A concorrência global no setor do aço já está muito acirrada e o novo presidente americano Donald Trump pode levar o cenário ao limite. Com excesso de capacidade produtiva que beira 800 milhões de toneladas, uma série de barreiras comerciais criadas e empresas se acotovelando para conquistar novos mercados, o Brasil pode sofrer ainda mais nesse cenário, principalmente enquanto a demanda interna não se recupera. A siderurgia é bastante representativa da onda de protecionismo que percorre o mundo. Em entrevista recente ao Valor, Rômel de Souza, presidente da Usiminas, afirmou que o mundo parece ter invertido a trajetória das décadas passadas, indo da globalização para o protecionismo. "Os mercados estão se fechando e enxergamos uma espécie de guerra comercial do aço", afirmou o executivo. Quem lidera as reclamações comerciais são os Estados Unidos, com a China como alvo máximo. Só sobre aço, são sete ações de antidumping e medidas compensatórias em análise no país, sendo duas contra os chineses, mostra dados do "Global Trade Alert" levantados pela Associação Latino¬americana do Aço (Alacero). As medidas já implantadas somam 44 no total e 19 em relação à China. As usinas nacionais exportaram 12,5 milhões de toneladas de aço no ano passado, 6,7% a menos do que em 2015 A expectativa é que Trump endureça ainda mais a entrada de produtos estrangeiros. "Hoje o que vemos não é exatamente guerra comercial. Os países ainda seguem as regras", diz John Lichtenstein, diretor de recursos naturais da Accenture. "Parece improvável que vire guerra generalizada, mas Trump é capaz disso." Ao redor do mundo são 93 processos para o setor em análise e 185 vigentes. "Não tem um país que não tenha feito antidumping com aço em todo o mundo", crava François Santos, sócio da consultoria A.T. Kearney no Brasil. "Mas essa medida não resolve o problema estrutural, porque é necessário competitividade natural para sobreviver. No longo prazo, o antidumping não protege os mercados." As usinas nacionais exportaram 12,45 milhões de toneladas de aço durante o ano passado, 6,7% a menos do que em 2015. O valor conquistado com essas vendas, seja pelo menor valor agregado dos produtos ou por descontos concedidos para conseguir competir nesse ambiente, caiu ainda mais, um recuo de 13,8%, para US$ 4,98 bilhões. Mesmo assim, a importância de enviar seus produtos ao exterior é reforçada pela taxa de exportação frente ao total produzido. Em 2015, foi escoado 40,1% do volume fabricado, proporção que cresceu para 41,2% em 2016. Sem consumo no Brasil, e mesmo após o desligamento de altos¬fornos, as siderúrgicas precisam de compradores estrangeiros para diminuir a ociosidade do setor, hoje próxima a 45%. O problema é que está cada vez mais difícil para as siderúrgicas daqui vender em outros países. No caso do Brasil, os EUA já levantaram barreiras contra laminados a frio e a quente. A Europa também iniciou o registro de laminados a quente, para potencial antidumping retroativo. A Usiminas, por exemplo, líder em planos, sofreu queda de 60% nas exportações de janeiro a setembro de 2016 ¬ último balanço disponível ¬, frente a igual período de 2015. Os EUA, sempre um dos maiores na carteira de clientes, agora são destino de 15% dos volumes de venda ao exterior ¬ um ano antes, atendiam por 27%. "É natural para o Brasil conseguir exportar, seja pela eficiência das usinas ou pela infraestrutura para tal", comenta Lichtenstein, da Accenture, que é especialista em siderurgia. "EUA e Europa são os maiores [clientes] historicamente, mas, não podendo ser acessados, a exportação fica mais difícil. As empresas vão precisar de criatividade para encontrar e conquistar mercados." Para Marco Polo de Mello Lopes, presidente¬executivo do Instituto Aço Brasil, a competitividade das siderúrgicas nacionais poderia ser maior. A entidade calcula que só de resíduo tributário são 7% para