Papo reto com a produtividade

Cana-de-Açúcar POR: Marino Guerra

Painel do Megacana Tech Show com fornecedores evidencia aspectos virtuosos da região

Ademir Ferreira de Melo, João Bosco Salomão, Marcos César Brunozzi, Daine Frangiosi e Silvio de Castro Cunha Júnior: duas gerações de grandes produtores de cana

A região de Campo Florido-MG é referência em produtividade e associativismo para todo o Brasil quando o assunto é evolução no cultivo da cana-de-açúcar. Assim, reunir cinco nomes fortes desse movimento numa conversa vai além de uma simples “live”, tornando-se uma verdadeira aula sobre o que dá certo.

Essa virtuosa seleção foi escalada com uma mescla de nomes experientes e precursores da canavicultura na região como Ademir Ferreira de Melo (Fazenda Boa Esperança), Marcos César Brunozzi (Brunozzi Agropecuária) e Silvio de Castro Cunha Júnior (Fazenda São Sebastião e Agroexport), com produtores um pouco mais novos e que estão realizando uma espécie de segunda onda de prosperidade, que são: João Bosco Salomão (Avil Agropecuária) e Daine Frangiosi (Irmãos Frangiosi e presidente da Canacampo). A mediação ficou a cargo do repórter da Revista Canavieiros, Marino Guerra.

Como tudo começou

Melo fez um resumo de como tudo começou, quando aceitou o convite da família Guidi para deixar Ribeirão Preto e empreender em Pirajuba-MG, sendo um dos primeiros fornecedores na época da construção da Usina Santo Ângelo, na metade da década de 80.

Em seguida, ele contou que ao lado de outros produtores fez parte do grupo que trabalhou para viabilizar a vinda de uma segunda usina, que é a Coruripe, para a região, proporcionando para mais agricultores a opção de iniciar uma segunda cultura, e com isso ter uma atividade alternativa aos grãos.

Brunozzi, que foi presidente da Canacampo e também prefeito de Pirajuba-MG, lembrou que a Usina Santo Ângelo, antes da vinda das outras unidades industriais para a região, tinha a capacidade de moagem inferior a um milhão de toneladas, e atualmente mói mais de três milhões.

Fazendo um recorte para o desenvolvimento econômico, seu ponto principal de observação foi que no passado, quando a região só tinha cereais, se um ano era ruim todos sofriam, tendo em vista que a economia dos municípios é baseada em quase sua totalidade na atividade agropecuária, sendo esse um dos fatores que viabilizaram a chegada da cana.

“O município de Pirajuba fica praticamente equidistante da Usina Coruripe, se comparado com Campo Florido. Quando ela chegou, pude perceber, do lado do poder público, a pressão que trouxe no sentido de evolução da cidade. Aumentou a demanda por moradias, educação, saúde, infraestrutura (principalmente para atender às necessidades de mão de obra qualificada que chegou junto com a unidade industrial)”, disse Brunozzi.

Outros impactos enumerados pelo agropecuarista são em relação a população, pouco superior a 2,3 mil habitantes no início e que hoje conta com mais de seis mil habitantes, e a verdadeira revolução em termos de logística: “Na época conseguimos concretizar as PPPs (Parceria Público-Privada) com a Coruripe, o que gerou para a cidade, que sequer tinha um acesso asfáltico, sua transformação num importante entroncamento rodoviário do Triângulo Mineiro”.

Hoje o município tem ligação direta com Frutal, o Estado de São Paulo (via Planura), Conceição das Alagoas e Uberaba (Via Campo Florido, pela BR-262).

Brunozzi finalizou destacando que a chegada da cana não destruiu a produção de grãos que já estava instalada, pois o ganho de produtividade (tanto na soja como no milho) foi superior à  área substituída por cana. Prova disso foi, ao longo do século corrente, a instalação de diversos armazéns.

Cunha Júnior lembrou que uma das principais características da história é que, desde seu início, ela foi baseada na união tanto dos agricultores como da usina: “Nosso sucesso é saber ouvir, conversar e agir em conjunto”.

Importante entroncamento rodoviário construído em Pirajuba depois da instalação do setor sucroenergético na região

Dicas de um especialista em mercado

Aproveitando a experiência de Cunha Júnior como trader, pois a empresa sob seu comando é referência na exportação de animais vivos, produtos, máquinas e equipamentos agropecuários, ele foi incentivado a dar sua opinião em relação a quais números o produtor precisa acompanhar diariamente.

Sua resposta foi taxativa: preço histórico dos produtos e o dólar. Em seguida deu uma dica valiosa de como se comportar frente à chuva de números e gráficos: “Eu vendi soja para o ano que vem a R$ 96 (saca de 60 Kg) e depois vi que estava em R$ 115. Lógico que ver essa diferença não me deixa feliz, mas se eu fizer a conta do preço de compra e por quanto sairá, a margem será excelente. Assim, o recado aos produtores é que se estiver ganhando um pouco, suficiente para pagar os custos e sobrar uma margem, trave pelo menos uma parcela da sua produção. Basta acertar o mosquito com uma bala, não precisa acertar no coração dele”.

