Por: Fernanda Clariano
O RenovaBio - projeto que visa estimular a produção de biocombustíveis em todo o país, estabelecer metas nacionais de redução de emissões para a matriz de combustíveis e criar uma política específica para os biocombustíveis, vem sendo muito discutido pelo setor sucroenergético. A Revista Canavieiros conversou com o gerente de economia e análise setorial da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Luciano Rodrigues, para tirar algumas dúvidas sobre este importante projeto. Confira a entrevista.
Revista Canavieiros: Como ficará a questão do RenovaBio após a sansão? Haverá um prazo para a regulamentação do programa?
Luciano Rodrigues:O Projeto de Lei foi aprovado no Senado Federal, no dia 12 de dezembroestabelece seis meses para a definição de uma meta nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), também conhecida como metas de descarbonização, e outros 18 meses para a conclusão dos demais itens associados à regulamentação do programa.
Revista Canavieiros: O Brasil é o 2º maior mercado de etanol. Com a aprovação do RenovaBio, a produção no mercado pode ser dobrada?
Rodrigues:O Brasil tem um potencial enorme para expandir a oferta de etanol. Além da disponibilidade de terras e do potencial de crescimento da produtividade nos próximos anos, o país conta com infraestrutura de distribuição de etanol hidratado em praticamente todo o território nacional, com mais 40 mil postos de combustíveis, e uma frota flex apta ao uso do biocombustível.
O ritmo de expansão dependerá das metas de descarbonizaçãoque serão definidas no processo de regulamentação do Programa, as quais determinarão, em grande medida, a papel do biocombustível na matriz nacional. A nossa expectativa é de que os valores estabelecidos reconheçam as vantagens do país para a ampliação sustentável da produção de etanol.
Revista Canavieiros: O RenovaBio deve elevar o preço dos combustíveis e estimular a demanda por biocombustíveis?
Rodrigues:O RenovaBio deve estimular a demanda por biocombustíveis, pois a ampliação do consumo desses produtos será a responsável pela redução da intensidade de carbono na nossa matriz de transporte.
Em relação ao preço, este continuará a ser definido pelas condições de oferta e de demanda no mercado, as quais dependem do nível de tributos sobre os produtos, do preço da gasolina, das margens de comercialização, dos custos de produção, entre outras variáveis.
Entretanto, como o RenovaBio reconhece o potencial dos biocombustíveis para a redução das emissões de GEE e propõe um mecanismo de valoração dessa externalidade positiva, ele acaba incorporando ao sistema de preços um novo elemento que até então não era valorado de forma autônoma pelo mercado.
Essa valoração, por sua vez, não necessariamente deve se refletir em aumento no valor dos combustíveis no mercado nacional. Durante a discussão do Programa, foram realizadas diversas simulações nesse sentido. Os resultados mostraram que, dependendo do nível de ganho de eficiência dos produtores, da meta de redução de emissões e dos preços do petróleo, a existência dos biocombustíveis com o Renovabio podepromover redução no preço médio dos combustíveis ao consumidor final.
Nesse sentido, vale mencionar que o RenovaBiose destaca por estabelecer um importante mecanismo de indução à busca por maior eficiência energética,ambiental e, consequentemente, econômica. Ao reconhecer o potencial diferenciado de redução das emissões de GEEdos diferentes biocombustíveis, o Programa promove uma competição entre os produtos e garante um esforço adicional para a ampliação da eficiência produtiva, que poderá repercutir em reduções reais no valor dos biocombustíveis a médio e longo prazos.
Revista Canavieiros: Quais os aspectos positivos e as expectativas em relação ao RenovaBio?
Rodrigues:O Programa é inspirado em iniciativas de sucesso em outros países, como os programas em funcionamentonos Estados Unidos,e apresenta vários aspectos positivos. Em especial, vale mencionar três pilares fundamentais do RenovaBio.
O primeiro pilar refere-se à proposição de uma meta de descarbonização para o setor de transporte, com níveis anuais de redução de emissões de GEE estabelecidos para um período de 10 anos. Essa orientação é fundamental para oferecer maior previsibilidade e nortear os investimentos nesse setor.
