Depois de sofrer por quase uma década com preços baixos e uma crise que sentenciou dezenas de usinas à morte, o setor sucroenergético enxerga uma saída com uma safra que promete bater recordes de produção e com um mercado ávido por etanol e açúcar.
Em Rio Brilhante, município a 160 quilômetros de Campo Grande (MS) e hoje o maior produtor de cana-de-açúcar do Estado, com uma moagem anual de seis milhões de toneladas, o dia 8 de abril começou do mesmo jeito de sempre: quente, muito quente. Antes das 10 horas, o sol já castigava a pele e fazia qualquer um suar em bicas. Às 11 horas, os termômetros marcavam quase 40 graus Celsius. Nada fora do script, a não ser pela intensa movimentação em um galpão pré-fabricado, montado dias antes, para receber 50 convidados em uma das 11 unidades de produção de açúcar, etanol e bioeletricidade da Biosev, pertencente ao grupo francês Louis Dreyfus, um gigante do agronegócio com faturamento global de US$ 65 bilhões.
Recebidos por Rui Chammas, presidente da Biosev, estavam ali as principais autoridades e empresários do setor no Estado. E eles tinham pressa. "Declaro aberta a safra 2016/2017 de cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul e em todo o Brasil", disse Reinaldo Azambuja, governador do Estado. "A cana-de-açúcar é um dos setores que mais aquece a nossa economia, desenvolve os municípios e ainda valoriza a terra", afirmou o governador, em um discurso rápido, que fez a cerimônia acabar antes das 12h. A correria vista no evento é mais do que justificável. Desde 2008, o setor sucroenergético vem amargando sucessivos prejuízos e, agora, os principais produtores do País correm para aproveitar uma oportunidade que não se via desde a safra 2005/2006. Trata-se de uma poderosa combinação de preços em alta tanto para o açúcar como para o etanol. "Estamos prontos para aproveitar esse momento único", diz Chammas, que comanda uma empresa que multiplicou o seu tamanho por 40 vezes de 2000 a 2010.
O setor bioenergético deve colher 691 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra que começou oficialmente em 1º de abril, uma previsão de crescimento de 3,8% em relação à safra 2015/2016, de acordo com os primeiros levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do Centro-Sul do País, responsável por cerca de 90% da produção nacional, estima uma colheita nessa região de até 630 milhões de toneladas na safra que está começando.
Independentemente de qual previsão se tornará realidade, o fato é que a combinação de preços em alta traz alívio para um setor que enfrenta sérias dificuldades financeiras e que atravessou o ano de 2015 com o maior número de usinas entrando em recuperação judicial -foram 13 unidades com dívidas bancárias de cerca de R$ 8 bilhões. "Mas, as empresas do setor que estão estruturadas vão colher resultados", diz Chammas.
No caso da Biosev, a área de produção atual é de 340 mil hectares de cana em 120 municípios dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, além de Mato Grosso do Sul. A capacidade de produção é de 2,5 milhões de toneladas de açúcar, mais 1,6 bilhão de litros de etanol e 1,3 mil gigawatts por hora de cogeração de energia elétrica. Na última safra, a moagem foi de 31 milhões de toneladas de cana. Os dados financeiros consolidados serão apresentados em junho. Mas, assim como ocorreu na safra de 2014/2015, com receita de R$ 4,5 bilhões, um crescimento de 12%, a expectativa é de um desempenho positivo nesse ano fiscal. Os dados do terceiro trimestre da safra encerrada mostram um ebitda (medida de geração de caixa da empresa) de R$ 438 milhões, valor 30,8% acima do período anterior. No prêmio As Melhores da Dinheiro Rural 2015, a Biosev se apresenta no grupo de frente do ranking das 500 maiores receitas do setor do agronegócio. "Estamos olhando para o futuro com otimismo", afirma Chammas. "Nos preparamos nos últimos anos, porque o setor passa por uma revolução silenciosa e será muito desafiador daqui para a frente."
"O setor passa por uma revolução silenciosa e será muito desafiador daqui para a frente." Rui Chammas
Para ele, há elementos que vieram se consolidando ao longo da última década, que estão levando a indústria da bioenergia a mudar radicalmente. Entre as mudanças estão a entrada de fortes grupos internacionais no setor; a expansão das usinas além do eixo São Paulo-Minas Gerais, principalmente para o Centro-Oeste; e a inversão do mais prolongado ciclo de baixa para o açúcar, ao mesmo tempo em que a capacidade de moagem de cana do setor duplicava. Nos anos 2000, por exemplo, a moagem era de cerca de 300 milhões de toneladas, menos da metade da atual. Mas nem todos os empresários do setor conseguiram ter essa leitura do segmento.
