta, como modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental, provavelmente alguma tribo rudimentar ou primitiva.
Se em Boston escapei de dar explicações sobre mais este fato do Brasil selvagem em ação, pois ocorreu depois, o conto termina relatando que tenho, para minha tristeza e de vocês, perdido cada vez mais tempo para explicar este tipo de notícia fora do Brasil, afinal, estamos provendo ao mundo fartos contos de ações selvagens.
A motivação para o título deste conto vem do fato que recebo, com assustadora e crescente frequência, além da invasão contada acima, que levou ao cancelamento da feira, depoimentos de produtores rurais cujas fazendas, armadas apenas com suas famílias, seus tratores, seu esforço e sua vontade de trabalhar e produzir, foram invadidas (assaltadas) por bandos criminosos armados ou desarmados, estimulados pela impunidade reinante.
Falta concluir fazendo a relação com o que viram até agora... Robert Ervin Howard, escritor, nasceu no também semiárido Texas em 1906, e suicidou-se 30 anos depois, ao saber que a mãe estava em coma. Curiosamente foram velados e enterrados juntos.
Porém, em pouco tempo de vida, Robert Howard deixou um patrimônio à humanidade: uma série de excelente contos, principalmente sobre invasões, operações e batalhas selvagens, lutas tribais, e temas congêneres. Entre seus destaques está a criação do famoso personagem Conan, o bárbaro.
Homenageado do mês: antes de concluir, para não perdermos a característica da coluna, o homenageado do mês é o deputado Arnaldo Jardim. Tem feito um belo trabalho em prol do agronegócio e agora na liderança da frente parlamentar em prol da cana.
Haja Limão: o consumo de etanol caiu 40% no Brasil, desde 2009, enquanto a frota só cresceu. Pensa num Governo com uma ignorância infinita.
MARCOS FAVA NEVES é professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e coordenador científico do Markestrat. Em 2013 é professor visitante Internacional da Purdue University.