Relações trabalhistas no campo, vigilância redobrada

10/11/2023 Noticias POR: Marino Guerra

Ou segue integralmente as regras ou parte para o mecanizado, esse foi o recado que tanto o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas-SP, desembargador Dr. Samuel Hugo Lima, como o auditor fiscal do Trabalho e coordenador de Fiscalização Rural no estado de SP – Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Fernando da Silva, (que foi representante da bancada de governo na revisão da NR-31), deram no 1º Fórum de discussão sobre as Relações de Trabalho no Campo promovido no início de outubro pela Canaoeste.

Em sua apresentação, Hugo Lima iniciou destacando da importância em se ter um advogado trabalhista com atuação especializada nas questões preventivas, pois, ao utilizar trechos da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e do Código Civil, ficou claro o entendimento de que o empregador não é responsável somente em dar condições de trabalho, mas vigiar se as mesmas estão sendo cumpridas.

A princípio, de um modo generalista, ele citou diversas atitudes relacionadas ao conceito de Compliance, o qual definiu como o estabelecimento de ordens baseadas e explicadas num código de conduta que precisa ter seu conteúdo transmitido tanto para o público interno como o externo.

E citou diversas situações do cotidiano, como por exemplo, em relação a problemas de assédio moral ou sexual, onde é comum as normas de conduta profissional dos EUA alertar sobre beijos, abraços e elogios à vestimenta do colega.

A autoridade da Justiça do Trabalho também lembrou que quanto a saúde e segurança não basta apenas fornecer o EPI (Equipamento de Proteção Individual) tem que treinar sobre a forma correta de utilização e vigiar se os colaboradores estão realmente usando.

Ele ainda destacou situações como a divergência entre empregados e superiores, a forma de aplicação de normas disciplinares e a comunicação do que é permitido ou não no ambiente de trabalho, como o uso da internet por exemplo.

Para finalizar o tema “Compliance”, o desembargador mostrou uma lista das principais ferramentas que precisam ser colocadas em ação para serem utilizadas como meios que provem as atitudes do empregador em gerar o melhor ambiente possível e seu esforço para estar dentro das exigências legais.

A relação é composta das seguintes ações: Código de Conduta (que precisa ser apresentado e explicado no primeiro dia de trabalho), realização de palestras e treinamentos, criar canais de denúncia (para público interno e externo) de fácil acesso, ter políticas de investigação e medidas disciplinares claras, documentação das aplicações das faltas e criação de relatórios de avaliação das mesmas, proteção de dados (LGPD) e auditorias internas e monitoramento constantes para garantir o funcionamento e aperfeiçoar o conjunto de medidas.

Trabalho Análogo à Escravidão

Ao entrar no tema que levou a grande maioria do público ao evento, Hugo Lima deixou claro que no caso de ocorrência a omissão também responde, bem como o preposto: “O fato aconteceu, eu não vigiei, também vou ter que responder”.

Como jurisprudência ele citou dois TAC (Termo de Ajuste de Conduta) firmado entre empresas autuadas e o Ministério Público do Trabalho. O primeiro de uma grande marca de roupa que se comprometeu em zelar pelas oficinas dos fornecedores terceiros, estabelecer formas de controle de grande parte da cadeia produtiva (corte, costura, acabamento de roupa) especialmente nas formas de contratação.

O segundo caso, foi de uma importante vinícola do Sul do Brasil que se absteve de contratar empresas inidôneas, assumiu a obrigação de fiscalizar áreas de vivência e as medidas de segurança do trabalho, além de promover campanhas contra trabalhos análogos à escravidão.

Após citar os valores pesados das multas individuais e coletivas que ambas empresas tiveram que pagar, ele finalizou sua participação lembrando que é muito caro para um negócio trabalhar com a política de se contratar qualquer um, por qualquer preço.

A fiscalização não vai parar

Dito que sem ações preventivas claras, além do cumprimento integral da lei, dificilmente o produtor que vier sofrer uma autuação terá êxodo no tribunal, foi a vez do representante da fiscalização, Fernando da Silva, falar sobre qual deve ser a conduta para evitar problemas.