Cenário
O País possui 390 usinas de cana-de-açúcar. De acordo com a Unica, cerca de 80 unidades foram fechadas nos últimos cinco anos e 67 estão em recuperação judicial. Especialistas de mercado, entre eles Gabriel Leutewiler, sócio-diretor do escritório Santos Neto Advogados, acreditam que essas usinas dificilmente voltarão a operar. "Não há notícia de nenhuma usina que tenha entrado em recuperação judicial e saído dela", afirma Leutewiler. "Acreditamos que outro tanto, pelo menos uma centena de pequenas e médias usinas, ainda sairão do mercado."
"Acreditamos que outro tanto, pelo menos uma centena de pequenas e médias usinas, ainda sairão do mercado." Santos Neto Advogados
Diante desse cenário, cabe uma pergunta: quem sobreviverá no setor da cana-de-açúcar? Chammas dá uma dica. "Nesse momento, a relação com os investidores, os clientes e os bancos é muito importante. Hoje, disciplina operacional é fundamental." Para Leutewiler, continuarão no mercado justamente as empresas que, de alguma forma, melhorarem o desempenho operacional. "A Biosev, por exemplo, está trabalhando muito bem", diz ele. "Grandes grupos, como São Martinho, ou a Cosan, que é controlada pelo empresário Rubens Ometto, também estão nessa conta do bom gerenciamento."
Basta dar uma rápida olhada nos números do setor para entender o quão importante -e estratégico - ele é para a economia brasileira. Em 2015, o Valor Bruto da Produção (VBP) da cana-de-açúcar foi de R$ 50,3 bilhões, só perdendo para a soja, cultura com um VBP de R$ 106,4 bilhões. Ou seja, de acordo com a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, a cana respondeu por 15,7% do total de R$ 321 bilhões em riquezas que as lavouras do País movimentaram no ano passado.
Por segmento, o Brasil produziu 33,5 milhões de toneladas de açúcar e exportou 24 milhões de toneladas, por cerca de US$ 7 bilhões. Isso representa metade do comércio global da commodity. Neste ano, a produção deve ir a 37,5 milhões de toneladas, com o mesmo volume exportado. Porém, a um câmbio muito mais competitivo em relação às safras passadas, quando a moeda americana estava no patamar médio de R$ 2,50.
"Nesse momento, a relação com os investidores, os clientes e os bancos é muito importante. Hoje, disciplina operacional é fundamental."
Além disso, de acordo com a consultoria Datagro, haverá um déficit mundial da commodity em 2016, da ordem de 6,1 milhões de toneladas em valores brutos. A produção global de açúcar deve registrar 175,3 milhões de toneladas, para um consumo da ordem de 181,4 milhões. Somado a isso, os preços do açúcar no mercado internacional subiram 60% desde agosto de 2015. "Hoje, é de até US$0.16 por libra peso, contra US$ 0,10 no ano passado", afirma o analista Andy Duff, gerente da equipe de agroeconomia do Rabobank. "Somente em agosto poderá haver alguma mudança, quando tivermos um cenário mais definido do que vai acontecer com as safras concorrentes do Brasil, entre elas as da Indonésia e Tailândia."
No mercado de etanol, basicamente para atender a demanda interna, entre o anidro, para misturar na gasolina; e o hidratado, utilizado diretamente no tanque dos automóveis, a safra 2015/2016 fechou com um consumo de 30,5 bilhões de litros. O volume deve se repetir na safra 2016/2017, mas num outro cenário econômico. A presidente da Unica, a executiva Elizabeth Farina, diz que nesse momento, há dificuldade em se discutir política pública, em função da instabilidade pela qual o País passa: "Mas algumas coisas começaram a avançar", afirma ela. "Já no segundo semestre de 2015 começou a ocorrer essa combinação de mudanças para o etanol e o açúcar, e isso passou a gerar uma receita maior por hectare de cana produzida."
De acordo com Elizabeth, no caso do etanol, o que contribuiu para turbinar a demanda foi o aumento da mistura de 25% para 27% de etanol anidro na gasolina. Houve também a retomada parcial da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) no combustível fóssil, que saiu de zero para R$ 0,10. "Além disso, a Petrobras aumentou o preço da gasolina e vários Estados subiram o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre esse combustível, o que resultou no aumento da demanda por etanol hidratado", diz Elizabeth.
