Os números da safra brasileira de grãos das principais culturas do país

03/03/2023 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO

 

Os números da safra brasileira de grãos das principais culturas do país, bem como as estimativas de produção, condições climáticas, área plantada, demanda interna e externa, foram alguns dos assuntos abordados na entrevista concedida pelo diretor-presidente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Guilherme Ribeiro, à reportagem da Revista Canavieiros. Confira!

Revista Canavieiros: Safra de grãos (soja e milho) nos estados de São Paulo e Minas Gerais têm sofrido algum impacto em relação ao excesso de chuvas ou a falta dela?

Guilherme Ribeiro: O início da semeadura nas principais culturas de primeira safra na safra 2022/23 se deu em um ritmo semelhante ao mesmo período de 2021/22, com registros de atrasos em determinadas regiões. Observou-se o prolongamento das temperaturas mais baixas durante a primavera, e esta condição afetou o desenvolvimento do milho primeira safra, na região Sul e MS. De maneira geral, a semeadura das lavouras ocorreu dentro da janela prevista, em grande parte delas. No decorrer do desenvolvimento das lavouras, a ocorrência de chuvas foi benéfica para as áreas, principalmente no Centro-Oeste, Matopiba e parte da região Sul. Em Minas Gerais, o panorama climático tem beneficiado as lavouras de milho. No entanto, a pressão da cigarrinha, ainda que bem controlada, a ocorrência de chuvas de granizo e baixas temperaturas em novembro, principalmente no Sul de Minas, e dias nublados, foram fatores limitantes mencionados pelos produtores que, ainda assim, mantêm-se otimistas. Ainda no Sul de Minas, alguns produtores estão em alerta devido à cheia do lago de Furnas durante o período chuvoso, que atingiu seis metros acima do nível ideal, sendo necessária a abertura das comportas, causando alagamento em algumas áreas. Em São Paulo, as lavouras do cereal tiveram seu ciclo estendido devido às baixas temperaturas ocorridas em dezembro. Ainda assim, as lavouras apresentam bom desenvolvimento e boa qualidade. A colheita teve seu início em algumas regiões do estado. Para a soja em Minas Gerais, o clima favoreceu o desenvolvimento da cultura com temperaturas médias favoráveis durante os dias, alinhadas com precipitações significativas. Já as lavouras de variedades precoces estão sendo colhidas à medida que o panorama climático se torna favorável. Há relatos de alta incidência de mofo-branco e ferrugem em todas as regiões, porém, os produtores têm conseguido controlar bem esta pressão e se mantêm otimistas em relação à expectativa de produtividade desta safra. Em São Paulo, o desenvolvimento das lavouras variou conforme a região. No sudoeste do estado houve prolongamento do ciclo devido às baixas temperaturas e luminosidade, propiciando um desenvolvimento heterogêneo e desuniforme, enquanto no Noroeste e na região de Assis as lavouras estão em excelente estado.

Revista Canavieiros: A produção brasileira de grãos consegue suprir a demanda do mercado interno e garantir o país como grande exportador?

Ribeiro: Sim. Mesmo com uma redução de área em algumas importantes culturas, como arroz e feijão, a produção deve se manter relativamente estável graças à boa produtividade das lavouras brasileiras. Já para outras culturas, como milho e soja, a perspectiva é que o aumento de safra contribua não só para manutenção do abastecimento interno, mas também para ampliarmos o volume exportado, o que gera divisas para o país. Vale lembrar que a produção de grãos para o ciclo 2022/23 está estimada em 310,6 milhões de toneladas, alta de 14% em relação à temporada anterior. Os efeitos positivos dessa produção estimada se estendem para além da agricultura, com estímulos a outros setores ligados à agropecuária, com criação de novos postos de trabalho, por exemplo, bem como com a geração de receita para o país a partir das exportações. Mas o principal é que com a atual safra a gente tem um aumento na oferta, o que tende a influenciar na redução de preços dos alimentos. Isso não significa que o produtor rural vai ter prejuízo, uma vez que ele está sendo eficiente no uso dos fatores de produção, a partir do uso das tecnologias disponíveis bem como investindo da atividade. Com isso, tanto o produtor como a sociedade são beneficiados com o resultado.

Revista Canavieiros: Quais os destaques do quinto levantamento de grãos realizado recentemente pela Conab?

