Plantando verdades e colhendo conhecimento

20/01/2021 Agricultura POR: Fernanda Clariano

O que era apenas um desabafo isolado acabou se transformando em um movimento nacional organizado pela internet

Está crescendo um movimento de mães e pais, de diferentes profissões que querem a verdade nas apostilas e que estão questionando o conteúdo do material didático oferecido aos seus filhos. Só no Instagram, por exemplo, o grupo batizado de “De Olho no Material Escolar” conta atualmente com mais de 2100 pais e mães de todo o país ligados ou não ao agro. O objetivo é que as editoras revisem esse material didático que está carente de dados e fatos científicos, longe da realidade atual do agro. Nas apostilas utilizadas por grandes grupos educacionais, do ensino fundamental e ensino médio, tratam o campo de forma equivocada e até mesmo preconceituosa, onde informações referenciadas no passado latifundiário da economia rural são aplicadas ao estudo da realidade atual, que domina o agro tecnológico e responsável, provocando sérios equívocos de análise.

Letícia: “A educação estabelece a consciência crítica, cria caráter, aponta os caminhos e, principalmente, destrói barreiras e constrói pontes”

A produtora rural, membro do núcleo feminino do agronegócio, e uma das fundadoras do movimento

@deolhonomaterialescolar, Letícia Zamperlini Jacintho, tem três filhos com faixa etária entre cinco e dez anos e faz parte do grupo de pais dedicados a trazer o agro de verdade para as apostilas e materiais didáticos das crianças.

De acordo com Letícia, o material das apostilas reduz o agro a vilão nacional em textos relacionados à reforma agrária, ao trabalho rural e aos povos indígenas, induzindo os alunos a acreditarem que os agricultores são opressores dos pobres no campo. “Ao invés de ensinar os fatos às crianças, colocam mitos sobre o tema. Infelizmente temos pessoas que ainda enxergam o agronegócio com lentes do passado, na época do período colonial. Não queremos bloquear a história, ela existiu, mas desde que ela seja colocada em um contexto correto”, ressalta.

O conteúdo apresentado nas apostilas por algumas instituições destorce a realidade do agro brasileiro que é referência mundial quando apresenta imagens de índios com depoimentos dizendo que foram expulsos de suas terras pelos fazendeiros e que isso colaborou para a destruição da sua cultura.

Redação escrita por uma criança do ensino fundamental de uma escola particular da cidade de Barretos-SP

“O que me deixou horrorizada, tocou no fundo do coração e motivou a começar todo este movimento, foi uma redação da minha filha solicitada pela professora após assistir a uma aula sobre índios. Foi solicitado que as crianças se colocassem no lugar dos indígenas que perderam suas casas por conta do produtor rural. O que me deixou profundamente tocada é o fato da minha filha ter acesso ao agro por conviver com esse mundo e colocar no papel aquele sentimento, fiquei imaginando então uma criança que nunca viu um pé de cana e nunca teve contato com nada em relação ao agronegócio”, disse Letícia Jacintho.

Em outra ocasião, o material cita que na soja do Mato Grosso do Sul contém sangue de criança indígena e sugere para que não comprem biodiesel do MS porque tem sangue de lideranças indígenas. O presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, definiu como absurda essa acusação. “Para começar, a nossa produção de soja corresponde apenas 4% do território brasileiro enquanto as reservas indígenas no Brasil chegam a quase 15% de todo território brasileiro. Na verdade, a soja está salvando as pessoas, melhorando a vida delas, esses índios vivem na miséria e, muito pelo contrário, estamos dando vida a eles”, afirmou Braz.

Ainda no contexto da apostila, cena de trabalho escravo dizendo que quando chegam às fazendas, os trabalhadores ficam sabendo que já devem ao patrão o dinheiro do adiantamento, transporte e alimentação consumidos na viagem. Que no alojamento, alimentação e instrumentos de trabalho, como foices, facões, motosserras e luvas, também são cobrados, tornando-os assim praticamente escravos de seus patrões. “Existem sim maus exemplos e estudá-los é bom para não os repetir, mas há muito mais bons exemplos, que são imensamente maiores. Toda a tecnologia que vemos no agro hoje, a parte social deste agro moderno, é a semente que ajudará essas crianças a serem bons profissionais no futuro”, pontua Letícia.

Na imagem, o conteúdo da apostila do 5º ano de um colégio particular

Outra mãe, com filha adolescente, Andréia Bernabé, que trabalha como consultora no agro, identificou outros exemplos de distorção da imagem do campo nos livros didáticos. De acordo com ela, numa charge, um homem reclama com o delegado que a mulher tentou envenená-lo, servindo pimentão, tomate e alface no jantar. Como sobremesa, uva e morango, uma crítica ao uso de defensivos. “Para explicar, não tem muito contexto com a nossa realidade, não é? Eu nunca ouvi falar que alguém morreu comendo tomate e alface”.

Andréia Bernabé, consultora e integrante do grupo “De Olho no Material Escolar”

Heloísa Sverzut, produtora rural no Mato Grosso, também observou a forma como os livros didáticos da escola das filhas gêmeas, de nove anos, tratavam o agro no Brasil. Na história do Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, a floresta está completamente destruída. O lobo mau corre o risco de extinção e a culpa é do desmatamento provocado pelo homem do campo. “Tentei conversar com minha filha e explicar que essa não era a realidade, não era a verdade, mas ela alegou que se não respondesse na prova da forma como estava no livro a professora iria dizer que estava errado”.

Heloísa Sverzut, produtora rural e integrante do grupo “De Olho no Material Escolar "