Futuro
Para a presidente da Unica, os últimos acontecimentos mostram que o setor pode, de fato, ter uma chance de recuperação efetiva e sustentável no longo prazo. Isso, se daqui para a frente o País contar com um conjunto de políticas públicas e de incentivos para cumprir os compromissos ambientais levados à 21ª Cúpula do Clima de Paris, a COP 21, no final do ano passado. A COP 21 propôs um novo acordo entre os 195 países presentes ao evento, destinado a diminuir as emissões de gases de efeito estufa, que será ratificado no dia 22 de novembro, em Nova York. No caso do Brasil, a meta é que os biocombustíveis, que hoje respondem por 15% da matriz energética do País, passem a representar 18%, em 2030, e que, até 2050, sejam produzidos 50 bilhões de litros de etanol por ano, 20 bilhões de litros acima da atual produção. "Para que isso se concretize é preciso retomar a nossa capacidade produtiva e ter mais clareza a respeito da estabilidade das regras de mercado", afirma Elizabeth.
"Nos últimos quatro anos, a crise do setor nos trouxe lições importantes, mas a principal delas é que não se pode parar." Roberto Hollanda Filho
De acordo com Roberto Hollanda Filho, presidente da Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), entidade que representa 20 grupos de usinas, o mercado pode, sim, reagir rapidamente e de forma positiva à demanda. "O País tem um parque industrial que funciona, o mercado existe e as condições de produção estão dadas", afirma Hollanda Filho. "Nos últimos quatro anos, a crise do setor nos trouxe lições importantes, mas a principal delas é que não se pode parar."
Na safra passada, os associados da Biosul investiram R$ 2 bilhões para melhorar a produtividade das lavouras de cana-de-açúcar no Estado e já começaram a colher os frutos. A produtividade foi de 89,3 toneladas de cana por hectare, 27% acima da safra anterior. A produção total foi de 48,6 milhões de toneladas, 13% de crescimento no período, com expectativa de chegar a 52,1 milhões de toneladas em 2016/2017. A atual produtividade média do País é de 76,9 toneladas por hectare.
"Agora, é hora de ajustar as tecnologias da agricultura de precisão e investir em ganhos de produtividade." Jacyr da Silva Costa Filho.
Aliás, investimento na produtividade parece ser o caminho das empresas do setor para ajustar a performance nos próximos anos. É o que afirma Jacyr da Silva Costa Filho, diretor geral da também francesa Tereos International no Brasil. "Entre os anos 2011 e 2016 investimos cerca de R$ 1,5 bilhão para sair de 16 milhões de toneladas de cana processada para os atuais 21 milhões", diz Costa Filho. "Agora, é hora de ajustar as tecnologias da agricultura de precisão e investir em ganhos de produtividade." A Tereos opera atualmente sete usinas, com capacidade para processar 23 milhões de toneladas de cana por safra. No ranking As Melhores da Dinheiro Rural 2015, a companhia surge com uma receita de R$ 8,1 bilhões e também se destaca entre as 15 empresas do agronegócio com maior faturamento do setor no ano passado.
Além de um cenário mais promissor, o setor também passará por uma nova onda de aquisições, sobretudo das operações hoje deficitárias. E quem estará à frente desse movimento são os chamados fundos abutres, que avançam sobre as operações que se encontram na bacia das almas. O cenário é confirmado por Rui Chammas, da Biosev. "Realmente, parece que os fundos internacionais estão de olho no que pode ocorrer com as usinas brasileiras", diz ele.
Os atuais fundos interessados no mercado de bioenergia são os americanos Black River, ligado à Cargill, o Carval e Amerra, ambos com sede em Nova York, e o canadense Brookfield. Entre os asiáticos há movimentos dos fundos Cofco e Toyota. A Cofco, listada na bolsa de Cingapura, já está no Brasil por meio da compra da Nobre Agri, braço agrícola da Noble Group, vendida por US$ 1,5 bilhão e que já possui quatro usinas no interior paulista. Leutewiler diz que, de modo geral, a proposta média desses investidores é assumir dívidas pagando entre US$ 20 e US$ 30 por tonelada de cana produzida por uma usina. No entanto, no auge do mercado, por volta dos anos 2000, a métrica usada para determinar o valor de um negócio era de US$ 110 por tonelada. "É possível que nos próximos anos tenhamos um outro desenho do mercado bioenergético no País", diz Leutewiler. "Agora, com a possibilidade desse novo tipo de investidor".
