Resíduo da cana vira cimento ecológico

18/08/2014 Cana-de-Açúcar POR: Folha da Região - Araçatuba/SP
Mais de 16 milhões de toneladas de cana-de-açúcar devem ser produzidas nos 18 municípios atendidos pela Cati Regional (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) de Araçatuba entre abril e novembro deste ano. Após a queima do bagaço em caldeiras, devem sobrar aproximadamente 200 mil toneladas de cinzas. Uma pesquisa com profissionais da região pretende dar um destino nobre para este resíduo.
Pesquisadores querem criar um cimento ecológico com base nas cinzas do bagaço da cana. O estudo é desenvolvido em uma parceria entre o Departamento de Engenharia Civil da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Ilha Solteira, na região de Araçatuba, e do Icitech (Instituto de Ciência e Tecnologia de Concreto) da UPV (Universidade Politécnica de Valência), da Espanha.
A cinza é produzida depois que o bagaço é utilizado para alimentar caldeiras. Normalmente, o subproduto é aplicado em uma mistura que cumpre o papel de fertilizante nos canaviais. Mas a pesquisa, que se mostra como novidade para
a indústria da construção civil, surge como uma alternativa ao cimento comum, chamado cimento Portland. O principal diferencial? A fabricação do cimento ecológico libera até 80% menos CO² (dióxido de carbono) na atmosfera.
Esse índice é mantido mesmo quando se considera a queima de canaviais e a incineração do bagaço. A explicação é do professor Mauro Tashima, doutor em engenharia da construção civil, que participa da pesquisa e passou sete anos na Espanha.
"A produção do cimento Portland exige a queima do calcário, sendo necessárias temperaturas que chegam a 1400 graus Celsius. Esse processo libera quantidades enormes de dióxido de carbono", explica Tashima. O cimento tradicional ainda leva em sua mistura argila e gesso. Já a "argamassa verde" precisa, basicamente, de cinza de bagaço de cana e escória de alto-forno - um resíduo proveniente da manufatura do ferro em siderúrgicas. O material é moído e, para sua aplicação, misturado com água e "ativadores alcalinos", detalha Tashima.
A mistura química faz o produto reagir e garante suas características, como a resistência, por exemplo. Outros ingredientes tradicionais, como pedras e areia, também podem ser adicionados, conforme a destinação do produto.
Inovação
Outras pesquisas já se valem da mistura de cinzas (e outros produtos) na receita do Portland. A parceria entre a Unesp e a UPV, porém, inova por dispensar completamente a adição de calcário em sua mistura. "Dessa forma, damos uma nova finalidade para as cinzas da cana, que são um resíduo, e obtemos um produto com características similares ao cimento tradicional e desempenho até melhor em alguns quesitos", afirma o professor espanhol Jordi Payá Bernabeu, que está pela quinta vez em Ilha Solteira para a troca de informações.
Payá é doutor em química e diretor do Icitech da UPV. De acordo com ele, dependendo da combinação de "ingredientes", o cimento ecológico atinge uma resistência parecida com o tradicional. "Nosso cimento já conseguiu suportar até 60 megapascal(unidade de medida de pressão),enquanto o cimento europeu, por exemplo, suporta 50 megapascal", aponta.
O professor conta ainda que testes com ataques químicos já demonstraram que a "argamassa verde" se desgasta menos do que o cimento Portland. "Nesse caso, a eficiência é 90% superior. Agentes corrosivos praticamente não fazem o cimento ecológico esfarelar", garante.
Durabilidade
No momento, a pesquisa verifica como o produto em desenvolvimento se comporta em relação à ação do tempo e qual sua durabilidade. Payá acredita que, se os testes forem positivos, em pelo menos cinco anos o cimento
ecológico pode estar no mercado. Sua aplicação, segundo outros estudos, já demonstrou eficiência principalmente quando utilizado na pavimentação, em blocos pré-moldados e estruturas armadas.