O segundo elemento diz respeito ao reconhecimento do nível diferenciado de descarbonização dos diferentes biocombustíveis. Como mencionado anteriormente, ao quantificar as emissões de GEE de acordo com as características técnicas do processo produtivo de cada biocombustível, o programa promovemaior indução para a ampliação da eficiência econômica e ambiental do setor, viabilizando e consolidando novas tecnologias e produtos derivados da bioenergia.
Por fim, o sistema proposto pelo Programa define um mecanismo efetivode valoração do carbono que deixou de ser emitido no processo de substituição da energia fóssil por energia renovável. Essa remuneração será dada pela comercialização do certificado de redução de emissões emitido no momento de venda do biocombustível pelo produtor, o CBio. O instrumentodesenhado propõe que o preço do CBio seja determinado pelas condições de mercado, com ajustes imediatos realizados em um processo transparente de comercialização em bolsa.
O RenovaBio representa, portanto, um modelo que busca garantir a segurança energética e reduzir as emissões de GEE no setor de transportes a partir de um arcabouço arrojado, que oferece previsibilidade, indução à maior eficiência e reconhecimento dos benefícios ambientais de todos os biocombustíveis. Trata-se de um mecanismo de precificação via mercado, sem a proposição de impostos ou qualquer tipo de subsídio. Nesse contexto, a expectativa em relação ao programa é muito positiva.
Revista Canavieiros: O RenovaBio é um mecanismo para corrigir as externalidades que não são codificadas pelo mercado de maneira inteligente? Quais as perspectivas do senhor em relação ao uso do CBio a ser criado pelo programa RenovaBio? O que é o CBio?
Rodrigues:As fontes renováveis de energia e, em especial os biocombustíveis, remetem a um exemplo clássico em que apenas o bom funcionamento dos mercados é insuficiente para promover os investimentos necessários e gerar um nível de consumo adequado do produto ambientalmente correto. Nesse mercado estão presentes externalidades positivas e o produto gerado, como o ar mais limpo e combate ao aquecimento global, por exemplo, apresenta características de bem público, pois não é possível excluir um consumidor do benefício gerado pelo consumo realizado por outra pessoa.
Esse tipo de situação é bastante conhecida pelos pesquisadores de economia. Estabelece-se uma condição em que, via de regra, o consumidor não quer pagar sozinho pelo benefício gerado para todos. Instaura-se, assim, um comportamento carona que significa usufruir sem custo. Nessa situação, o preço de mercado não incorpora os prejuízos gerados à sociedade pelo consumo de energia fóssil ou, de outra maneira, não valoriza os benefícios promovidos pelo uso da energia renovável. O resultado é um sub-investimento em combustíveis que reduzem as emissões de CO? e um estímulo indireto aoscombustíveis poluidores.
Os dois mecanismos comumente utilizados para valorar as externalidades positivas da energia renovável e corrigir essa falha de mercado são a aplicação imposto sobre carbono (ou carbontax), que onera a energia fóssil e poluidora, e a definição de obrigatoriedade de uso de fontes limpas. No caso do RenovaBio, a proposta se baseia na definição de metas de descarbonização, que deverão ser atingidas a partir da ampliação do uso de biocombustíveis.
De forma objetiva, a meta nacional estabelecida para um prazo de 10 anos será, anualmente, desdobrada em metas individuais para as distribuidoras. Essas empresas terão que adquirir CBios dos produtores de biocombustíveis para comprovar o cumprimento de suas metas. O CBioé um título financeiro emitido pelo produtor de biocombustível no momento da venda do produto e comercializado em bolsa, ele equivale a redução de 1 t CO?eq. Um biocombustível ambientalmente mais eficiente, irá gerar um maior número de CBios por unidade de volume comercializada. Essa lógica estabelece um ciclo de geração e compra de CBios, criando um mecanismo de valorização desse título via mercado.
Revista Canavieiros: Qual é o maior desafio do RenovaBio?
Rodrigues:Uma proposta desse porte apresenta vários desafios. O primeiro deles já foi praticamente superado, e remete à necessidade de publicação da Lei que institui o Programa. A partir desse ponto, teremos outras dificuldades durante o processo de regulamentação. Será um período de muito trabalho, diálogo e discussão para estabelecer todos os detalhes envolvidos na operacionalização do modelo. Trata-se de uma tarefa que exigirá o envolvimento de todos os agentes públicos e privados envolvidos nesse mercado.
