Ponto de vista: A recuperação da produtividade da cana-de-açúcar
15/03/2018
Cana-de-Açúcar
POR: Revista Canavieiros
Nos últimos anos, por conta de crise que afetou o setor, as usinas tiveram que enfrentar sérias dificuldades financeiras com medidas restritivas, que levaram à redução dos investimentos na área agrícola. Assim sendo, as empresas cortaram seus investimentos em renovação da lavoura para formação de novos canaviais no lugar das áreas que estavam com baixa produtividade e também na renovação de sua frota que ficou sucateada e, assim, passou a depender dos serviços de terceiros e da cana de fornecedores. Nestas empresas em crise faltaram insumos, terceirizaram serviços mecanizados e também perderam a qualidade nos serviços de manutenção das lavouras.
As áreas mais afetadas foram o combate ao mato e plantio mecanizado, cujas qualidades têm deixado a desejar em muitas localidades. Grande parte dos serviços de colheita também foi terceirizada e o que se observou foi um verdadeiro massacre dos canaviais, pois os prestadores de serviços não obedeceram às recomendações dos fabricantes e das usinas e aceleraram a colheita em busca de melhores rendimentos operacionais, buscando uma aparente redução de custos.
O que aconteceu todo mundo sabe: as produtividades se reduziram para médias entre 65 e 75 t/ha, o que eleva os custos de produção de matéria-prima para valores entre R$90,00 e R$100,00 por tonelada, números estes que se refletem na baixa competitividade da empresa e nos altos custos de produção dos produtos finais, açúcar e etanol, cujos preços também não foram favoráveis nos últimos anos.
Com o intuito de se proceder uma mudança na gestão e nas técnicas de produção de cana para sair da atual e incômoda média de produtividade agrícola e voltar a produzir novamente dentro do potencial de 90 t/ha (como já registrado na década passada), a direção das empresas canavieiras precisam realizar um amplo levantamento de problemas que estão ocorrendo na área agrícola e construir um sólido plano para recuperação da sua produção e produtividade, elegendo as prioridades para que, em curto espaço de tempo, volte a ser viável e competitiva.
Como podemos fazer isto de forma planejada? Por onde devemos começar?
Somente será possível elaborar o plano de recuperação após a realização de um diagnóstico detalhado, com avaliação das condições em que a área agrícola da empresa se encontra no momento. Para que ações corretas sejam tomadas, este trabalho requer uma rápida identificação de necessidades urgentes, de curto e médio prazo, e principalmente, verificar o que a diretoria da empresa pode oferecer para o Capex e Opex nos próximos anos.
É muito importante nesta fase inicial, para que o plano de recuperação da lavoura de cana-de-açúcar seja elaborado com a máxima consistência e objetividade, a execução das tarefas no seu tempo correto, além de ser posto em marcha de imediato. Assim sendo, evita-se redirecioná-lo ou partir para improvisações que desorganizam o sistema produtivo e levam a resultados infrutíferos, causando um aumento nos custos de produção.
Desta forma, para que os resultados surjam rapidamente, o plano de recuperação deve ser elaborado por pessoas experientes, que devem seguir à risca o que foi cronologicamente planejado, afinal estamos tratando de cuidados com os canaviais que são ativos biológicos vivos, com seu ciclo de crescimento e produção bem definidos em qualquer região onde a cana é cultivada. Um atraso na compra de um defensivo ou fertilizante ou retardamento no preparo do solo atrasa todo o trabalho de recuperação e, o pior, perdem-se os melhores períodos para se obter respostas positivas da cana.
No planejamento deve-se realizar o dimensionamento de máquinas, equipamentos, insumos, transporte, atividades de apoio e de mão de obra necessários para cada etapa do processo produtivo. Este planejamento será a base para se elaborar um orçamento anual ou plurianual de modo a se provisionar investimentos e gastos com a manutenção das lavouras.
Outro ponto importante se refere à capacitação de pessoal para que os serviços sejam realizados dentro da melhor técnica possível e os procedimentos operacionais zelem pela qualidade e pelo mínimo de desperdícios. Uma central de controle de serviços deve ser implantada com metas bem estabelecidas e KPIs para todas as atividades. As equipes devem ser motivadas com premiação pelos resultados atingidos, desde que a qualidade dos serviços, os desperdícios, os rendimentos operacionais, a qualidade da matéria-prima e os custos de produção estejam dentro do que foi planejado.
Muitos são os fatores que interferem na produtividade e todos eles ocorrem quase que simultaneamente ou em interfaces sequenciais. Dentre eles podemos citar os seguintes: compactação dos solos, falhas no stand de plantio, excesso de palha na linha, pragas de solo, matocompetição, variedades mal escolhidas e mal manejadas, doenças, presença de umidade nos solos, solos depauperados por cultivos sucessivos ou por erosão, arranquio de touceiras no cultivo ou na colheita mecanizada, fertirrigação, uso de matéria orgânica, florescimento intenso, isoporização dos colmos, intempéries climáticas (geadas, estiagens, granizo, etc.), correção e adubação de solos, épocas corretas de plantio, mudas de má qualidade, planejamento das épocas de colheita, perdas na colheita, tratos culturais mal realizados ou com grande atraso, fitotoxidade de herbicidas, etc.
Todos esses fatores tecnológicos devem ser considerados ao se realizar um plano de recuperação da lavoura e por isso este projeto precisa ser feito por pessoas experientes, com amplo conhecimento técnico operacional da produção canavieira e, principalmente, deve ser amparado por consultores renomados do setor, desde que estes tenham a visão eclética das atividades e um profundo conhecimento das exigências mínimas da cultura. A começar pelo diagnóstico que se não for bem-feito, os principais problemas não serão refletidos no plano de recuperação.
Reuniões de checagem das metas e KPIs estabelecidos devem ser realizados semanalmente para discutir os resultados obtidos e o redirecionamento do que não saiu a contento. Novos desafios devem ser lançados frequentemente. Atualmente temos dois grandes desafios em todo o setor canavieiro: o baixo ATR, principalmente no início de safra, e a queda absurda de produtividade nos últimos meses de safra. Isto pode ser minimizado ao máximo com variedades bem escolhidas, práticas culturais bem-feitas na hora certa, com colheita sem desperdícios e, principalmente, se houver um grande respeito com a lavoura, reduzindo o pisoteio e o arranquio de touceiras.
Uma empresa canavieira pode ter ganhos espetaculares em todas as suas atividades se as pessoas absorverem esta filosofia de trabalho e se sentirem recompensadas a cada avanço que tiverem. Programas de melhoria contínua devem ser vigorosamente implantados, pois somente assim as produtividades podem se manter em níveis satisfatórios de competitividade.
Para atingir estes níveis de qualidade as empresas precisam rever tudo o que estão fazendo e realizar um check up por ano, pois a cada safra saem novas lições que, se bem aproveitadas, levarão as empresas a excelentes patamares de produtividade.
* Dib Nunes Jr. é engenheiro agrônomo e diretor do Grupo IDEA