"Ainda estamos entendendo o comportamento desse produto, já que a pesquisa tem aproximadamente três anos. O cimento Portland já é utilizado há cerca de 200 anos", diz o professor. "O custo financeiro de ambos deve ser similar. Já o baixo custo ambiental do cimento ecológico é a grande vantagem", completa.
Universidades pesquisam a aplicação de materiais alternativos na construção civil
A busca por materiais alternativos para aplicação na construção civil é uma das atividades desenvolvidas pela Unesp de Ilha Solteira desde 2002, quando foi fundado o grupo de estudos MAC (Materiais Alternativos de Construção), após a visita do professor Jorge Akasaki à UPV
(Universidade Politécnica de Valência), para desenvolvimento
de pós-doutorado. Ali, já eram realizadas pesquisas nesse sentido e a parceria firmada entre as instituições segue dando resultados até hoje.
Até agora, 26 teses de mestrado e 57 investigações de novos produtos foram viabilizadas dentro do MAC. No momento,
estão em curso outras seis teses e sete pesquisas. Além disso, inúmeros artigos foram publicados em revistas científicas em parceria com o Grupo de Investigação em Química de Materiais de Construção da UPV. O intercâmbio entre alunos e professores das instituições também é constante.
"A preocupação do grupo sobre o uso dos resíduos é um tema que está causando repercussão e impacto nos círculos científicos nacionais e internacionais", comenta Akasaki. De acordo com ele, diversas empresas são parceiras do MAC, no entanto, os financiamentos dos projetos são feitos principalmente pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Experiências
Entre outras coisas, o grupo pretende incorporar materiais
reaproveitáveis em argamassa, concreto e cimento. Além das
experiências que estão sendo realizadas com as cinzas do bagaço de cana-de-açúcar para a fabricação de cimento, também são testados produtos como restos de pneus e cinzas da casca de arroz. Pesquisas demonstram ainda a possibilidade de aplicar pó de vidro e resíduos cerâmicos à mistura. Dependendo do produto e da quantidade, é possível
conseguir diferentes características e aplicabilidades.
 Leonardo Moreno
Mais de 16 milhões de toneladas de cana-de-açúcar devem ser produzidas nos 18 municípios atendidos pela Cati Regional (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) de Araçatuba entre abril e novembro deste ano. Após a queima do bagaço em caldeiras, devem sobrar aproximadamente 200 mil toneladas de cinzas. Uma pesquisa com profissionais da região pretende dar um destino nobre para este resíduo.
Pesquisadores querem criar um cimento ecológico com base nas cinzas do bagaço da cana. O estudo é desenvolvido em uma parceria entre o Departamento de Engenharia Civil da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Ilha Solteira, na região de Araçatuba, e do Icitech (Instituto de Ciência e Tecnologia de Concreto) da UPV (Universidade Politécnica de Valência), da Espanha.
A cinza é produzida depois que o bagaço é utilizado para alimentar caldeiras. Normalmente, o subproduto é aplicado em uma mistura que cumpre o papel de fertilizante nos canaviais. Mas a pesquisa, que se mostra como novidade para
a indústria da construção civil, surge como uma alternativa ao cimento comum, chamado cimento Portland. O principal diferencial? A fabricação do cimento ecológico libera até 80% menos CO² (dióxido de carbono) na atmosfera.
Esse índice é mantido mesmo quando se considera a queima de canaviais e a incineração do bagaço. A explicação é do professor Mauro Tashima, doutor em engenharia da construção civil, que participa da pesquisa e passou sete anos na Espanha.
"A produção do cimento Portland exige a queima do calcário, sendo necessárias temperaturas que chegam a 1400 graus Celsius. Esse processo libera quantidades enormes de dióxido de carbono", explica Tashima. O cimento tradicional ainda leva em sua mistura argila e gesso. Já a "argamassa verde" precisa, basicamente, de cinza de bagaço de cana e escória de alto-forno - um resíduo proveniente da manufatura do ferro em siderúrgicas. O material é moído e, para sua aplicação, misturado com água e "ativadores alcalinos", detalha Tashima.
