Para Levy, governo deve usar impeachment para assumir reformas

07/12/2015 Geral POR: Valor Econômico
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defende que o processo do impeachment pode ser usado para o governo engajar a sociedade e o setor privado nas reformas econômicas. Antes, contudo, o próprio governo precisa deixar mais claro suas prioridades. A seguir, a entrevista concedida ontem ao Valor.
Valor: O impeachment não piora mais as perspectivas da economia?
Joaquim Levy: Evidente que pode ser um fator de dispersão. Mas pode ser bom, na medida em que o governo aproveitar para deixar claras quais são suas prioridades econômicas. Até onde ele quer ir nas reformas e como pretende engajar a sociedade, o mundo dos negócios e o parlamento nessas reformas.
Valor: Nesse ambiente, como o Congresso vai votar o ajuste?
Levy: O ajuste fiscal é uma peça muito importante da estratégia, mas há uma confusão grande, inclusive em partes do governo. Tão importante quanto o ajuste são as reformas para dar fôlego e horizonte à economia. É o caso da idade mínima para a Previdência, de que a presidente tem falado. Ou revisitar o setor de óleo e gás, agora que o preço do brent vai ficar abaixo de US$ 50 por um bom tempo.
Valor: A meta de superávit primário de 0,7% do PIB faz sentido com a economia tão fraca?
Levy: Essa é uma pergunta legítima, mas a política econômica não é unidimensional. É evidente que temos que ter uma política fiscal compatível com a dinâmica da dívida pública, até para ajudar a baixar os juros mais rapidamente. A real discussão, porém, é o que mais o governo pretende fazer para transformar a economia, já. 
Prometer dinheiro para governadores, abandonar a meta fiscal, é repetir o que se fez desde 2011 e que a própria presidente disse que tinha se esgotado. Venho sublinhando que a saída é criar um novo ambiente, compatível com as necessidades e expectativas do país. Não é redobrar a dose de cortisona.
Valor: O Sr. acha que este governo tem condições de criar um novo ambiente? Há votos no Congresso para mudanças profundas?
Levy: Sim! Basta o governo esclarecer o que quer e manter as prioridades. Há meses construímos a reforma do ICMS no Senado. Essa semana, apesar de toda a turbulência do impeachment, a PEC 154, que cria os fundos para financiar essa reforma, foi apresentada. E o Senado determinou urgência na votação da lei da "repatriação" que vai alimentar esses fundos. Bastou um sinal do governo que o Senado mostrou que está engajado em resolver as coisas. O mesmo se deu com a votação da MP 688, que facilitou o leilão das hidroelétricas.
Valor: O dinheiro do leilão vai financiar o orçamento de 2016, como quis o relator da comissão?
Levy: É bem possível, até por uma questão de tempo, segundo indicações do Ministério das Minas e Energia. Mas o mais importante do leilão foi mostrar a direção das opções do governo, completando um trabalho de reorganização que começou com a disposição do ministro Eduardo Braga em abraçar o realismo tarifário no começo do ano. Tivemos a volta da capacidade do concessionário atender o mercado livre que está crescendo. E estimulamos a concorrência, atraindo novos investidores de vários países. E parte do bônus de outorga deverá ser financiada no mercado de capitais, com a emissão de debêntures de baixo risco. Ou seja, o leilão sinalizou uma retomada do mercado, com diálogo com o setor e estruturas que permitam o financiamento de longo prazo da expansão do sistema. Acho que a retomada da economia vem por ai.
Valor: Apesar de tudo, o governo fechará o ano com um rombo recorde. Isso não significa que a política econômica pode estar equivocada?
Levy: O déficit se explica por dois motivos. O primeiro é a mudança de comportamento das empresas diante da enorme incerteza política que se instalou, levando à queda da arrecadação, já sinalizada desde junho, antes do pedido de mudança de meta em julho. Essa situação se agravou nos meses seguintes, após o impasse do orçamento de 2016 e o downgrade, que levaram a uma deterioração do mercado e à impossibilidade de, por exemplo, se abrir o capital da Caixa Seguradora. O segundo motivo para o déficit em 2015 foi a decisão de se pagar os atrasados com o BNDES e Banco do Brasil, entre outros, pagando a fatura do PSI e da forte expansão do plano safra nos últimos anos. É ótimo expandir programas, mas tem que ter dinheiro para pagá­los.
