Produtos artesanais e tradicionais
18/04/2018
Açúcar
POR: Revista Canavieiros
Por: Diana Nascimento
O melado, a rapadura e, principalmente, o açúcar mascavo, têm ganhado a preferência de pessoas que buscam uma alimentação mais saudável, pois estes produtos apresentam características nutricionais mais interessantes do que os chamados açúcares brancos (cristal e refinado).
A cachaça também tem seu público fiel, composto por diferentes classes sociais, que buscam nesta bebida, genuinamente brasileira, padrões de qualidade semelhantes aos destilados importados.
"Estamos em um momento onde a bebida está com perspectivas positivas em seu conceito, tanto no mercado interno quanto externo.Um artigo recente dojornal Valor Econômico destacou que a cachaça se tornou aposta das multinacionais no setor de destilados. O melado, a rapadura e o açúcar também estão passando por um momento de valorização, onde os consumidores têm feito escolhas por produtos mais naturais e que sejam produzidos dentro dos conceitos de sustentabilidade ambiental e social", ressalta Valmira Cruzeiro, técnica da Aptade Jaú (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
O processo de produção de açúcar mascavo, melado, rapadura e cachaça se utiliza de técnicas artesanais e tradicionais, muitas vezes centenárias e ensinadas por gerações aos produtores, que em sua maioria, são pequenos agricultores familiares.
Nicho de mercado
Estes produtos são normalmente encontrados em casas de produtos naturais, empórios e até feiras livres, onde são adquiridos diretamente de seus produtores. As redes sociais também são bastante utilizadas na divulgação dos mesmos.
"Diversos produtores encontraram nestes produtos uma forma de agregação de valor à cana-de-açúcar, sendo muitas vezes fator determinante para que os pequenos produtores possam continuar na atividade canavieira", observa Valmira.
A pesquisadora, também do Apta de Jaú, Gabriela Aferri, conta que atualmente existem vários eventos que reúnem os produtores e os consumidores destes produtos. "São pessoas que se encontram em redes sociais e trocam informações e experiências sobre todos os aspectos, desde o início da produção até o consumo, com grande apelo sensorial. Além disso, há a comercialização tradicional dos produtos em feiras livres e casas de comércio com grande circulação de pessoas, bem como no próprio ambiente de produção nas fazendas", diz.
O investimento para participar deste mercado depende muito do tamanho e dos objetivos do produtor. Não há um modelo único. No caso do produtor de açúcar, melado e rapadura, o maior investimento se dá na aquisição de uma moenda elétrica e os demais equipamentos podem ser adquiridos a baixo custo.
Já a produção de cachaça demanda um investimento maior, principalmente em estrutura e equipamentos como dorna, destilador, resfriador, tonéis de armazenamento e outros, variando muito em função da escala de produção.
"É importante que o produtor tenha conhecimentos de boas práticas de produção que vão desde a formação e condução de um canavial sadio, formas de avaliação da maturação da cana, além de processos de cozimento do açúcar e de fermentação do caldo, no caso da cachaça", salienta Gabriela.
Também é fundamental que o produtor conheça os conceitos de segurança alimentar, proteção do meio ambiente e legislação do setor. "A Apta atua na capacitação de produtores, fornecendo treinamento e divulgando conhecimento para aqueles que desejam iniciar a atividade ou aperfeiçoar seus conhecimentos", completa a pesquisadora.
Para o professor da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo), Marcos Fava Neves, esses produtos implicam em um nicho para o produtor de cana. "Temos que resgatar a história destes produtos, que têm todo um folclore, uma parte histórica extremamente bonita. Não dá para tratar todos da mesma forma, mas a cachaça é um caso de sucesso no Brasil e no mundo, com exportações cada vez maiores e desenvolvimento do mercado interno com cachaças nobres e de origem. Já os outros produtos também têm condições de desenvolver mercado em pequenas quantidades, mercado de snacks, sobremesas e outros. Cabe ao setor resgatar o seu histórico e tratar estes produtos com mercadologia ou marketing contemporâneo", atenta.
Cachaça é destaque
De acordo com Valmira, a cachaça deixou de ser uma bebida associada à população de baixa renda e atingiu as classes sociais mais altas, sendo comparada, em termo de preço e qualidade, aos demais destilados como whisky, vodca, gim e outros, tradicionalmente importados.
"O fato da cachaça ser uma bebida genuinamente brasileira tem um valor subjetivo de valorização das nossas origens que tem feito sentido para os consumidores mais exigentes", pontua Valmira.