Revista Canavieiros: Por que o Ministério da Fazenda questionou o RenovaBio, atrasando o processo de aprovação?
Rodrigues:Entendo que ninguém é contrário a criação de um arcabouço institucional estável e capaz de promover um avanço na produção de biocombustíveis. Trata-se de uma energia renovável, com enorme potencial de geração de emprego, renda, redução de gastos com saúde pública e de emissões de gases de efeito estufa, com contribuição efetiva para o atendimento do compromisso brasileiro no acordo do clima. Especialmente no caso brasileiro, a opção aos biocombustíveis é a manutenção da importação crescente de energia fóssil, visto que a produção nacional de derivados será insuficiente para o atendimento do consumo interno. Portanto, me parece evidenteas vantagens relacionadas à possibilidade de crescimento dos biocombustíveis no País.O questionamento de alguns agentes e analistas refere-se a forma do mecanismo proposto e não ao objetivo central do Programa. Argumentou-se que o uso de tributos sobre os combustíveis fósseis seria preferível ao mecanismo proposto pelo RenovaBio para o reconhecimento do potencial de descarbonização dos biocombustíveis. Nesse caso, cabem alguns esclarecimentos:a) O RenovaBio não estabelece nenhuma alteração na estrutura de tributos vigentes no Brasil. Nesse sentido, o RenovaBio não exclui a adoção de diferenciais tributários entre os combustíveis e sua eventual contribuição ao ajuste fiscal no curto prazo.
b) A história recente do mercado nacional mostra que o uso de tributos sobre os combustíveis fósseis como forma de quantificar as externalidades negativas causadas por essas fontes, não promoveu a previsibilidade necessária para o direcionamento de novos investimentos em biocombustíveis. Na última década, as mudanças nos tributos sobre combustíveis ocorreram a partir de demandas diversas, não associadas a maior segurança energética e, muito menos, a maior participação das energias renováveis. A meta de descarbonização proposta pelo RenovaBio, por sua vez, é definida para 10 anos e estabelece um direcionamento essencial para os produtores de bioenergia e para todos os agentes que operam nessa cadeia.
c) Diferente do tributo sobre carbono, que define um preço único e geral para todos os biocombustíveis, o mecanismo de valoração do carbono proposto pelo RenovaBio reconhece o desempenho diferenciado dos biocombustíveis em termos de eficiência energética e ambiental. Como mencionado nas perguntas anteriores, ao premiar práticas que promovem a redução de emissões, o programa fomenta a busca por maior eficiência na produção, aumentando a oferta de CBios e atuando de forma decisiva na redução de custos e preços no médio e longo prazos.
Revista Canavieiros: O RenovaBio é um avanço importante para o setor sucroenergético?
Rodrigues:Sem dúvida. Após um período marcado por diversas mudanças no mercado de combustíveis, o Brasil vivencia um momento oportuno para o estabelecimento de uma agenda de longo prazo para esse setor.
A falta de planejamento observada nos últimos anos levou ao fechamento de uma centena de usinas, à deterioração da situação financeira da Petrobras e à dependência de combustível importado para garantir o suprimento interno. Essa condição não é consistente com a situação brasileira, caracterizada pela diversidade energética e pelo enorme potencial de expansão sustentável dos biocombustíveis e de outras fontes renováveis.
A estruturação desse plano estratégico é fundamental para o país voltar a surfar na vanguarda de um movimento mundial irreversível, orientado pela economia de baixo carbono.Por fim, cabe mencionar que, a despeito do RenovaBio, o futuro do etanol e do setor sucroenergético também passa pela necessidade de ganhos de eficiência produtiva nos próximos anos. O Programa reconhece e valora o carbono que deixou de ser emitido aos consumirmos o biocombustível, mas a competitividade dessa indústria dependerá das condições de mercado e, principalmente, da manutenção dos esforços para aumentar a produtividade, elevar o rendimento e reduziros custos. Trata-se de um de um enorme desafio diante da dificuldade financeira observada em parte da indústria no curto prazo, mas esse movimento é fundamentalpara manter a posição da cana-de-açúcar como instrumento efetivode conversão da energia solar em açúcar e em diversos produtos energéticosessenciais para o combate dos efeitos perversos do aquecimento global.