Ribeiro: A quinta estimativa da Conab prevê uma produção em 310,6 milhões de toneladas de grãos na safra 2022/23. O volume representa um pequeno ajuste negativo de 0,1% se compararmos com o último levantamento, divulgado em janeiro quando a previsão foi de 310,9 milhões de toneladas. Mas, se a referência de comparação for o ciclo anterior, o volume projetado aponta para um incremento de 38,2 milhões de toneladas, o que representaria uma elevação de 14% à colheita estimada na última safra. Este resultado estimado é influenciado principalmente pelas elevações de colheita de milho, soja, algodão e trigo, que é resultado do aumento de área e, principalmente, produtividade. No caso da oleaginosa, a produção deve sair de 125,55 milhões de toneladas (safra 2021/22) para 152,9 milhões de toneladas, alta de 21,8%. O aumento é reflexo tanto do aumento de área como da melhoria da produtividade das lavouras. Enquanto a área cresce cerca de 4,4%, a produtividade registra uma melhora de 16,6%, uma vez que as condições climáticas nesta safra se apresentaram de maneira mais favorável que no ciclo passado, principalmente na região Centro-Oeste, Matopiba e parte da região Sul. A produção de milho total também registra expectativa de crescimento de área e de produtividade, o que resulta em uma elevação na colheita, com a produção das três safras, podendo chegar a 123,74 milhões de toneladas. Na primeira safra do cereal, o crescimento da produção está estimado em 1,4 milhão de toneladas, o que reflete a recuperação da produtividade em relação ao ciclo passado, uma vez que a área semeada registrou queda de 3,3%. Já na segunda safra do grão, tanto a área deverá crescer, como há expectativa para o desempenho das lavouras ser melhor do que o registrado na temporada passada, resultando em uma estimativa de produção de aproximadamente 94,97 milhões de toneladas em todo o país, incremento de 10,6%. Além desses dois produtos, é importante destacar o algodão, que também tem projeção de maior área de plantio, melhora na produtividade e, consequentemente, a elevação de produção. A estimativa da Conab é de uma produção de 3 milhões de toneladas apenas da pluma, elevação de 19,2% em relação à safra passada. Se confirmado o resultado, a colheita retorna ao patamar de volume produzido antes do período da pandemia. No caso do trigo, houve ajuste na produção da safra de 2022 após a conclusão do levantamento objetivo de produtividade da cultura. A nova estimativa para a colheita do cereal é de 10,6 milhões de toneladas, um novo recorde para o país e crescimento de 37,4% em relação à safra de 2021.

Revista Canavieiros: Como são coletadas as informações do levantamento? A Conab leva em consideração as tendências do clima para fazer suas projeções?

Ribeiro: São várias as ferramentas utilizadas para se fazer esse acompanhamento. Para chegarmos à previsão da safra, possuímos técnicos dedicados ao levantamento de informações agropecuárias, que vão a campo entrevistar produtores rurais, agentes do setor e entidades estaduais. Quando não se é possível a ida ao campo, esse contato é feito de maneira remota, pois é fundamental esse retorno de quem está na lavoura. O levantamento subjetivo é complementando com o uso de tecnologias de geoprocessamento, em que conseguimos mapear as áreas cultivadas, e o monitoramento agrometeorológico e espectral, que nos permite acompanhar o índice de vegetação, ou vigor vegetativo e a fenologia das culturas. O uso da estatística também tem papel fundamental nos levantamentos da Conab, principalmente nos levantamentos iniciais, em que os modelos estatísticos dão suporte à previsão de área e produtividade. Além do levantamento mensal, os técnicos da Conab também realizam o acompanhamento semanal, no qual são elaborados relatórios estaduais com as condições das principais culturas no campo. As informações envolvem acompanhamento da evolução da semeadura e colheita, fenologia, influência das condições climáticas no desenvolvimento e a ocorrência de alguma praga ou doença. Esse boletim semanal conta com a colaboração do INMET, para que possamos divulgar as previsões agrometeorológicas dos próximos sete dias após a publicação.

Revista Canavieiros: O material coletado pela Conab também orienta políticas públicas neste setor para linhas de créditos, financiamentos, Plano Safra?

Ribeiro: A Conab é responsável pela elaboração das propostas de preços mínimos, que servem, por exemplo, de referência para mapear as necessidades das políticas agrícolas do setor. Além disso, a Companhia é referência também na geração de dados de armazenagem, custos de produção, rentabilidade das culturas, preços internos, preços de paridade de exportação e importação, projeções de preços, de safras, oferta e demanda, e cenário de abastecimento interno.

Revista Canavieiros: Outra frente de atuação da Conab é a gestão de estoques públicos de alimentos. O que se pretende por meio desses espaços?