Depois de sofrer por quase uma década com preços baixos e uma crise que sentenciou dezenas de usinas à morte, o setor sucroenergético enxerga uma saída com uma safra que promete bater recordes de produção e com um mercado ávido por etanol e açúcar.
Em Rio Brilhante, município a 160 quilômetros de Campo Grande (MS) e hoje o maior produtor de cana-de-açúcar do Estado, com uma moagem anual de seis milhões de toneladas, o dia 8 de abril começou do mesmo jeito de sempre: quente, muito quente. Antes das 10 horas, o sol já castigava a pele e fazia qualquer um suar em bicas. Às 11 horas, os termômetros marcavam quase 40 graus Celsius. Nada fora do script, a não ser pela intensa movimentação em um galpão pré-fabricado, montado dias antes, para receber 50 convidados em uma das 11 unidades de produção de açúcar, etanol e bioeletricidade da Biosev, pertencente ao grupo francês Louis Dreyfus, um gigante do agronegócio com faturamento global de US$ 65 bilhões.
Recebidos por Rui Chammas, presidente da Biosev, estavam ali as principais autoridades e empresários do setor no Estado. E eles tinham pressa. "Declaro aberta a safra 2016/2017 de cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul e em todo o Brasil", disse Reinaldo Azambuja, governador do Estado. "A cana-de-açúcar é um dos setores que mais aquece a nossa economia, desenvolve os municípios e ainda valoriza a terra", afirmou o governador, em um discurso rápido, que fez a cerimônia acabar antes das 12h. A correria vista no evento é mais do que justificável. Desde 2008, o setor sucroenergético vem amargando sucessivos prejuízos e, agora, os principais produtores do País correm para aproveitar uma oportunidade que não se via desde a safra 2005/2006. Trata-se de uma poderosa combinação de preços em alta tanto para o açúcar como para o etanol. "Estamos prontos para aproveitar esse momento único", diz Chammas, que comanda uma empresa que multiplicou o seu tamanho por 40 vezes de 2000 a 2010.
O setor bioenergético deve colher 691 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra que começou oficialmente em 1º de abril, uma previsão de crescimento de 3,8% em relação à safra 2015/2016, de acordo com os primeiros levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do Centro-Sul do País, responsável por cerca de 90% da produção nacional, estima uma colheita nessa região de até 630 milhões de toneladas na safra que está começando.
Independentemente de qual previsão se tornará realidade, o fato é que a combinação de preços em alta traz alívio para um setor que enfrenta sérias dificuldades financeiras e que atravessou o ano de 2015 com o maior número de usinas entrando em recuperação judicial -foram 13 unidades com dívidas bancárias de cerca de R$ 8 bilhões. "Mas, as empresas do setor que estão estruturadas vão colher resultados", diz Chammas.
No caso da Biosev, a área de produção atual é de 340 mil hectares de cana em 120 municípios dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, além de Mato Grosso do Sul. A capacidade de produção é de 2,5 milhões de toneladas de açúcar, mais 1,6 bilhão de litros de etanol e 1,3 mil gigawatts por hora de cogeração de energia elétrica. Na última safra, a moagem foi de 31 milhões de toneladas de cana. Os dados financeiros consolidados serão apresentados em junho. Mas, assim como ocorreu na safra de 2014/2015, com receita de R$ 4,5 bilhões, um crescimento de 12%, a expectativa é de um desempenho positivo nesse ano fiscal. Os dados do terceiro trimestre da safra encerrada mostram um ebitda (medida de geração de caixa da empresa) de R$ 438 milhões, valor 30,8% acima do período anterior. No prêmio As Melhores da Dinheiro Rural 2015, a Biosev se apresenta no grupo de frente do ranking das 500 maiores receitas do setor do agronegócio. "Estamos olhando para o futuro com otimismo", afirma Chammas. "Nos preparamos nos últimos anos, porque o setor passa por uma revolução silenciosa e será muito desafiador daqui para a frente."
"O setor passa por uma revolução silenciosa e será muito desafiador daqui para a frente." Rui Chammas
Para ele, há elementos que vieram se consolidando ao longo da última década, que estão levando a indústria da bioenergia a mudar radicalmente. Entre as mudanças estão a entrada de fortes grupos internacionais no setor; a expansão das usinas além do eixo São Paulo-Minas Gerais, principalmente para o Centro-Oeste; e a inversão do mais prolongado ciclo de baixa para o açúcar, ao mesmo tempo em que a capacidade de moagem de cana do setor duplicava. Nos anos 2000, por exemplo, a moagem era de cerca de 300 milhões de toneladas, menos da metade da atual. Mas nem todos os empresários do setor conseguiram ter essa leitura do segmento.
