Recorde na produção de bioeletricidade reforça importância estratégica do setor sucroenergético – Zilmar José de Souza
14/10/2013
Meio Ambiente
POR: Zilmar José de Souza é gerente em bioeletricidade da Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e professor do curso de MBA em agronegócios da FGV-SP.
Em agosto, a bioeletricidade gerou o maior volume de excedentes desde a primeira venda para o sistema elétrico em 1987, mas o setor sucroenergético precisa de um planejamento dedicado.
Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE (2013), em agosto último, a fonte biomassa em geral (bagaço/palha de cana, resíduos de madeira, capim elefante etc.) atingiu uma geração mensal de 3.169 MW médios, um valor 26% a agosto do ano anterior. Essa oferta representou 9% da demanda total por energia elétrica no submercado Sudeste/Centro-Oeste naquele mês, onde se encontra a maioria das unidades geradoras sucroenergéticas do país. O total gerado em agosto pela bioeletricidade é o maior volume registrado desde que se iniciou, em meados de 1987, a comercialização de excedentes de energia elétrica pela indústria sucroenergética, que representa 82% da capacidade instalada pela fonte biomassa na matriz energética brasileira.
Essa geração ocorre justamente no período conhecido como “seco” do setor elétrico, de maio a novembro, quando as tarifas para o consumidor cativo e o preço no mercado livre são mais altas, refletindo o maior custo de produção de energia elétrica devido à menor quantidade de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, levando à necessidade de complementação da carga por geração térmica convencional, que é mais cara. Por outro lado, tendo sido o mês de agosto o de menor precipitação na Região Centro-Sul, responsável por 90% da cana de açúcar moída no país, revela-se momento propício para a colheita e processamento da cana e, portanto, de biomassa para a geração de energia elétrica para o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Em agosto, o volume de geração de energia da biomassa para o SIN só foi inferior ao volume das fontes hídrica e gás natural, sendo quase duas vezes ao volume da fonte nuclear, quatro vezes ao da fonte eólica e dez vezes ao volume de geração de termelétricas a óleo e bicombustíveis (gás natural e óleo). Assim, a geração da biomassa predominantemente no período seco evitou pagamentos adicionais via Encargos por Razão de Segurança Energética, contribuindo para a segurança e modicidade tarifária no suprimento de energia elétrica.
Além disso, a geração de energia elétrica pela bioeletricidade, adotando-se o fator de emissão da linha de base para o ano de 2012, de janeiro a agosto deste ano teria evitado o equivalente à emissão de mais de quatro toneladas de CO2 na matriz de emissões brasileira. Considerando a Lei nº 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e estabeleceu a meta para o Brasil de reduzir, até 2020, entre 36,1 e 38,9% suas emissões totais de GEE projetadas para o ano de 2020, a atual produção e expansão da bioeletricidade são estratégicas para o cumprimento desse importante objetivo nacional.
Até 2021, o potencial técnico de bioeletricidade da cana, com o aproveitamento do bagaço, palha e pontas, é estimado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em algo como 25 GW médios, mais de cinco vezes a garantia física atribuída à Usina Belo Monte. No entanto, segundo o Ministério de Minas e Energia, em 2012, o setor sucroenergético ofertou ao SIN apenas 1,4 GW médios. O maior aproveitamento desse potencial da bioeletricidade da cana passa pela construção de diretrizes que estimulem o investimento de longo prazo nessa energia renovável e estratégica para o país.
Alterações institucionais podem criar um ambiente favorável aos investimentos, sendo este um dos objetivos principais dos agentes públicos. Nesta linha, entende-se que a criação de um produto térmico no 1º Leilão A-5/2013, promovido pelo Governo Federal, foi uma pequena alteração institucional que contribuiu para começarmos esse processo de construção desse ambiente favorável à bioeletricidade. A fonte de geração a partir da biomassa da cana teve uma participação de 19% no total de lotes contratados durante o 1º Leilão A-5. Depois de vendermos zero projeto no A-5 de 2012, a biomassa da cana comercializou sete projetos cujo investimento significará agregar quase R$ 1 bilhão à cadeia produtiva sucroenergética.
Mas precisamos avançar e evitar que os resultados do 1º Leilão A-5/2013 tenham sido espasmódicos para a bioeletricidade sucroenergética. Nesta linha, o papel desempenhado pela biomassa de cana nos leilões regulados pode ser bem mais significativo caso algumas externalidades positivas por esta fonte de geração (como as citadas nos parágrafos anteriores) sejam adequadamente consideradas no modelo de precificação.
Estamos indo para uma década com o atual marco regulatório de comercialização, sob a égide dos leilões regulados promovidos pelo Governo Federal. Para os leilões regulados, objetivando-se capturar externalidades das diversas fontes, foram criadas várias regras e critérios, dentre eles a separação da demanda entre produtos “hídrico” e “térmico” (como observamos no último leilão A-5) e a criação de leilões específicos para determinados tipos de fontes de energia (como já aconteceu para a biomassa e eólica no passado). Precisamos ir além e aprimorar o marco regulatório com o refinamento do modelo de precificação nos leilões regulados.
A valorização e a consideração por meio de fatores de diferenciação (quanto ao custo de transporte, perdas na transmissão, a real complementaridade com a fonte hídrica, às emissões de Gases de Efeito Estufa etc.) são essenciais para criar condições mais equilibradas para os próximos leilões de energia elétrica. O critério de decisão nos certames regulados não deve ser apenas o preço da geração, em R$/MWh, mas sim a definição do preço global para o sistema daquela geração contratada em determinado submercado geoelétrico.
Em 2012, a bioeletricidade em geral (incluindo não somente a do setor sucroenergético) teve um crescimento da ordem de 30% em relação a 2011. Justamente no ano em que, no mês de dezembro, a Energia Armazenada nos Reservatórios (EAR) do submercado Sudeste/Centro-Oeste atingiu o menor percentual (28,86%) em relação ao seu máximo desde o advento do racionamento de energia em 2001. Em 2013, a bioeletricidade em geral, mantida a mesma geração de setembro a dezembro de 2012 até o fim deste ano, deve aumentar em mais de 20% seu volume de geração de 2013 em relação a 2012, contribuindo para a segurança e confiabilidade do sistema elétrico em seus períodos mais críticos.
Boa parte desse crescimento da bioeletricidade foi devido à comercialização que aconteceu nos leilões regulados passados, mas, desde 2009, a contratação da bioeletricidade não ocorre de forma regular nos leilões, o que deve desacelerar seu crescimento nos próximos anos. Dada sua importância estratégica, temos que enfrentar o aprimoramento do modelo de precificação nos leilões regulados, incorporando suas externalidades positivas e estimulando a expansão da bioeletricidade no SIN. Deve-se evitar a descontinuidade, ocorrida até o ano passado, na contratação no ambiente regulado, ainda hoje a principal “porta de entrada” para essa fonte no setor elétrico brasileiro (Zilmar José de Souza é gerente em bioeletricidade da Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e professor do curso de MBA em agronegócios da FGV-SP).