Algumas cachaças se destacam pela composição de blends que buscam melhorar as características sensoriais, produzindo uma experiência de degustação mais refinada. Outra técnica bastante empregada atualmente é o envelhecimento por diferentes períodos e em diversas madeiras. "A combinação desses fatores tem sido empregada para a produção de bebidas diferenciadas, únicas e exclusivas para o atendimento de um público especializado no Brasil e no exterior", comenta Gabriela.
Com o fenômeno cultural da gourmetização, cresceu o mercado dos consumidores de paladar mais apurado, que buscam, além de um destilado de qualidade, uma boa apresentação da cachaça e a história por trás da sua produção. "As cachaças gourmets utilizam-se mais dos processos de envelhecimento, dos blends e aromatização, a fim de se obter um novo paladar com características mais requintadas", explica Gabriela.
Cachaça e variedade de cana
Não há comprovação científica de que uma variedade de cana influencie diretamente na composição química e sensorial da uma cachaça. Segundo a pesquisadora da APTA, Elisângela Marques Jerônimo Torres, o que realmente interessa em uma variedade de cana para a fabricação da cachaça é a produtividade agrícola, sanidade dos colmos e a riqueza em sacarose do caldo. "São recomendados aqueles materiais que se adequam às condições de clima e solo da propriedade em que está instalado o alambique”, afirma.
Elisângela também explica que um dos pontos importantes no processo de produção da bebida está na qualidade tecnológica dos colmos da cana, que devem ser colhidos no ponto ideal de maturação, com o máximo teor de sacarose, sem queima e serem moídos preferencialmente no mesmo dia da colheita.
O produtor também deve estar atento ao estabelecimento do cultivo de variedades com ciclos de maturação diferentes, para contar com a produção de matéria-prima com o maior acúmulo de sacarose, durante todo o período de fabricação da cachaça ao longo da safra de cana. “As variedades precoces atingem a maturação logo no início da safra, em maio e junho. As médias, no meio da safra, entre agosto e setembro, e as tardias, em outubro e novembro”, esclarece a pesquisadora.
Fermentação e destilação
Elisângela menciona que a riqueza em sacarose do caldo é importante para a elaboração do mosto – líquido açucarado usado na fermentação – que deve estar em torno de 15º Brix, enquanto que o caldo de cana madura pode atingir de 21 a 23º Brix. "Na prática, o Brix tem uma relação direta com o teor de açúcares do caldo de cana. A diluição do caldo para obtenção do mosto é realizada com água. É na etapa de fermentação alcoólica que são produzidos os principais componentes químicos da bebida, pela ação da levedura. Por isso, é uma fase muito importante no processo de produção, em que há influência direta sobre as características da bebida", ressalta.
O desempenho do processo fermentativo é significativamente afetado pela linhagem da levedura, que varia em função do processo de fermentação e procedimento de preparo do fermento.
O fermento utilizado na produção pode ser o “caipira” que, para ser elaborado, aproveita as leveduras presentes no próprio colmo da cana. Neste caso, a microbiota presente nos colmos é diversificada em função das características de clima e solo de cada região, provocando variações no desenvolvimento da fermentação ao longo da safra. Outra condição é a utilização do fermento “misto”, em que o processo caipira é reforçado pela adição de fermento comercial de panificação.
"Os produtores também podem optar pela utilização de linhagens selecionadas para a produção de cachaça, já disponíveis comercialmente ao produtor e que auxiliam na padronização do processo ao longo da safra e, consequentemente, nos lotes de cachaça produzidos. Assim, cada tipo de fermento atuará no processo de forma a produzir determinados compostos, em maior ou menor quantidade, que influenciarão a composição do vinho (mosto fermentado) a ser destilado para a obtenção da cachaça", esclarece a pesquisadora.
Outro ponto importante que compõe a característica química e sensorial da bebida é o equipamento utilizado na etapa da destilação, que pode ser coluna de destilação ou alambique. “No caso de alambique, há influência do modelo e geometria do aparelho (um corpo ou três corpos, por exemplo), do material (cobre ou inox), além da forma de aquecimento (vapor ou fogo direto) e o fracionamento do destilado, conhecido como 'cabeça', 'coração' e 'cauda'”, afirma Elisângela.
A cachaça bem elaborada é composta apenas pela fração “coração”, onde se concentram os compostos de aroma e sabor adequados para a qualidade química e sensorial da bebida.
Após a obtenção do destilado, o produtor pode adotar ou não o envelhecimento do mesmo, utilizando barris de madeira e de diversas espécies como carvalho, amburana, amendoim, cabreúva e outras, que também influenciam diretamente nas características finais da bebida.