Cenário
O País possui 390 usinas de cana-de-açúcar. De acordo com a Unica, cerca de 80 unidades foram fechadas nos últimos cinco anos e 67 estão em recuperação judicial. Especialistas de mercado, entre eles Gabriel Leutewiler, sócio-diretor do escritório Santos Neto Advogados, acreditam que essas usinas dificilmente voltarão a operar. "Não há notícia de nenhuma usina que tenha entrado em recuperação judicial e saído dela", afirma Leutewiler. "Acreditamos que outro tanto, pelo menos uma centena de pequenas e médias usinas, ainda sairão do mercado."
"Acreditamos que outro tanto, pelo menos uma centena de pequenas e médias usinas, ainda sairão do mercado." Santos Neto Advogados
Diante desse cenário, cabe uma pergunta: quem sobreviverá no setor da cana-de-açúcar? Chammas dá uma dica. "Nesse momento, a relação com os investidores, os clientes e os bancos é muito importante. Hoje, disciplina operacional é fundamental." Para Leutewiler, continuarão no mercado justamente as empresas que, de alguma forma, melhorarem o desempenho operacional. "A Biosev, por exemplo, está trabalhando muito bem", diz ele. "Grandes grupos, como São Martinho, ou a Cosan, que é controlada pelo empresário Rubens Ometto, também estão nessa conta do bom gerenciamento."
Basta dar uma rápida olhada nos números do setor para entender o quão importante -e estratégico - ele é para a economia brasileira. Em 2015, o Valor Bruto da Produção (VBP) da cana-de-açúcar foi de R$ 50,3 bilhões, só perdendo para a soja, cultura com um VBP de R$ 106,4 bilhões. Ou seja, de acordo com a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, a cana respondeu por 15,7% do total de R$ 321 bilhões em riquezas que as lavouras do País movimentaram no ano passado.
Por segmento, o Brasil produziu 33,5 milhões de toneladas de açúcar e exportou 24 milhões de toneladas, por cerca de US$ 7 bilhões. Isso representa metade do comércio global da commodity. Neste ano, a produção deve ir a 37,5 milhões de toneladas, com o mesmo volume exportado. Porém, a um câmbio muito mais competitivo em relação às safras passadas, quando a moeda americana estava no patamar médio de R$ 2,50.
"Nesse momento, a relação com os investidores, os clientes e os bancos é muito importante. Hoje, disciplina operacional é fundamental."
Além disso, de acordo com a consultoria Datagro, haverá um déficit mundial da commodity em 2016, da ordem de 6,1 milhões de toneladas em valores brutos. A produção global de açúcar deve registrar 175,3 milhões de toneladas, para um consumo da ordem de 181,4 milhões. Somado a isso, os preços do açúcar no mercado internacional subiram 60% desde agosto de 2015. "Hoje, é de até US$0.16 por libra peso, contra US$ 0,10 no ano passado", afirma o analista Andy Duff, gerente da equipe de agroeconomia do Rabobank. "Somente em agosto poderá haver alguma mudança, quando tivermos um cenário mais definido do que vai acontecer com as safras concorrentes do Brasil, entre elas as da Indonésia e Tailândia."
No mercado de etanol, basicamente para atender a demanda interna, entre o anidro, para misturar na gasolina; e o hidratado, utilizado diretamente no tanque dos automóveis, a safra 2015/2016 fechou com um consumo de 30,5 bilhões de litros. O volume deve se repetir na safra 2016/2017, mas num outro cenário econômico. A presidente da Unica, a executiva Elizabeth Farina, diz que nesse momento, há dificuldade em se discutir política pública, em função da instabilidade pela qual o País passa: "Mas algumas coisas começaram a avançar", afirma ela. "Já no segundo semestre de 2015 começou a ocorrer essa combinação de mudanças para o etanol e o açúcar, e isso passou a gerar uma receita maior por hectare de cana produzida."
De acordo com Elizabeth, no caso do etanol, o que contribuiu para turbinar a demanda foi o aumento da mistura de 25% para 27% de etanol anidro na gasolina. Houve também a retomada parcial da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) no combustível fóssil, que saiu de zero para R$ 0,10. "Além disso, a Petrobras aumentou o preço da gasolina e vários Estados subiram o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços sobre esse combustível, o que resultou no aumento da demanda por etanol hidratado", diz Elizabeth.