Ribeiro: Sobre os estoques públicos, a sua formação se dá a partir da PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos), mediante a AGF (Aquisição do Governo Federal), na forma direta ou em decorrência do exercício de Contratos de Opção de Venda. Esses instrumentos, instituídos pelo Decreto-Lei n.º 79, de 19 de dezembro de 1966, são operacionalizados com vistas à retirada de produtos em demasia no mercado nos momentos de excedente de safras, formando estoques reguladores. Em outras palavras, a PGPM só pode ser executada nos cenários em que há preços recebidos pelos produtores abaixo dos preços mínimos estabelecidos pelo governo federal - o que não ocorre há algum tempo, devido às oscilações dos preços no mercado mundial. Nesse sentido, trata-se de uma política de seguro de preços para o produtor, em seu objetivo principal.

Revista Canavieiros: A soja teve crescimento de produção e de área plantada? Como será em relação à safra passada?

Ribeiro: A soja é o produto de maior produção na safra. A estimativa é de uma colheita de aproximadamente 152,9 milhões de toneladas. Para a área, a projeção é que cerca de 43,3 milhões de hectares em todo país sejam destinados para a semeadura da cultura, aumento de 4,4% em relação ao ano passado, que foi em torno de 41,5 milhões de hectares.

Revista Canavieiros: A cultura de soja está avançando mais em que áreas? Qual estado teve maior crescimento?

Ribeiro: Esse acréscimo é explicado, entre outros fatores, pelo avanço em importantes estados produtores da agricultura em áreas de pastagens degradadas, ou ainda, da opção, por parte os agricultores, pela soja em detrimento a outras culturas devido à melhor rentabilidade do grão. Praticamente todos os estados brasileiros registraram aumento de área. Destaque para Mato Grosso, maior produtor da oleaginosa, onde esse crescimento chega a 6,3% - saindo de 11,1 milhões de hectares para 11,8 milhões de hectares, Tocantins e Pará.

Revista Canavieiros: Como está a demanda interna e externa de soja?

Ribeiro: Os preços de soja no Brasil devem continuar elevados em 2023. Com quebra de safra na Argentina, o Brasil deve continuar com fortes exportações de farelo e óleo de soja em 2023. Além disso, a possibilidade de elevação do percentual de 10% para 15% de biodiesel ao diesel deve manter os esmagamentos em patamares mais altos. Em relação ao setor externo, a estimativa de exportações brasileiras de soja também deve ser elevada, dada a recuperação de importações previstas para a China, dando assim sustentação às cotações do grão no mercado interno.

Revista Canavieiros: Quais são as estimativas para o milho safra e safrinha?

Ribeiro: Para o milho total é esperado um crescimento tanto de área como de produtividade, que apesar do aumento nos custos de produção, a cultura ainda apresenta boa liquidez e rentabilidade para o produtor. Na primeira safra do cereal, é esperada uma redução de 3,3% na área cultivada, devido à elevação dos custos bem como a uma migração para cultivos mais rentáveis, sendo estimados 4,39 milhões de hectares, porém é esperada uma recuperação na produtividade do cereal. No Rio Grande do Sul, essa recuperação se dará em menor nível, devido às condições adversas de clima no estado, combinando altas temperaturas com escassez hídrica. Com isso, é esperado que a colheita do cereal na primeira safra apresente um aumento de 5,7%, sendo estimada em 26,46 milhões de toneladas. Na segunda safra, a Conab espera um aumento tanto na área quanto na produtividade, o que deve resultar numa colheita de 95 milhões de toneladas, variação positiva de 10,6%. O resultado é reflexo de uma maior área plantada em 3,7%, sendo estimada em 16,97 milhões de hectares, e um melhor desempenho das lavouras do cereal, com um rendimento de 5.596 quilos colhidos por hectare. Somando as três safras do grão em toda a temporada 2022/23, a Conab estima uma produção de 123,74 milhões de toneladas.

Revista Canavieiros: A Conab está fazendo algum levantamento do que está sendo destinado da produção de milho para etanol?

Ribeiro: A Conab realiza esse levantamento. A expectativa é que para a safra 2022/23 sejam consumidos aproximadamente 11 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol. De acordo com o levantamento de cana-de-açúcar, publicado em dezembro pela Companhia, documento onde se encontra as informações sobre o volume de álcool produzido no país, para a safra 2022/23, é prevista a produção de etanol a partir de milho de 4,5 bilhões de litros, sendo 1,5 bilhão de litros do biocombustível anidro e cerca de 3 bilhões de litros do etanol hidratado. Ao todo, houve acréscimo de 30,7% no volume total em comparação ao que foi produzido na temporada anterior. Em Mato Grosso, a demanda das indústrias continua maior que na safra anterior, com expectativa de moagem de quase 8.000 mil toneladas de milho, no ciclo 2022/23, aumento de 12% em relação à safra anterior, tendo em vista a grande demanda dos mercados interestaduais pelo biocombustível mato-grossense.