Por: Fernanda Clariano
O RenovaBio - projeto que visa estimular a produção de biocombustíveis em todo o país, estabelecer metas nacionais de redução de emissões para a matriz de combustíveis e criar uma política específica para os biocombustíveis, vem sendo muito discutido pelo setor sucroenergético. A Revista Canavieiros conversou com o gerente de economia e análise setorial da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Luciano Rodrigues, para tirar algumas dúvidas sobre este importante projeto. Confira a entrevista.
Revista Canavieiros: Como ficará a questão do RenovaBio após a sansão? Haverá um prazo para a regulamentação do programa?
Luciano Rodrigues:O Projeto de Lei foi aprovado no Senado Federal, no dia 12 de dezembroestabelece seis meses para a definição de uma meta nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), também conhecida como metas de descarbonização, e outros 18 meses para a conclusão dos demais itens associados à regulamentação do programa.
Revista Canavieiros: O Brasil é o 2º maior mercado de etanol. Com a aprovação do RenovaBio, a produção no mercado pode ser dobrada?
Rodrigues:O Brasil tem um potencial enorme para expandir a oferta de etanol. Além da disponibilidade de terras e do potencial de crescimento da produtividade nos próximos anos, o país conta com infraestrutura de distribuição de etanol hidratado em praticamente todo o território nacional, com mais 40 mil postos de combustíveis, e uma frota flex apta ao uso do biocombustível.
O ritmo de expansão dependerá das metas de descarbonizaçãoque serão definidas no processo de regulamentação do Programa, as quais determinarão, em grande medida, a papel do biocombustível na matriz nacional. A nossa expectativa é de que os valores estabelecidos reconheçam as vantagens do país para a ampliação sustentável da produção de etanol.
Revista Canavieiros: O RenovaBio deve elevar o preço dos combustíveis e estimular a demanda por biocombustíveis?
Rodrigues:O RenovaBio deve estimular a demanda por biocombustíveis, pois a ampliação do consumo desses produtos será a responsável pela redução da intensidade de carbono na nossa matriz de transporte.
Em relação ao preço, este continuará a ser definido pelas condições de oferta e de demanda no mercado, as quais dependem do nível de tributos sobre os produtos, do preço da gasolina, das margens de comercialização, dos custos de produção, entre outras variáveis.
Entretanto, como o RenovaBio reconhece o potencial dos biocombustíveis para a redução das emissões de GEE e propõe um mecanismo de valoração dessa externalidade positiva, ele acaba incorporando ao sistema de preços um novo elemento que até então não era valorado de forma autônoma pelo mercado.
Essa valoração, por sua vez, não necessariamente deve se refletir em aumento no valor dos combustíveis no mercado nacional. Durante a discussão do Programa, foram realizadas diversas simulações nesse sentido. Os resultados mostraram que, dependendo do nível de ganho de eficiência dos produtores, da meta de redução de emissões e dos preços do petróleo, a existência dos biocombustíveis com o Renovabio podepromover redução no preço médio dos combustíveis ao consumidor final.
Nesse sentido, vale mencionar que o RenovaBiose destaca por estabelecer um importante mecanismo de indução à busca por maior eficiência energética,ambiental e, consequentemente, econômica. Ao reconhecer o potencial diferenciado de redução das emissões de GEEdos diferentes biocombustíveis, o Programa promove uma competição entre os produtos e garante um esforço adicional para a ampliação da eficiência produtiva, que poderá repercutir em reduções reais no valor dos biocombustíveis a médio e longo prazos.
Revista Canavieiros: Quais os aspectos positivos e as expectativas em relação ao RenovaBio?
Rodrigues:O Programa é inspirado em iniciativas de sucesso em outros países, como os programas em funcionamentonos Estados Unidos,e apresenta vários aspectos positivos. Em especial, vale mencionar três pilares fundamentais do RenovaBio.
O primeiro pilar refere-se à proposição de uma meta de descarbonização para o setor de transporte, com níveis anuais de redução de emissões de GEE estabelecidos para um período de 10 anos. Essa orientação é fundamental para oferecer maior previsibilidade e nortear os investimentos nesse setor.
