Paradoxo da inovação tecnológica x produtividade

04/09/2020 BANCO DE VARIEDADES POR: Carlos Araújo - COO da Mackensie Agribusiness

Nos últimos anos, governos, investidores, gestores e economistas têm refletido intensamente sobre as contradições: inovações tecnológicas e a redução na produtividade.

Neste artigo apresento o fato. Globalmente, as inovações tecnológicas têm expressivo crescimento e a produtividade uma significativa queda. Em contraponto, o agro do Brasil com sua agricultura conservadora na década de 60 obteve ganhos no café, soja e silvicultura,  porém a cana-de-açúcar manteve a produtividade da década de 80, apesar do avanço tecnológico.

A análise das causas e efeitos deste paradoxo com efeito global e o desenvolvimento do agronegócio no Brasil nas últimas décadas é relevante para a tomada de decisão referente aos novos investimentos.

O conceito de produtividade é o resultado do uso dos fatores de produção (capital, terra, trabalho, máquinas e equipamentos, insumos, tecnologia e gestão), gerando uma quantidade de produto. É o resultado da integração entre os meios, os recursos utilizados e a produção final.

A inovação afeta a produtividade do trabalho de várias maneiras. As inovações de produtos criam demanda e maior valor agregado para os consumidores ou eficiências de escala, enquanto as inovações de processos devem aumentar a eficiência da produção.

A produtividade usada pelos economistas tem seus reflexos diretos no PIB (Produto Interno Bruto), resultando em melhorias no mercado de trabalho, lucro empresarial, renda e avanços sociais na qualidade de vida de sua população.

Com os avanços tecnológicos, a produtividade da mão de obra e econômica (PIB), nas últimas décadas tem se reduzido, porém, no Brasil, a produtividade no agronegócio, com raras exceções, tem um crescimento sustentável.

No século XX, tivemos as inovações que conduziram ao desenvolvimento, à qualidade dos produtos e serviços, ao bem-estar social e saúde, tais como: a energia elétrica e a nuclear, o computador pessoal, avião, automóvel, foguete (chegamos à lua), antibióticos e televisão entre outras. O trabalho tornou-se uma linha de produção com crescimento constante da produtividade.

Henry Ford, em 1913, instalou a primeira linha de montagem móvel para a produção em massa de um automóvel (modelo T). Sua inovação reduziu o tempo necessário para fabricar um carro de mais de 12 horas para duas horas e 30 minutos.

Em 2018, segundo Bureau of Labor Statistics dos EUA, a taxa de crescimento da produtividade nos EUA foi de apenas 1,1%, muito abaixo da taxa de crescimento de 3,7%, alcançados de 1947 a 2007. A partir da crise financeira global em 2008, o crescimento da produtividade nos Estados Unidos, Europa e Japão - tem sido muito lento em termos absolutos em relação às décadas anteriores.

O Paradoxo de Solow, do economista da Harvard Business School, Robert Solow, evidenciou a questão de como imensos avanços tecnológicos não refletiram estas vantagens na evolução da produtividade. A era da Internet nos proporcionou uma conectividade incrivelmente rápida à World Wide Web, computação em nuvem, comunicação de vídeo de alta definição com nossos colegas em todo o mundo, o smartphone e seus aplicativos, que permitem a você, mesmo sem sair de casa, ter o que deseja de qualquer lugar do planeta em suas mãos e em poucas horas.

No entanto, nossa taxa de produtividade econômica estagnou-se e sofreu queda em algumas indústrias. A promessa da Internet em facilitar o trabalho de todos e impulsionar o avanço econômico não foi cumprida. Por quê?

A resposta está em um olhar mais atento ao Paradoxo de Solow. O conceito foi descrito pela primeira vez em 1987, quando Solow afirmou: "Você pode ver a era do computador em qualquer lugar, exceto nas estatísticas de produtividade". À medida que crescia em popularidade, o Paradoxo de Solow passou a ser definido como a "discrepância entre medidas de investimento em TI e medidas de produção."

Aprofundando a explicação do Paradoxo de Solow, identificamos três fatores. O primeiro é uma questão de medida, onde as novas tecnologias exigem novos padrões para obterem seu verdadeiro valor para a sociedade. Esse é um pensamento reconfortante, porque sugere que as recompensas estão chegando, precisamos apenas ser pacientes. Mas medir a produtividade sempre teve seus desafios, e não está claro porque o crescimento da produtividade agora estaria em declínio, em comparação com a média histórica.

A segunda causa possível identificada em um estudo recente da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é uma crescente lacuna entre as melhores empresas e as demais, em que as empresas superiores estão realmente acelerando seu crescimento e produtividade, mas as demais estão ficando para trás. Esta é uma tese preocupante, porque implica que a desigualdade econômica já observada pode se intensificar ainda mais. Uma fábrica Toyota, no Japão, e uma localizada no Brasil, por exemplo, tem relevante diferença de produtividade.