Futuro
Para a presidente da Unica, os últimos acontecimentos mostram que o setor pode, de fato, ter uma chance de recuperação efetiva e sustentável no longo prazo. Isso, se daqui para a frente o País contar com um conjunto de políticas públicas e de incentivos para cumprir os compromissos ambientais levados à 21ª Cúpula do Clima de Paris, a COP 21, no final do ano passado. A COP 21 propôs um novo acordo entre os 195 países presentes ao evento, destinado a diminuir as emissões de gases de efeito estufa, que será ratificado no dia 22 de novembro, em Nova York. No caso do Brasil, a meta é que os biocombustíveis, que hoje respondem por 15% da matriz energética do País, passem a representar 18%, em 2030, e que, até 2050, sejam produzidos 50 bilhões de litros de etanol por ano, 20 bilhões de litros acima da atual produção. "Para que isso se concretize é preciso retomar a nossa capacidade produtiva e ter mais clareza a respeito da estabilidade das regras de mercado", afirma Elizabeth.
"Nos últimos quatro anos, a crise do setor nos trouxe lições importantes, mas a principal delas é que não se pode parar." Roberto Hollanda Filho
De acordo com Roberto Hollanda Filho, presidente da Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), entidade que representa 20 grupos de usinas, o mercado pode, sim, reagir rapidamente e de forma positiva à demanda. "O País tem um parque industrial que funciona, o mercado existe e as condições de produção estão dadas", afirma Hollanda Filho. "Nos últimos quatro anos, a crise do setor nos trouxe lições importantes, mas a principal delas é que não se pode parar."
Na safra passada, os associados da Biosul investiram R$ 2 bilhões para melhorar a produtividade das lavouras de cana-de-açúcar no Estado e já começaram a colher os frutos. A produtividade foi de 89,3 toneladas de cana por hectare, 27% acima da safra anterior. A produção total foi de 48,6 milhões de toneladas, 13% de crescimento no período, com expectativa de chegar a 52,1 milhões de toneladas em 2016/2017. A atual produtividade média do País é de 76,9 toneladas por hectare.
"Agora, é hora de ajustar as tecnologias da agricultura de precisão e investir em ganhos de produtividade." Jacyr da Silva Costa Filho.
Aliás, investimento na produtividade parece ser o caminho das empresas do setor para ajustar a performance nos próximos anos. É o que afirma Jacyr da Silva Costa Filho, diretor geral da também francesa Tereos International no Brasil. "Entre os anos 2011 e 2016 investimos cerca de R$ 1,5 bilhão para sair de 16 milhões de toneladas de cana processada para os atuais 21 milhões", diz Costa Filho. "Agora, é hora de ajustar as tecnologias da agricultura de precisão e investir em ganhos de produtividade." A Tereos opera atualmente sete usinas, com capacidade para processar 23 milhões de toneladas de cana por safra. No ranking As Melhores da Dinheiro Rural 2015, a companhia surge com uma receita de R$ 8,1 bilhões e também se destaca entre as 15 empresas do agronegócio com maior faturamento do setor no ano passado.
Além de um cenário mais promissor, o setor também passará por uma nova onda de aquisições, sobretudo das operações hoje deficitárias. E quem estará à frente desse movimento são os chamados fundos abutres, que avançam sobre as operações que se encontram na bacia das almas. O cenário é confirmado por Rui Chammas, da Biosev. "Realmente, parece que os fundos internacionais estão de olho no que pode ocorrer com as usinas brasileiras", diz ele.
Os atuais fundos interessados no mercado de bioenergia são os americanos Black River, ligado à Cargill, o Carval e Amerra, ambos com sede em Nova York, e o canadense Brookfield. Entre os asiáticos há movimentos dos fundos Cofco e Toyota. A Cofco, listada na bolsa de Cingapura, já está no Brasil por meio da compra da Nobre Agri, braço agrícola da Noble Group, vendida por US$ 1,5 bilhão e que já possui quatro usinas no interior paulista. Leutewiler diz que, de modo geral, a proposta média desses investidores é assumir dívidas pagando entre US$ 20 e US$ 30 por tonelada de cana produzida por uma usina. No entanto, no auge do mercado, por volta dos anos 2000, a métrica usada para determinar o valor de um negócio era de US$ 110 por tonelada. "É possível que nos próximos anos tenhamos um outro desenho do mercado bioenergético no País", diz Leutewiler. "Agora, com a possibilidade desse novo tipo de investidor".