A mistura química faz o produto reagir e garante suas características, como a resistência, por exemplo. Outros ingredientes tradicionais, como pedras e areia, também podem ser adicionados, conforme a destinação do produto.
Inovação
Outras pesquisas já se valem da mistura de cinzas (e outros produtos) na receita do Portland. A parceria entre a Unesp e a UPV, porém, inova por dispensar completamente a adição de calcário em sua mistura. "Dessa forma, damos uma nova finalidade para as cinzas da cana, que são um resíduo, e obtemos um produto com características similares ao cimento tradicional e desempenho até melhor em alguns quesitos", afirma o professor espanhol Jordi Payá Bernabeu, que está pela quinta vez em Ilha Solteira para a troca de informações.
Payá é doutor em química e diretor do Icitech da UPV. De acordo com ele, dependendo da combinação de "ingredientes", o cimento ecológico atinge uma resistência parecida com o tradicional. "Nosso cimento já conseguiu suportar até 60 megapascal(unidade de medida de pressão),enquanto o cimento europeu, por exemplo, suporta 50 megapascal", aponta.
O professor conta ainda que testes com ataques químicos já demonstraram que a "argamassa verde" se desgasta menos do que o cimento Portland. "Nesse caso, a eficiência é 90% superior. Agentes corrosivos praticamente não fazem o cimento ecológico esfarelar", garante.
Durabilidade
No momento, a pesquisa verifica como o produto em desenvolvimento se comporta em relação à ação do tempo e qual sua durabilidade. Payá acredita que, se os testes forem positivos, em pelo menos cinco anos o cimento
ecológico pode estar no mercado. Sua aplicação, segundo outros estudos, já demonstrou eficiência principalmente quando utilizado na pavimentação, em blocos pré-moldados e estruturas armadas.
"Ainda estamos entendendo o comportamento desse produto, já que a pesquisa tem aproximadamente três anos. O cimento Portland já é utilizado há cerca de 200 anos", diz o professor. "O custo financeiro de ambos deve ser similar. Já o baixo custo ambiental do cimento ecológico é a grande vantagem", completa.
Universidades pesquisam a aplicação de materiais alternativos na construção civil
A busca por materiais alternativos para aplicação na construção civil é uma das atividades desenvolvidas pela Unesp de Ilha Solteira desde 2002, quando foi fundado o grupo de estudos MAC (Materiais Alternativos de Construção), após a visita do professor Jorge Akasaki à UPV
(Universidade Politécnica de Valência), para desenvolvimento
de pós-doutorado. Ali, já eram realizadas pesquisas nesse sentido e a parceria firmada entre as instituições segue dando resultados até hoje.
Até agora, 26 teses de mestrado e 57 investigações de novos produtos foram viabilizadas dentro do MAC. No momento,
estão em curso outras seis teses e sete pesquisas. Além disso, inúmeros artigos foram publicados em revistas científicas em parceria com o Grupo de Investigação em Química de Materiais de Construção da UPV. O intercâmbio entre alunos e professores das instituições também é constante.
"A preocupação do grupo sobre o uso dos resíduos é um tema que está causando repercussão e impacto nos círculos científicos nacionais e internacionais", comenta Akasaki. De acordo com ele, diversas empresas são parceiras do MAC, no entanto, os financiamentos dos projetos são feitos principalmente pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Experiências
Entre outras coisas, o grupo pretende incorporar materiais
reaproveitáveis em argamassa, concreto e cimento. Além das
experiências que estão sendo realizadas com as cinzas do bagaço de cana-de-açúcar para a fabricação de cimento, também são testados produtos como restos de pneus e cinzas da casca de arroz. Pesquisas demonstram ainda a possibilidade de aplicar pó de vidro e resíduos cerâmicos à mistura. Dependendo do produto e da quantidade, é possível
conseguir diferentes características e aplicabilidades.
 Leonardo Moreno