No início de sua palestra, ele foi bastante claro ao dizer que até meados de 2017 a cultura canavieira vinha dando exemplos na redução de ocorrências em relação aos dois grandes pilares observados pelo Ministério do Trabalho, a contratação regular e a implementação da NR 31 (norma que estabelece preceitos a serem observados na organização e no ambiente de trabalho rural).

Contudo, nos últimos anos, a direção do gráfico se inverteu aumentando a frequência de autuações principalmente ligadas à temporada de plantio da cana.

Com o objetivo de orientar o setor produtivo, tanto que o grupo de fiscalização além do trabalho no campo também está emprenhado na participação de eventos e fóruns, foi apresentado o resultado de operações onde foram identificados trabalhadores sem registro, empresas de prestação de serviços sem CNPJ e sem contrato, uso de vestimentas inadequadas e sem padrão, não identificados ou encontrados em estado deplorável áreas de vivência e banheiros, plantio em cima do caminhão, trabalhadores migrantes e menores de idade, diversas irregularidades nos alojamentos e ônibus de transporte, trabalho exaustivo, falta de EPIs e remuneração apenas por produção.

E assim o setor acumulou seis casos de trabalhos análogos à escravidão, o que parece pouco perante a magnitude do universo canavieiro paulista, porém por outro lado, para quem vende energia verde, um caso já é o bastante para causar estragos na imagem de maneira global.

Outro ponto destacado pelo servidor público é quanto a contratação de profissionais advindos de outros estados, os quais se encontram quase sempre de forma irregular, onde uma simples mensagem em qualquer aplicativo de conversa, já pode configurar como um convite para o emprego: “no caso do trabalhador migrante, que não precisa nem ser de outro estado, é preciso atender alguns quesitos como a contratação no local de origem, transporte regular de ida e volta e cumprir com tudo o que foi acordado”.

E alerta para os produtores que ao decidirem pela contratação de mão-de-obra terceirizada checarem se o CNPJ da empresa é válido, se eles têm um capital social conforme o número de empregados, estabelecer um contrato registrado e, além de fornecer, fiscalizar o uso correto dos equipamentos relacionado à saúde e segurança no trabalho.

Para finalizar com a seguinte frase: “A grande maioria das ocorrências foram encontradas diversas irregularidades, porém o que todas tinham em comum era a falta total de estrutura dos empreiteiros, o que transferiu a responsabilidade para o proprietário. Vale ressaltar que também encontramos prestadores de serviço em total conformidade com a lei”.

Plantio em cima de veículo

A última parte do fórum foi marcada por um debate onde além de Silva, participaram o gestor corporativo da Canaoeste, Almir Torcato; a consultora para assuntos sindicais e trabalhistas da Unica, Elimara Sallum, o gerente de SSMA da Raízen, Kleber de Luca; e o representante da BBMO Advogados Associados e Assessoria, Jader Solano.

Incentivados por perguntas do público, o ponto alto da conversa foi sobre a questão da regulamentação de implementos de plantio que o trabalhador execute a atividade dentro de sua carreta. Segundo Silva, essa forma é proibida desde que o fabricante tenha projeto homologado e mostre condições de uso avaliadas por empresas especialistas em segurança no trabalho.

Sobre este aspecto, Solano identificou uma lacuna na norma, por não nominar um órgão que valide os equipamentos, o que foi consenso de todos e pode ser consertado nas reuniões de revisão da NR-31 a qual é formada por um colegiado com representantes do governo, dos trabalhadores e da iniciativa privada.

Para quem conhece o setor a fundo, sabe que o processo de plantio mecanizado ainda demanda de melhorias em diversos pontos, também há uma crônica falta de mão de obra para a realização do manejo de forma manual, somado a todo o rigor da lei, como ficou claro no fórum, exigindo muito mais planejamento em um momento bastante delicado como é o da reforma de um canavial, em resumo: as vantagens em se trabalhar a longevidade da soqueira ganha mais um item.