o setor. Isso impede, diz, as usinas de concorrer de igual para igual e, por isso, pede ao menos alíquota maior do Reintegra, programa de compensação a exportadoras. "Não temos mercado interno, então a exportação se torna a única alternativa e as empresas vendem lá fora como conseguem", explica Lopes. "Isso chega a ser considerado antidumping por alguns, mas estamos perdendo ou trabalhando na risca do custo de produção para não parar máquinas atualmente." Rafael Rubio, diretor¬geral da Alacero, vê oportunidades, apesar de mais escassas do que se encontrava nos mercados tradicionais ¬ e também sem uma relação de longo prazo, como era com americanos e europeus. Ele opina que poderia ser interessante focar em áreas com maior crescimento previsto em cinco a dez anos. "A própria América Latina é uma opção. Temos falado muito sobre integração comercial e agora seria uma boa hora", diz Rubio. "Outras regiões importantes seriam a África e até o Oriente Médio. São oportunidades, mas não caem do céu." Há potencial, ainda, de que o Brasil receba os produtos que não passaram na barreira comercial de grandes mercados, como os EUA. "Até agora Trump não foi específico sobre a siderurgia, mas se houver mais fechamento, haverá grande desvio de comércio para outros países", aposta Rubio. "Isso vai ser um fator¬chave para o setor na América Latina." Santos, da A.T. Kearney, não acredita que o mercado brasileiro será alvo preferencial. "O Brasil não é mercado prioritário, o consumo é baixo frente a desenvolvidos", opina. "É um canal de escoamento adicional, claro, mas a sobreoferta é tão grande que eu vejo um alagamento total no mundo." Um meio de aliviar o ambiente seria cuidar do excesso de capacidade. Lichtenstein, da Accenture, lamenta que quase nada tenha sido feito nesse sentido em 2016, mas lembra que a semente está plantada. "Estamos vendo mais esforços da China e do G¬20 e a pressão política é grande."
Por Renato Rostás
A concorrência global no setor do aço já está muito acirrada e o novo presidente americano Donald Trump pode levar o cenário ao limite. Com excesso de capacidade produtiva que beira 800 milhões de toneladas, uma série de barreiras comerciais criadas e empresas se acotovelando para conquistar novos mercados, o Brasil pode sofrer ainda mais nesse cenário, principalmente enquanto a demanda interna não se recupera. A siderurgia é bastante representativa da onda de protecionismo que percorre o mundo. Em entrevista recente ao Valor, Rômel de Souza, presidente da Usiminas, afirmou que o mundo parece ter invertido a trajetória das décadas passadas, indo da globalização para o protecionismo. "Os mercados estão se fechando e enxergamos uma espécie de guerra comercial do aço", afirmou o executivo. Quem lidera as reclamações comerciais são os Estados Unidos, com a China como alvo máximo. Só sobre aço, são sete ações de antidumping e medidas compensatórias em análise no país, sendo duas contra os chineses, mostra dados do "Global Trade Alert" levantados pela Associação Latino¬americana do Aço (Alacero). As medidas já implantadas somam 44 no total e 19 em relação à China. As usinas nacionais exportaram 12,5 milhões de toneladas de aço no ano passado, 6,7% a menos do que em 2015 A expectativa é que Trump endureça ainda mais a entrada de produtos estrangeiros. "Hoje o que vemos não é exatamente guerra comercial. Os países ainda seguem as regras", diz John Lichtenstein, diretor de recursos naturais da Accenture. "Parece improvável que vire guerra generalizada, mas Trump é capaz disso." Ao redor do mundo são 93 processos para o setor em análise e 185 vigentes. "Não tem um país que não tenha feito antidumping com aço em todo o mundo", crava François Santos, sócio da consultoria A.T. Kearney no Brasil. "Mas essa medida não resolve o problema estrutural, porque é necessário competitividade natural para sobreviver. No longo prazo, o