Valor: Vários economistas apontam as renúncias fiscais como uma das principais fontes de deterioração da receita, o senhor concorda?
Levy: Sim. Esse assunto dos benefícios fiscais começou a ser discutido mais recentemente, sugerindo que o problema havia escapado ao governo. A primeira coisa que a Fazenda e o Planejamento fizeram foi mudar as condições do PSI para estancar o rombo que ele gerou. Assim como Fazenda e Agricultura realinharam os juros do plano safra para algo mais sustentável. Fizemos o mesmo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário no Pronaf, o que era indispensável, já que um dos passivos apontados pelo TCU era a subvenção devida ao Banco do Brasil por conta desses programas.
Valor: A abertura de créditos extraordinários não foi um dos pontos do pedido de impeachment?
Levy: São situações diferentes, porque o PLN5 [nova meta fiscal de 2015] foi construído incorporando essa limpeza do passado. Apesar de ser um tema do Ministério do Planejamento, meu sentimento é de que esses créditos não implicavam em ampliação do espaço fiscal, e portanto não sei o quanto podem se considerados controversos do ponto de vista da execução fiscal de 2015.
Valor: Voltando à diminuição de subsídios, a reoneração da folha seria parte dessa estratégia? Por que ela foi tão difícil?
Levy: A normalização do pagamento das contribuições patronais é parte dessa estratégia, e se justifica pelo realinhamento de preços que mudou as condições em que a desoneração havia sido pensada. A normalização talvez tenha sido parte de uma virada um pouco abrupta, o que levou a uma certa desorientação no parlamento. E talvez porque o setor privado não tivesse entendido, naquele momento ainda, a importância da mudança de estratégia fiscal para segurar a crise. Alguns não perceberam que o ponto e meio percentual no faturamento pedido pela Fazenda iria ajudar a evitar a queda do PIB e uma perda bem maior para a maioria dos setores.
Valor: O sr. vê clima para votação da DRU, CPMF?
Levy: Vejo, desde que haja uma sinalização do lado do gasto. Todas as enquetes mostram que a resistência à CPMF vem das pessoas acharem que o déficit é um problema do governo. Temos que mostrar a razão do déficit e o que está sendo feito para diminuir os gastos, agora e mais para frente. Não é mais um imposto. É um elemento de uma estratégia de maior eficiência, maior consciência do governo e melhora da qualidade do gasto. Isso tem que ser uma agenda progressista, que mostre que temos que priorizar, evitar abusos, dar transparência aos gastos. 
Explicitar os objetivos, os custos e depois verificar os resultados. É o que os países democráticos fazem.
Valor: O senhor teme que esse processo de impeachment enfraqueça a democracia?
Levy: Acho que o Brasil passa por um momento especial e que pode nos transformar. São as instituições tomando a dianteira. É alinhado com aquilo que falei quando assumi o governo, sobre combater o patrimonialismo, abrir o país, criar verdadeiras oportunidades e transparência. E a política econômica tem que responder a isso. Por isso a Fazenda formou um grupo de trabalho com alguns dos melhores juristas do Brasil para criar um novo marco de infraestrutura, o PPP+. 
A proposta de lei tem recebido bastante apoio do setor da construção, infraestrutura e de algumas empresas estrangeiras que estão no Brasil há décadas e que nos ofereceram algumas propostas. Muitas companhias pagaram um preço alto por conta das práticas antigas e não querem voltar às mesmas práticas agora que tudo que estamos vivendo abre um novo mundo. Para isso, temos que criar novas condições para os projetos, editais, licenciamentos. São coisas em linha com a Agenda Brasil e que tem ressonância entre quem quer ver a economia recuperar. Creio que é com iniciativas assim que vamos sair dessa crise, e ter um país melhor.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defende que o processo do impeachment pode ser usado para o governo engajar a sociedade e o setor privado nas reformas econômicas. Antes, contudo, o próprio governo precisa deixar mais claro suas prioridades. A seguir, a entrevista concedida ontem ao Valor.