A terceira possibilidade é que como sociedade estamos vivendo com o fracasso em renovar nossos investimentos em infraestrutura de inovação, que consiste nos ativos tangíveis da sociedade para gerar, disseminar e absorver novos conhecimentos. Isso requer investimentos em ativos estruturais como conectividade 5G, aeroportos, estradas e estações de trem de alta velocidade, bem como investimentos em ativos de conhecimento como treinamento, habilidades, universidades de padrão elevado e outras formas de desenvolvimento de capital humano. A infraestrutura começa com o investimento público, que no que lhe concerne atrai uma quantidade maior de investimento privado, o que culmina em uma maior capacidade de inovação para toda a sociedade.

Estas questões não serão solucionadas no curto prazo, mas podemos iniciar reflexões e pesquisas sobre o tema e o mais importante: levar este tópico para dentro das empresas.

Em contrapartida, decorrente do elevado conservadorismo de nossa agricultura na década de 60, a inovação tecnológica e uma política de crescimento da produtividade, definidas pela Embrapa, IAC (Instituto Agronômico), IAA (Instituto do Açúcar e Álcool), CTC (Centro de Tecnologia de Copersucar) propiciaram com P&D, inovações em processos e a introdução da Tecnologia de Informação na agricultura, implicando ao agronegócio brasileiro um grande salto tecnológico, principalmente no desenvolvimento de cultivares para o cerrado brasileiro.

No Brasil, 23% das áreas agricultáveis são cerrados. A expansão agrícola e pecuária foi resultado de investimentos ocorridos a partir da década de 70, quando o solo do cerrado era considerado impróprio para o cultivo agrícola. As condições edafoclimáticas e os avanços tecnológicos garantiram a expansão agrícola na região, corrigindo a acidez e a baixa fertilidade dos solos com o uso adequado de corretivos e fertilizantes. O cerrado transformou-se em uma área com as melhores condições para a expansão e diversificação da produção agrícola.

A evolução da produção de soja no Brasil coincidiu com o processo de modernização “conservadora” da agricultura brasileira, contribuindo, de forma significativa, para o salto quantitativo e qualitativo da produção de soja na região do cerrado. Na década de 70, a produção era de 11 sacas por hectare. Na safra 2020 a produtividade atingiu o nível de 56,7 sacas por hectare. A expansão da produtividade é apresentada na figura 1.

Figura 1: Evolução da produtividade da soja / Fonte: Conab, elaborado por Mackensie Agribusiness

Em 2020, o valor bruto da produção no Centro-Oeste praticamente dobrou nos últimos dez anos, consequência das grandes colheitas de soja e milho e o crescimento do rebanho bovino. Resultados como estes fundamentam o agronegócio no Brasil a se consolidar como o maior player global.

Café

Conduzido pela Embrapa Café, um relevante investimento em P&D, inovações e tecnologias ofertaram aos produtores de café avanços tecnológicos como novas variedades, técnicas de produção de mudas clonais, fisiologia vegetal, processos de produção tais como espaçamentos, poda programada de ciclo, plantio em linhas, adubações, manejo integrado de pragas e doenças, práticas de conservação de solo, manejo de irrigação e tecnologias de colheita, secagem, beneficiamento e armazenamento. O resultado foi um incremento em produtividade apresentado na figura 2.

Figura 2: Evolução da produtividade do café / Fonte: Embrapa Café, elaborado por Mackensie Agribusiness

O Brasil é o maior produtor, exportador e segundo consumidor mundial de café, uma cultura significativa para vários estados brasileiros que integram a cadeia produtiva do agronegócio gerando receitas cambiais, emprego e renda para o país.

Silvicultura

Florestas agrícolas comerciais ofertam a matéria-prima para a indústria de celulose e papel. A demanda por papel é crescente e o Brasil é um grande player (4º maior produtor mundial de celulose e 11º maior produtor de papel e papelão). A celulose é o segundo produto de exportação, ficando atrás da soja.

O conhecimento técnico e científico acumulado nos últimos anos elevou o nível de excelência na produção, tornando-se o setor florestal competitivo, alcançando índices de produtividade e gerando ganhos ambientais, econômicos e sociais. O eucalipto passou-se de 10 m3/ha ao ano, em 1965, para valores de até 60 m3/ha por ano, atualmente. Os investimentos nos últimos anos foram de mais de US$ 100 milhões em pesquisas e experimentações florestais por meio de empresas privadas em parcerias com centro de pesquisas e universidades.

As condições favoráveis do ambiente de produção (solo e clima) e a área disponível para o plantio, sem afetar o meio ambiente, possibilitaram ao país tornar-se um dos maiores produtores mundiais de papel e celulose.

O salto tecnológico ocorreu em função da integração pecuária e lavoura. Produtores rurais têm feito a sua parte com a adoção da ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área, com cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação. Esta prática busca otimizar o uso da terra com diversificação da produção e impacta diretamente no efeito estufa, na mitigação dos gases através deste processo de produção em floresta comercial.

Concluímos que investimentos em P&D e Tecnologia, sobretudo em novos tipos de sementes geneticamente modificadas, isentas de pragas e doenças, foram fatores relevantes para o agronegócio, menos na produção de cana-de-açúcar.