Ainda sobre os aspectos mercadológicos, ele destacou a postura diferenciada da Coruripe de entrar em contato com os fornecedores para saber qual é a sugestão deles quando necessitam tomar uma decisão comercial importante.

Sangue novo

Os dois produtores mais jovens do debate iniciaram sua participação tocando em dois assuntos de primeira ordem na rotina de uma operação canavieira. O primeiro foi a sucessão e o produtor Salomão começou a conversa relatando o caso da sua família.

“Meu pai é um sojicultor convicto, ele só plantou cana com a vinda da Coruripe, pois a usina foi instalada muito próxima da fazenda. Quando iniciei, entrei focado em cana, assim eu posso dizer que sou da primeira geração de canavieiros da família”, disse.

Ele explicou o processo sucessório e que por ser o único agrônomo da família, coube a ele a liderança dos negócios, sempre apoiado pelo pai e tio. “Hoje tomo conta dos negócios e repasso os números aos meus primos que atuam em outros setores. Para tornar essa informação mais acessível, implementamos um sistema em que eles têm acesso aos relatórios que desejarem de maneira on-line”.

Para ganhar a confiança dos familiares, Salomão credita parte do sucesso ao apoio que recebeu dos colegas associados da Canacampo, principalmente aos mais experientes: “Aprendi com eles como deve ser a rotina na fazenda, o dia e a hora dos manejos, sendo importante acompanhar todos os processos da operação”.

Frangiosi foi o segundo “sangue novo” a entrar na conversa. Ocupando o cargo de presidente da Canacampo, iniciou sua participação dizendo que esse era o principal painel que queria levar para o evento, pois nele seria possível reunir referências em produtividade que atraem os olhares de todo o Brasil.

Ele também lembrou que a “escola de Campo Florido” já influencia outras regiões. “Até o ano passado andei muito pelo Brasil e o que vi me deixou muito contente, pois senti em todas as regiões pessoas incomodadas com baixas produtividades, e isso incluía desde pequenos produtores até representantes de grandes grupos de usinas”.

Contudo, ele enxerga uma caminhada relativamente extensa para que o setor brasileiro, em sua grande maioria, apresente números significativos de produtividade: “É preciso entender que a cana pede um tempo maior para começar a alavancar, não é tirar uma variedade e imediatamente o canavial começa a responder, é preciso dar um passo de cada vez, e tudo começa com o trabalho de deixar a área apta para receber a tecnologia, para depois os números começarem a aparecer”.

Referência quando o assunto é variedade de cana, ele contou que somente em 2020 rodou cerca de 20 mil quilômetros atrás de clones que demonstram adaptabilidade ao ambiente de produção de sua região. “Me dedico à formação de um grande banco de dados. Antes de uma cultivar se tornar comercial, estudo-a em meu viveiro primário, vejo como se adapta às condições e também como responde à minha rotina de manejo”.

“O meu viveiro está montado com 107 variedades novas. Lógico que nesse meio há exemplares que serão descartados, até porque o conceito é peneirar esse time”, completa Frangiosi.

Outro detalhe que o produtor chama atenção é a necessidade de se atualizar na questão de manejos. “Trabalhar dessa maneira significa esquecer a linha de pensamento conservadora de utilizar variedades da década de 70 e, o que é mais grave, investir em manejo moderno num material de baixo potencial produtivo. Cito o exemplo do milho: se você investir R$ 700 numa semente de alta tecnologia e adotar as mesmas técnicas de trabalho da década de 80, ela não entregará o equivalente”.

Seus pontos focais nas variedades é o porte ereto e a maior quantidade de colmos por hectare aliada às variedades de desempenho que precisam chegar à meta de 15 toneladas de açúcar por hectare.

Quando questionado sobre qual variedade está enchendo seus olhos, ele fala do clone RB12-7825, que acredita ser um dos principais lançamentos de 2021, devido à sua alta produtividade, a qual não precisa sofrer muito para chegar nas 200 toneladas por hectare.

Ainda do trabalho vindo da Ridesa, ele aponta para a RB 03-6091 como um material para ser colhido no meio de safra, que não tem problema de isoporização, e a RB 03-6152 para ser utilizada em ambientes restritivos, entregando uma média de 180 TCH com 25 TAH.

Frangiosi é hoje um dos maiores produtores no quesito uso de novas variedades de cana no setor

15 toneladas de açúcar por hectare

Quando o papo reto se direcionou para altas produtividades, os participantes tiveram a oportunidade de demonstrar todo o seu conhecimento.

Melo iniciou ressaltando a influência do clima nos números finais de safra e recordou a grande seca que atingiu a região de Ribeirão Preto em 1963, quando a chuva parou em fevereiro e retornou somente na segunda quinzena de outubro. “Onde é o Centro de Cana do IAC hoje, choveu cerca de 900 mm naquele ano".