O segundo elemento diz respeito ao reconhecimento do nível diferenciado de descarbonização dos diferentes biocombustíveis. Como mencionado anteriormente, ao quantificar as emissões de GEE de acordo com as características técnicas do processo produtivo de cada biocombustível, o programa promovemaior indução para a ampliação da eficiência econômica e ambiental do setor, viabilizando e consolidando novas tecnologias e produtos derivados da bioenergia.
Por fim, o sistema proposto pelo Programa define um mecanismo efetivode valoração do carbono que deixou de ser emitido no processo de substituição da energia fóssil por energia renovável. Essa remuneração será dada pela comercialização do certificado de redução de emissões emitido no momento de venda do biocombustível pelo produtor, o CBio. O instrumentodesenhado propõe que o preço do CBio seja determinado pelas condições de mercado, com ajustes imediatos realizados em um processo transparente de comercialização em bolsa.
O RenovaBio representa, portanto, um modelo que busca garantir a segurança energética e reduzir as emissões de GEE no setor de transportes a partir de um arcabouço arrojado, que oferece previsibilidade, indução à maior eficiência e reconhecimento dos benefícios ambientais de todos os biocombustíveis. Trata-se de um mecanismo de precificação via mercado, sem a proposição de impostos ou qualquer tipo de subsídio. Nesse contexto, a expectativa em relação ao programa é muito positiva.
Revista Canavieiros: O RenovaBio é um mecanismo para corrigir as externalidades que não são codificadas pelo mercado de maneira inteligente? Quais as perspectivas do senhor em relação ao uso do CBio a ser criado pelo programa RenovaBio? O que é o CBio?
Rodrigues:As fontes renováveis de energia e, em especial os biocombustíveis, remetem a um exemplo clássico em que apenas o bom funcionamento dos mercados é insuficiente para promover os investimentos necessários e gerar um nível de consumo adequado do produto ambientalmente correto. Nesse mercado estão presentes externalidades positivas e o produto gerado, como o ar mais limpo e combate ao aquecimento global, por exemplo, apresenta características de bem público, pois não é possível excluir um consumidor do benefício gerado pelo consumo realizado por outra pessoa.
Esse tipo de situação é bastante conhecida pelos pesquisadores de economia. Estabelece-se uma condição em que, via de regra, o consumidor não quer pagar sozinho pelo benefício gerado para todos. Instaura-se, assim, um comportamento carona que significa usufruir sem custo. Nessa situação, o preço de mercado não incorpora os prejuízos gerados à sociedade pelo consumo de energia fóssil ou, de outra maneira, não valoriza os benefícios promovidos pelo uso da energia renovável. O resultado é um sub-investimento em combustíveis que reduzem as emissões de CO? e um estímulo indireto aoscombustíveis poluidores.
Os dois mecanismos comumente utilizados para valorar as externalidades positivas da energia renovável e corrigir essa falha de mercado são a aplicação imposto sobre carbono (ou carbontax), que onera a energia fóssil e poluidora, e a definição de obrigatoriedade de uso de fontes limpas. No caso do RenovaBio, a proposta se baseia na definição de metas de descarbonização, que deverão ser atingidas a partir da ampliação do uso de biocombustíveis.
De forma objetiva, a meta nacional estabelecida para um prazo de 10 anos será, anualmente, desdobrada em metas individuais para as distribuidoras. Essas empresas terão que adquirir CBios dos produtores de biocombustíveis para comprovar o cumprimento de suas metas. O CBioé um título financeiro emitido pelo produtor de biocombustível no momento da venda do produto e comercializado em bolsa, ele equivale a redução de 1 t CO?eq. Um biocombustível ambientalmente mais eficiente, irá gerar um maior número de CBios por unidade de volume comercializada. Essa lógica estabelece um ciclo de geração e compra de CBios, criando um mecanismo de valorização desse título via mercado.
Revista Canavieiros: Qual é o maior desafio do RenovaBio?
Rodrigues:Uma proposta desse porte apresenta vários desafios. O primeiro deles já foi praticamente superado, e remete à necessidade de publicação da Lei que institui o Programa. A partir desse ponto, teremos outras dificuldades durante o processo de regulamentação. Será um período de muito trabalho, diálogo e discussão para estabelecer todos os detalhes envolvidos na operacionalização do modelo. Trata-se de uma tarefa que exigirá o envolvimento de todos os agentes públicos e privados envolvidos nesse mercado.