Alvim Tofler (1928/2016) publicou em 1980, o best-seller Terceira Onda, sendo a primeira onda a civilização estritamente agrícola, a segunda chegou com a civilização industrial, e a terceira onda enfatizou o conhecimento e a tecnologia, moldando a sociedade do futuro. Peter Druker (1909/2005), o guru da Administração na década de 80, destacou o conhecimento como fator de produtividade nas empresas. Em nossa visão, os gestores do século XX não foram preparados para a gestão do conhecimento. Se não há compreensão do conhecimento, como executar esta gestão, como medi-la?

A produtividade é o indutor do desenvolvimento econômico. O crescimento da produtividade sempre foi a chave para o aumento do PIB per capita, dos salários e dos padrões de vida das pessoas. Porém, há pontos que necessitam de reflexões nos fundamentos citados acima.

Primeiro, é nosso entendimento que a energia elétrica foi o grande indutor do desenvolvimento no século XX, porque outros avanços não ocorreriam sem a energia elétrica. Com relação à produtividade, é bem mais simples identificar a quantidade de horas trabalhadas em uma fábrica ou em uma operação agrícola do que em relação ao funcionário do Google ou do Facebook.

Cana-de-açúcar

Em 1523, um engenho, em Pernambuco, realizou sua primeira exportação de açúcar para a Europa. Com a crise do petróleo, em 1974, o governo lançou o Proálcool, cujo objetivo era substituir a gasolina com o álcool nos veículos automotores. No início da década de 80, a Copersucar mantinha 70 usinas cooperadas. Para alavancar o desenvolvimento tecnológico da produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool foi implantado o Centro de Tecnologia da Copersucar, em Piracicaba, para alavancar o crescimento do setor. Novas variedades de cana-de-açúcar foram desenvolvidas, assim como processos agrícolas avançados e industriais otimizados. O que ocorreu com a produtividade média da cana-de-açúcar (figura 3), no período, apesar de investimentos relevantes em inovação?

Figura 3: Evolução da produtividade do cana-de-açúcar em São Paulo / Fonte: Conab, elaborado por Mackensie Agribusiness

Por que o Brasil obteve o avanço em sua produtividade agrícola? Para responder, elencamos três fatores:

I - Como política de Estado, o Brasil viu-se na necessidade de alimentar 90 milhões de brasileiros em 1970 e não havia produção sustentável para atender esta demanda;

II - Desenvolvimento em P&D aplicado a uma agricultura conservadora,

III - Deixou de ser uma agricultura familiar e tornou-se uma agricultura empresarial com ganhos de escala.

Nosso agronegócio representa 21,1% do PIB nacional com potencial de tornar-se o supermercado global e alavancar em muito este percentual.

Hoje, as maiores inovações são oriundas da TI como Inteligência Artificial, sensores de informações sobre pragas, doenças e clima, tratores com piloto automático, GPS. Na agricultura, podemos citar as sementes geneticamente modificadas. Porém, nosso modelo de gestão ainda está enraizado no século passado e os softwares de gestão das empresas e do campo foram desenvolvidos no passado com ênfase no controle de combustível, horas trabalhadas dos tratores, quantidade de insumos, etc. Não foram desenvolvidos softwares robustos e consistentes em planejamento – função primordial na gestão empresarial. A nova gestão empresarial necessita de ferramentas de gestão atualizadas em função das próprias mudanças oriundas das inovações tecnológicas. Os exemplos dos países desenvolvidos nos apresentam uma enorme lição. É necessário fazer mais e melhor. É nosso parecer, com relação à cana-de-açúcar, que devemos seguir os passos: investimentos contínuos nas empresas agrícolas e não dividir a usina em áreas distintas como lavoura, indústria e administração, pois esta é uma característica obsoleta; a integração cria sinergia e desenvolve o conhecimento e a cultura empresarial, resultando em eficiência operacional e lucratividade.

A raiz do problema é a necessidade do plantel varietal e os investimentos devem ser direcionados ao desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar, algo primordial. Quase a totalidade das usinas produtoras de cana, açúcar e etanol já usa a agricultura de precisão, utilizando sensores para a identificação de pragas e doenças, mas não detém os custos efetivos de produção e trabalha com a média de custos contábil. Portanto, há dez anos estão colhendo prejuízos porque a “bússola” está desajustada, impactando os talhões produtivos.

Dois outros fatores são relevantes:

  1. Liderança e Gestão, sendo necessário aprimorar o modelo de gestão das usinas, deixando uma hierarquia vertical e tornar-se horizontal. Líderes, gestores e executivos têm por obrigação de ofício irem ao campo para ver o desenvolvimento do canavial – de onde sai a eficiência operacional.
  2. Treinamento intensivo dos colaboradores que serão responsáveis por introduzir o conceito do melhoramento contínuo nas usinas e produtores de cana-de-açúcar. O que está ocorrendo nos países desenvolvidos (paradoxo crescimento em inovações e queda da produtividade) é um alerta ao agronegócio brasileiro.