Em seguida, ele reconheceu que o último grande salto de produtividade da região tem muito do trabalho de identificação de variedades adaptadas ao clima da região, realizado por Frangiosi.

Melo fez um comparativo com a canavicultura paulista, a qual ele acredita que alcançará os níveis de produtividade uniformes do Triângulo Mineiro. “Aqui, desde o início nos adaptamos em entregar cana durante a safra toda. Também sempre trabalhamos para produzir a maior quantidade de açúcar possível e nossa área é em blocos, enquanto que, em São Paulo, as coisas são diferentes, principalmente a questão das áreas, que são muito pulverizadas", frisou.

Por fim, ele salientou que embora a estratégia e planejamento sejam ações importantes, o operacional é fundamental na conquista do sucesso. “Sem a minha equipe e meus filhos, que se dedicam como eu, não conseguiria chegar a lugar algum”.

Brunozzi lembrou a dificuldade de retomar a produtividade com o fim da colheita da cana queimada, mas pontua que o grande impacto para a volta dos “bons tempos” está diretamente relacionado com o fato da usina decidir passar 100% de sua cana aos fornecedores da Canacampo.

“Na safra passada fechamos com 14 toneladas de açúcar por hectare e com peso da cana em algo próximo de 104 toneladas. Não tenho certeza se na temporada atual vamos repetir ou superar esses números, mas como chegamos nesse resultado através de um longo processo de construção, acredito que essa tendência positiva não se encerra aqui e com o tempo vamos atingir patamares superiores”, disse.

A respeito da adoção de tecnologia, o produtor disse escalar a segunda geração (a qual tem duas filhas e uma nora agrônomas) em sua operação, buscando novas práticas e testando-as em campo para concluir o que pode ser utilizado ou não: “Elas trouxeram muita coisa boa como biológicos, compostagem e integração com o confinamento, entre outras soluções que já refletem no resultado da safra”.

Cunha Júnior fez questão de falar da união entre os produtores da associação, a qual é tão importante que conta-os como “membros” da sua equipe.

Por sua vez, Salomão lembrou que tem no escritório uma medalha que seu pai ganhou da Usina Coruripe por ter atingido uma produção recorde de 75 toneladas por hectare há seis anos. “Ganhou um prêmio da usina e hoje estamos conversando sobre um patamar acima das 100 TCH”.

Em seguida, ele fez uma análise mais técnica de suas práticas, das quais acredita que o “capricho” é uma das principais virtudes. “Temos que fazer uma base com calagem, gessagem e fosfatagem bem feita, principalmente nas áreas em que o plantio virá em cima de pastagens degradadas. Trabalhamos bastante com biológicos, tratamento de solo, qualidade de mudas. Gostaria de ver a cana no mesmo patamar da soja em termos de pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e máquinas. Reconheço que estamos bem atrás, mas acredito que ainda veremos a cana se equiparar aos grãos na grande maioria dos aspectos”.

Frangiosi demonstrou bastante segurança ao dizer que o grupo do qual faz parte chegará às 20 toneladas de açúcar por hectare e deu, talvez, aquela que é a dica de ouro do sucesso: “Conversamos muito um com o outro, trocamos muita informação sobre o que está sendo utilizado de diferente, somos simples o suficiente para buscarmos a técnica do vizinho e implementá-la. O setor precisa conversar mais, ter em mente que o meu trabalho não é para mim, e sim para compartilhar, adotar como prática o prazer em mostrar aos colegas as descobertas, pois o crescimento só se sustenta se todos evoluírem juntos”.

Definição do termo “Parceria”

Melo definiu o termo da seguinte maneira: “A Canacampo fez com que nós deixássemos de sermos individualistas, pois na época dos cereais os contatos eram bem menores. Assim, precisamos passar para nossos filhos esse legado de união. Há 20 anos plantamos o bem e estamos colhendo os resultados”.

Já Brunozzi entende da seguinte forma: “Parceria é igual um grande resultado. Começamos com a associação antes mesmo da usina ficar pronta, plantamos 1,2 mil hectares confiando nos diretores da usina e hoje temos a tranquilidade de investir no aumento de nossa produtividade, pois sabemos que a usina, se precisar, aumentará a capacidade de moagem. Isso tudo é fruto de uma cultura de trabalho em conjunto”.

De forma direta, Cunha Júnior definiu: “Parceria, nesse negócio, é tudo”.

Salomão lembrou de um conceito sempre citado nas reuniões da associação: “É preciso pensar no ganha-ganha, ou seja, se eles estão ganhando, automaticamente nós também estamos, principalmente com o foco em produzir cana de boa qualidade”.

Para fechar, Frangiosi ressaltou mais uma grande parceria. “Há três anos, a Siamig e a Canacampo decidiram juntas promover o Megacana com o objetivo de disseminar as boas práticas da nossa região para canavicultores do Brasil todo”.

Todos os participantes da live reconheceram a parceria e o compartilhamento de conhecimento como uma das grandes chaves para o sucesso no campo