Ponto de vista: Setor de cana e o uso eficiente do etanol

02/01/2018 Etanol POR: Revista Canavieiros
Por: Jayme Buarque de Hollanda


“O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas a ilusão de conhecimento”. O pensamento do grande físico inglês Stephen Hawkings me vem à cabeça quando ouço que o etanol tem 70% da capacidade da gasolina.

A regra surgiu quando os carros com motor flex foram lançados e os proprietários precisavam decidir com que combustível abastecer. Como esse motor é projetado para usar gasolina e “quebrar um galho” com etanol, esse percentual observado gerou a “ilusão de conhecimento” até porque coincide com a relação entre os poderes caloríficos do etanol e da gasolina. O etanol, no entanto, supera a gasolina em propriedades menos intuitivas, como octanagem, calor latente de evaporação e velocidade da chama, para citar alguns. Um motor a etanol que tire proveito dessas propriedades, além de mais compacto e menos poluente que o equivalente a gasolina deve alcançar o desempenho de um motor diesel.

Desconsiderar a vantagem competitiva do etanol prejudica todos os agentes da cadeia energética da cana, com reflexos significativos para o país. Perdem os milhões de consumidores que só usam etanol e que são levados a consumir mais combustível do que necessário. Perde a agroindústria da cana, que tem seus resultados reduzidos, mercê das incertezas de preço da gasolina. Perdem, finalmente, os fabricantes de veículos que deixam de trabalhar um nicho de mercado potencial de centenas de milhares de veículos por ano.

Identificar e combater a ineficiência no uso do etanol é uma estratégia que só tem ganhadores. Como uma ONG criada para promover a eficiência energética, o INEE – Instituto Nacional de Eficiência Energética entende ser importante desenvolver um trabalho sistemático para apresentar e divulgar junto aos agentes envolvidos as excelentes qualidades do etanol com estudos, avaliações e promoção de ações de demonstração. Organizou diversos Seminários, sendo o mais recente (IV Seminário Sobre O Uso Eficiente do Etanol) no Centro Tecnológico da Mahle, em Jundiaí, onde teve lugar uma ampla e construtiva discussão sobre a substituição do óleo diesel por etanol.

É pouco provável que as montadoras tomem a iniciativa de produzir veículos a etanol eficientes muito embora, quando provocadas no Proálcool, mostraram uma competente e rápida capacidade para se adaptar.  O INEE entende que o setor de cana, embora não produza veículos, é o melhor posicionado para liderar uma revolução pela demonstração do uso virtuoso do etanol que leve a indústria veicular a sair de sua zona de conforto e produzir veículos a etanol com elevada eficiência. Propõe três estratégias.

A primeira, seria contratar o desenvolvimento de um motor Otto otimizado para o etanol. As projetistas melhor qualificadas têm filiais no Brasil onde, por razões óbvias, estão seus especialistas no uso do etanol. A demonstração é fundamental.

A pedido da RFA (Renewable Fuel Association), a RICARDO, projetista de motores dos EUA, desenvolveu um motor Otto com 3,2 litros que substituiu um motor diesel de 6,6 litros de uma caminhonete! O etanol puro por lá não tem a importância observada no Brasil.

A segunda seria usar seu poder de compra para encomendar, junto à indústria, tecnologias que usem etanol no lugar de diesel para o plantio, irrigação, colheita e transporte no campo. Em 2010 a Iveco desenvolveu um caminhão que substituiu quase metade do diesel por etanol, com resultados positivos e economicamente viáveis. A experiência ganhou prêmios, mas não foi adiante por falta de encomendas.  Uma retomada do projeto hoje com as tecnologias atuais e a redução do subsídio ao diesel deve produzir resultados mais atraentes. Vai contribuir ainda para reduzir a dependência do etanol ao diesel, pois a agroindústria da cana consome cerca de 5% do diesel usado no país. Por conta dos acordos do clima essa dependência vai ser medida regularmente, avaliada e cobrada. 

Em terceiro lugar, uma ação importante seria estimular o uso do etanol em veículos pesados elétrico-híbridos. Em cidades como São Paulo, onde as emissões do diesel são muito nocivas, há forte pressão para substituí-lo. A mídia enfoca as modalidades de eletrificação pura (trólebus, VLT, veículos a bateria), mas a hibridação que use como fonte primária motor otimizado para o etanol é uma solução viável com expectativa de menores investimentos e de resultados significativos, dada a origem renovável do etanol. Há mais de um fabricante capacitado no Brasil e, curiosamente, a entidade mais avançada nessa iniciativa é a Itaipu Binacional!

*Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral do INEE (Instituto Nacional de Eficiência Energética) e gerente do projeto Etanol Eficiente