Valor: O impeachment não piora mais as perspectivas da economia?
Joaquim Levy: Evidente que pode ser um fator de dispersão. Mas pode ser bom, na medida em que o governo aproveitar para deixar claras quais são suas prioridades econômicas. Até onde ele quer ir nas reformas e como pretende engajar a sociedade, o mundo dos negócios e o parlamento nessas reformas.
Valor: Nesse ambiente, como o Congresso vai votar o ajuste?
Levy: O ajuste fiscal é uma peça muito importante da estratégia, mas há uma confusão grande, inclusive em partes do governo. Tão importante quanto o ajuste são as reformas para dar fôlego e horizonte à economia. É o caso da idade mínima para a Previdência, de que a presidente tem falado. Ou revisitar o setor de óleo e gás, agora que o preço do brent vai ficar abaixo de US$ 50 por um bom tempo.

Valor: A meta de superávit primário de 0,7% do PIB faz sentido com a economia tão fraca?
Levy: Essa é uma pergunta legítima, mas a política econômica não é unidimensional. É evidente que temos que ter uma política fiscal compatível com a dinâmica da dívida pública, até para ajudar a baixar os juros mais rapidamente. A real discussão, porém, é o que mais o governo pretende fazer para transformar a economia, já. 
Prometer dinheiro para governadores, abandonar a meta fiscal, é repetir o que se fez desde 2011 e que a própria presidente disse que tinha se esgotado. Venho sublinhando que a saída é criar um novo ambiente, compatível com as necessidades e expectativas do país. Não é redobrar a dose de cortisona.

Valor: O Sr. acha que este governo tem condições de criar um novo ambiente? Há votos no Congresso para mudanças profundas?
Levy: Sim! Basta o governo esclarecer o que quer e manter as prioridades. Há meses construímos a reforma do ICMS no Senado. Essa semana, apesar de toda a turbulência do impeachment, a PEC 154, que cria os fundos para financiar essa reforma, foi apresentada. E o Senado determinou urgência na votação da lei da "repatriação" que vai alimentar esses fundos. Bastou um sinal do governo que o Senado mostrou que está engajado em resolver as coisas. O mesmo se deu com a votação da MP 688, que facilitou o leilão das hidroelétricas.


Valor: O dinheiro do leilão vai financiar o orçamento de 2016, como quis o relator da comissão?
Levy: É bem possível, até por uma questão de tempo, segundo indicações do Ministério das Minas e Energia. Mas o mais importante do leilão foi mostrar a direção das opções do governo, completando um trabalho de reorganização que começou com a disposição do ministro Eduardo Braga em abraçar o realismo tarifário no começo do ano. Tivemos a volta da capacidade do concessionário atender o mercado livre que está crescendo. E estimulamos a concorrência, atraindo novos investidores de vários países. E parte do bônus de outorga deverá ser financiada no mercado de capitais, com a emissão de debêntures de baixo risco. Ou seja, o leilão sinalizou uma retomada do mercado, com diálogo com o setor e estruturas que permitam o financiamento de longo prazo da expansão do sistema. Acho que a retomada da economia vem por ai.
Valor: Apesar de tudo, o governo fechará o ano com um rombo recorde. Isso não significa que a política econômica pode estar equivocada?
Levy: O déficit se explica por dois motivos. O primeiro é a mudança de comportamento das empresas diante da enorme incerteza política que se instalou, levando à queda da arrecadação, já sinalizada desde junho, antes do pedido de mudança de meta em julho. Essa situação se agravou nos meses seguintes, após o impasse do orçamento de 2016 e o downgrade, que levaram a uma deterioração do mercado e à impossibilidade de, por exemplo, se abrir o capital da Caixa Seguradora. O segundo motivo para o déficit em 2015 foi a decisão de se pagar os atrasados com o BNDES e Banco do Brasil, entre outros, pagando a fatura do PSI e da forte expansão do plano safra nos últimos anos. É ótimo expandir programas, mas tem que ter dinheiro para pagá­los.
