Sanciona Dilma. Em respeito aos poderes da república

17/05/2012 Noticias Copercana POR: Canaoeste
Por: Juliano Bortoloti
Prezados leitores, sob o enfoque do profissional das ciências jurídicas e sociais, venho acompanhando a (in)aplicabilidade do Código Florestal há mais de 15 (quinze) anos e, para entender a resistência da maioria dos produtores rurais em cumprir suas normas, me detive ao estudo da legislação florestal pátria, onde pude concluir que esta foi elaborada, principalmente nas últimas décadas através de medidas provisórias da alcunha do Poder Executivo, desatrelada ao histórico da ocupação territorial brasileira.

Esta falta de sintonia entre a ocupação territorial perpetrada no Brasil e as normas ambientais de proteção da flora, forçou com que a minoria afetada por elas, no caso os produtores rurais, solicitassem de forma desesperada adequações legislativas visando corrigir estas distorções, batendo à porta do Congresso Nacional, poder da república originário e legítimo para tal pleito, pois parte da sociedade estava a impor-lhes injustamente a pecha de criminosos ambientais pelo simples fato de produzirem onde sempre foi permitido.

Aprovado recentemente o projeto de lei que cria o Novo Código Florestal por ampla maioria nas duas casas legislativas (senado e câmara), corrigindo parcialmente este descompasso, foi enviado à sanção da presidenta Dilma, que tem até o dia 25/05/2012 para sancioná-lo, vetá-lo total ou parcialmente (desde que justificadamente). Vem agora alguns radicais – eles existem em todos os setores – solicitar que à representante máxima do Poder Executivo vete integralmente o texto elaborado pelo Congresso, pois nos seus entenderes, (I) há retrocesso ambiental, (II) não houve participação da comunidade científica, (III) foi fruto de “lobby”, (IV) dentre outros inúmeros argumentos, que reputo inconsistentes, haja vista que o Congresso Nacional está debatendo isso há mais de 12 (doze) anos.

O experiente professor, economista e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, Antonio Delfin Netto, recentemente resumiu bem a questão ao dizer que “O mesmo fenômeno, num nível diferente, explica a enorme disputa que cercou o Código Florestal aprovado no Congresso. Um discurso de surdos. O lado mais vocal supostamente apoiado numa "ciência" duvidosa defendeu interesses difusos e nem sempre honestos como os patrocinados por algumas ONGs. O outro, com mais poder político no Congresso defendeu, sem sutilezas, seus interesses econômicos concretos. O Código tem pouco a ver com o aquecimento global e a tentativa de misturá-lo com a Rio+20 não ajudará em nada. Ele tem tudo a ver com o uso inteligente de nossos recursos naturais para continuarmos a construir uma economia sustentável e economicamente eficiente, mas não tem nada a ver com a anistia sugerida a quem, deliberada e maliciosamente, infringiu a lei vigente.” (Fonte: Valor Econômico)

Ao não aceitar o que fora decidido democraticamente por um Poder da República, vem agora diversas ONG’s utilizar-se de pessoas com visibilidade na mídia televisiva e boa inserção nas redes sociais, que sequer conhecem superficialmente do assunto em debate, engendrar um movimento para veto total do projeto de lei. Ora, esquecem que para isso ela terá que desrespeitar a forma de administração estatal estabelecida a partir da Constituição Federal de 1946, estendendo-se pelos textos de 1967 (com as alterações de 1969) e 1988, onde firmou-se a tradição de dividir-se tripartidicamente o Estado em Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, solução atualmente prevista no art. 2º da Constituição da República.

No Brasil, suas Constituições sempre determinaram esta estrutura governamental idealizada na Antigüidade pelo pensador Aristóteles, que dividiu as funções estatais em deliberativa, executiva e judicial. Maquiavel, no Século XVI, em sua obra "O Príncipe", também participou da formação desta idéia, revelando uma França com três poderes bastante distintos: Legislativo (representado pelo Parlamento), Executivo (materializado na figura do Rei) e um Judiciário autônomo. No Século XVII, John Locke esboçou de alguma forma a separação de funções no exercício do poder, ao propor a classificação entre funções legislativa, executiva e federativa. Todavia, só com Montesquieu se tem a Teoria da Separação de Poderes tal qual se conhece hoje, trazendo a indicação destes como sendo o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, bem como a ideia de que estes poderes são harmônicos e independentes entre si, divisão esta sempre adotada nas Constituições do Brasil.

Neste interregno, para nortear os pensamentos que devem prevalecer nesta questão, me utilizarei da lição de um grande jurista, filósofo e humanista, o saudoso mestre Miguel Reale, nos ensinando que o “’valor ecológico’, a mais recente das ‘invariantes axiológicas’, é dos mais relevantes, mas deve subordinar-se às necessidades essenciais da pessoa humana, pois é em razão desta que se protege o meio ambiente e não em si e por si mesmo”.

Então, afirmar que há a necessidade de vetar totalmente um projeto de lei sob a justificativa (I) da necessidade de mais tempo para se discuti-lo e, também, (II) que não foram ouvidos ou, se foram, suas sugestões não aceitas, nada mais é do que (I) assumir a culpa pela omissão ou (II) não aceitar a decisão da maioria, pois os legítimos representantes do povo o discutiram democraticamente durante mais de 12 (doze) anos.

Entendendo haver falhas ou distorções no novo texto legal, que se utilize da via normal para sua correção, qual seja, provocação ao Poder Legislativo para legislar à respeito, jamais exigindo que o Poder Executivo o desrespeite e o ignore, pondo em risco a harmonia entre os Poderes da República, criando novo e odioso regime de exceção ferozmente combatido pela própria Presidente, em passado recente.

Juliano Bortoloti
Advogado da Canaoeste – Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (www.canaoeste.com.br)