Revista Canavieiros: Por que o Ministério da Fazenda questionou o RenovaBio, atrasando o processo de aprovação?
Rodrigues:Entendo que ninguém é contrário a criação de um arcabouço institucional estável e capaz de promover um avanço na produção de biocombustíveis. Trata-se de uma energia renovável, com enorme potencial de geração de emprego, renda, redução de gastos com saúde pública e de emissões de gases de efeito estufa, com contribuição efetiva para o atendimento do compromisso brasileiro no acordo do clima. Especialmente no caso brasileiro, a opção aos biocombustíveis é a manutenção da importação crescente de energia fóssil, visto que a produção nacional de derivados será insuficiente para o atendimento do consumo interno. Portanto, me parece evidenteas vantagens relacionadas à possibilidade de crescimento dos biocombustíveis no País.O questionamento de alguns agentes e analistas refere-se a forma do mecanismo proposto e não ao objetivo central do Programa. Argumentou-se que o uso de tributos sobre os combustíveis fósseis seria preferível ao mecanismo proposto pelo RenovaBio para o reconhecimento do potencial de descarbonização dos biocombustíveis. Nesse caso, cabem alguns esclarecimentos:a) O RenovaBio não estabelece nenhuma alteração na estrutura de tributos vigentes no Brasil. Nesse sentido, o RenovaBio não exclui a adoção de diferenciais tributários entre os combustíveis e sua eventual contribuição ao ajuste fiscal no curto prazo.
b) A história recente do mercado nacional mostra que o uso de tributos sobre os combustíveis fósseis como forma de quantificar as externalidades negativas causadas por essas fontes, não promoveu a previsibilidade necessária para o direcionamento de novos investimentos em biocombustíveis. Na última década, as mudanças nos tributos sobre combustíveis ocorreram a partir de demandas diversas, não associadas a maior segurança energética e, muito menos, a maior participação das energias renováveis. A meta de descarbonização proposta pelo RenovaBio, por sua vez, é definida para 10 anos e estabelece um direcionamento essencial para os produtores de bioenergia e para todos os agentes que operam nessa cadeia.
c) Diferente do tributo sobre carbono, que define um preço único e geral para todos os biocombustíveis, o mecanismo de valoração do carbono proposto pelo RenovaBio reconhece o desempenho diferenciado dos biocombustíveis em termos de eficiência energética e ambiental. Como mencionado nas perguntas anteriores, ao premiar práticas que promovem a redução de emissões, o programa fomenta a busca por maior eficiência na produção, aumentando a oferta de CBios e atuando de forma decisiva na redução de custos e preços no médio e longo prazos.
Revista Canavieiros: O RenovaBio é um avanço importante para o setor sucroenergético?
Rodrigues:Sem dúvida. Após um período marcado por diversas mudanças no mercado de combustíveis, o Brasil vivencia um momento oportuno para o estabelecimento de uma agenda de longo prazo para esse setor.
A falta de planejamento observada nos últimos anos levou ao fechamento de uma centena de usinas, à deterioração da situação financeira da Petrobras e à dependência de combustível importado para garantir o suprimento interno. Essa condição não é consistente com a situação brasileira, caracterizada pela diversidade energética e pelo enorme potencial de expansão sustentável dos biocombustíveis e de outras fontes renováveis.
A estruturação desse plano estratégico é fundamental para o país voltar a surfar na vanguarda de um movimento mundial irreversível, orientado pela economia de baixo carbono.Por fim, cabe mencionar que, a despeito do RenovaBio, o futuro do etanol e do setor sucroenergético também passa pela necessidade de ganhos de eficiência produtiva nos próximos anos. O Programa reconhece e valora o carbono que deixou de ser emitido aos consumirmos o biocombustível, mas a competitividade dessa indústria dependerá das condições de mercado e, principalmente, da manutenção dos esforços para aumentar a produtividade, elevar o rendimento e reduziros custos. Trata-se de um de um enorme desafio diante da dificuldade financeira observada em parte da indústria no curto prazo, mas esse movimento é fundamentalpara manter a posição da cana-de-açúcar como instrumento efetivode conversão da energia solar em açúcar e em diversos produtos energéticosessenciais para o combate dos efeitos perversos do aquecimento global.