Valor: Vários economistas apontam as renúncias fiscais como uma das principais fontes de deterioração da receita, o senhor concorda?
Levy: Sim. Esse assunto dos benefícios fiscais começou a ser discutido mais recentemente, sugerindo que o problema havia escapado ao governo. A primeira coisa que a Fazenda e o Planejamento fizeram foi mudar as condições do PSI para estancar o rombo que ele gerou. Assim como Fazenda e Agricultura realinharam os juros do plano safra para algo mais sustentável. Fizemos o mesmo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário no Pronaf, o que era indispensável, já que um dos passivos apontados pelo TCU era a subvenção devida ao Banco do Brasil por conta desses programas.
Valor: A abertura de créditos extraordinários não foi um dos pontos do pedido de impeachment?
Levy: São situações diferentes, porque o PLN5 [nova meta fiscal de 2015] foi construído incorporando essa limpeza do passado. Apesar de ser um tema do Ministério do Planejamento, meu sentimento é de que esses créditos não implicavam em ampliação do espaço fiscal, e portanto não sei o quanto podem se considerados controversos do ponto de vista da execução fiscal de 2015.
Valor: Voltando à diminuição de subsídios, a reoneração da folha seria parte dessa estratégia? Por que ela foi tão difícil?
Levy: A normalização do pagamento das contribuições patronais é parte dessa estratégia, e se justifica pelo realinhamento de preços que mudou as condições em que a desoneração havia sido pensada. A normalização talvez tenha sido parte de uma virada um pouco abrupta, o que levou a uma certa desorientação no parlamento. E talvez porque o setor privado não tivesse entendido, naquele momento ainda, a importância da mudança de estratégia fiscal para segurar a crise. Alguns não perceberam que o ponto e meio percentual no faturamento pedido pela Fazenda iria ajudar a evitar a queda do PIB e uma perda bem maior para a maioria dos setores.

Valor: O sr. vê clima para votação da DRU, CPMF?
Levy: Vejo, desde que haja uma sinalização do lado do gasto. Todas as enquetes mostram que a resistência à CPMF vem das pessoas acharem que o déficit é um problema do governo. Temos que mostrar a razão do déficit e o que está sendo feito para diminuir os gastos, agora e mais para frente. Não é mais um imposto. É um elemento de uma estratégia de maior eficiência, maior consciência do governo e melhora da qualidade do gasto. Isso tem que ser uma agenda progressista, que mostre que temos que priorizar, evitar abusos, dar transparência aos gastos. 
Explicitar os objetivos, os custos e depois verificar os resultados. É o que os países democráticos fazem.
Valor: O senhor teme que esse processo de impeachment enfraqueça a democracia?
Levy: Acho que o Brasil passa por um momento especial e que pode nos transformar. São as instituições tomando a dianteira. É alinhado com aquilo que falei quando assumi o governo, sobre combater o patrimonialismo, abrir o país, criar verdadeiras oportunidades e transparência. E a política econômica tem que responder a isso. Por isso a Fazenda formou um grupo de trabalho com alguns dos melhores juristas do Brasil para criar um novo marco de infraestrutura, o PPP+. 
A proposta de lei tem recebido bastante apoio do setor da construção, infraestrutura e de algumas empresas estrangeiras que estão no Brasil há décadas e que nos ofereceram algumas propostas. Muitas companhias pagaram um preço alto por conta das práticas antigas e não querem voltar às mesmas práticas agora que tudo que estamos vivendo abre um novo mundo. Para isso, temos que criar novas condições para os projetos, editais, licenciamentos. São coisas em linha com a Agenda Brasil e que tem ressonância entre quem quer ver a economia recuperar. Creio que é com iniciativas assim que vamos sair dessa crise, e ter um país melhor.