antidumping não protege os mercados." As usinas nacionais exportaram 12,45 milhões de toneladas de aço durante o ano passado, 6,7% a menos do que em 2015. O valor conquistado com essas vendas, seja pelo menor valor agregado dos produtos ou por descontos concedidos para conseguir competir nesse ambiente, caiu ainda mais, um recuo de 13,8%, para US$ 4,98 bilhões. Mesmo assim, a importância de enviar seus produtos ao exterior é reforçada pela taxa de exportação frente ao total produzido. Em 2015, foi escoado 40,1% do volume fabricado, proporção que cresceu para 41,2% em 2016. Sem consumo no Brasil, e mesmo após o desligamento de altos¬fornos, as siderúrgicas precisam de compradores estrangeiros para diminuir a ociosidade do setor, hoje próxima a 45%. O problema é que está cada vez mais difícil para as siderúrgicas daqui vender em outros países. No caso do Brasil, os EUA já levantaram barreiras contra laminados a frio e a quente. A Europa também iniciou o registro de laminados a quente, para potencial antidumping retroativo. A Usiminas, por exemplo, líder em planos, sofreu queda de 60% nas exportações de janeiro a setembro de 2016 ¬ último balanço disponível ¬, frente a igual período de 2015. Os EUA, sempre um dos maiores na carteira de clientes, agora são destino de 15% dos volumes de venda ao exterior ¬ um ano antes, atendiam por 27%. "É natural para o Brasil conseguir exportar, seja pela eficiência das usinas ou pela infraestrutura para tal", comenta Lichtenstein, da Accenture, que é especialista em siderurgia. "EUA e Europa são os maiores [clientes] historicamente, mas, não podendo ser acessados, a exportação fica mais difícil. As empresas vão precisar de criatividade para encontrar e conquistar mercados." Para Marco Polo de Mello Lopes, presidente¬executivo do Instituto Aço Brasil, a competitividade das siderúrgicas nacionais poderia ser maior. A entidade calcula que só de resíduo tributário são 7% para o setor. Isso impede, diz, as usinas de concorrer de igual para igual e, por isso, pede ao menos alíquota maior do Reintegra, programa de compensação a exportadoras. "Não temos mercado interno, então a exportação se torna a única alternativa e as empresas vendem lá fora como conseguem", explica Lopes. "Isso chega a ser considerado antidumping por alguns, mas estamos perdendo ou trabalhando na risca do custo de produção para não parar máquinas atualmente." Rafael Rubio, diretor¬geral da Alacero, vê oportunidades, apesar de mais escassas do que se encontrava nos mercados tradicionais ¬ e também sem uma relação de longo prazo, como era com americanos e europeus. Ele opina que poderia ser interessante focar em áreas com maior crescimento previsto em cinco a dez anos. "A própria América Latina é uma opção. Temos falado muito sobre integração comercial e agora seria uma boa hora", diz Rubio. "Outras regiões importantes seriam a África e até o Oriente Médio. São oportunidades, mas não caem do céu." Há potencial, ainda, de que o Brasil receba os produtos que não passaram na barreira comercial de grandes mercados, como os EUA. "Até agora Trump não foi específico sobre a siderurgia, mas se houver mais fechamento, haverá grande desvio de comércio para outros países", aposta Rubio. "Isso vai ser um fator¬chave para o setor na América Latina." Santos, da A.T. Kearney, não acredita que o mercado brasileiro será alvo preferencial. "O Brasil não é mercado prioritário, o consumo é baixo frente a desenvolvidos", opina. "É um canal de escoamento adicional, claro, mas a sobreoferta é tão grande que eu vejo um alagamento total no mundo." Um meio de aliviar o ambiente seria cuidar do excesso de capacidade. Lichtenstein, da Accenture, lamenta que quase nada tenha sido feito nesse sentido em 2016, mas lembra que a semente está plantada. "Estamos vendo mais esforços da China e do G¬20 e a pressão política é grande."
Por Renato Rostás