Seleção de variedades de cana-de-açúcar resistentes ao Carvão e ao Mosaico

BANCO DE VARIEDADES POR: Roberto Giacomini Chapola

engenheiro-agrônomo e pesquisador do PMGCA/Ufscar/Ridesa

O Carvão e o Mosaico são duas das doenças mais prejudiciais à cana-de-açúcar. A primeira, causada por um fungo da espécie Sporisorium scitamineum, foi responsável pela eliminação de variedades historicamente importantes para o Brasil, como a NA56-79, a mais cultivada no país na década de 1980. Estima-se que, em variedades altamente suscetíveis e em locais de alta pressão de inóculo, o Carvão possa reduzir a produtividade em até 62%. Já o vírus do Mosaico (SCMV – Sugarcane Mosaic Virus) causou diversas epidemias no país na década de 1920, que foram controladas com a substituição das variedades suscetíveis. Desde então, novos surtos da doença têm ocorrido à medida que essas são utilizadas.

A resistência varietal é o principal método de controle do Carvão e do Mosaico. Por isso, a seleção de variedades resistentes é um dos pilares do Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar da Universidade Federal de São Carlos (PMGCA/UFSCar), uma das dez que fazem parte da Ridesa – Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético. Em todas as fases de seleção, conduzidas em diferentes condições edafoclimáticas, o PMGCA/UFSCar realiza avaliações com o objetivo de rapidamente descartar os clones com maior suscetibilidade. Entretanto, clones suscetíveis podem ser erroneamente considerados resistentes quando não são devidamente expostos aos patógenos; nestes casos, sua suscetibilidade passa a se manifestar com o aumento de sua área de cultivo, ou seja, com a extensão de sua área de exposição. Para evitar este problema, o PMGCA/UFSCar realiza testes específicos para determinar, com maior acurácia, a reação dos clones às principais doenças. Nestes testes, os clones são “desafiados” em condições favoráveis aos patógenos em questão, sob alta pressão de inóculo.

Pré-teste de Carvão e de Mosaico

O pré-teste de Carvão e de Mosaico é um dos testes de doenças que fazem parte do fluxograma de seleção do PMGCA/UFSCar. Anualmente são avaliados de 100 a 300 clones, além de dez variedades padrões, de reações ao Carvão e ao Mosaico já conhecidas. Para a inoculação de Carvão, esporos de Sporisorium scitamineum são coletados de diferentes variedades no campo; posteriormente, estes esporos têm sua viabilidade determinada em laboratório, em função da sua porcentagem de germinação em meio de cultura. O inóculo é preparado com esporos com viabilidade superior a 80% e água destilada. O método empregado para a inoculação é o de punctura das gemas com agulhas previamente mergulhadas na suspensão de esporos (Figura 1). São inoculados cinquenta minitoletes de uma gema de cada clone a ser testado, que logo após a inoculação são plantados em caixas contendo substrato. As caixas são mantidas em condições controladas de temperatura e umidade durante quinze dias, até que ocorra a brotação; em seguida, são levadas para pleno sol. Passados mais quinze dias, são levadas para uma casa de vegetação, onde as plantas são irrigadas, adubadas e podadas sempre que necessário.

Figura 1 – Inoculação de Carvão em gema de cana-de-açúcar, com auxílio de agulhas contaminadas em suspensão de esporos de Sporisorium scitamineum. Fonte: PMGCA/UFSCar

Dois meses após o plantio dos minitoletes, é realizada a inoculação do Mosaico. Para isso, folhas com sintomas são coletadas no campo e trituradas em uma forrageira; o material obtido é misturado e prensado junto a uma solução tampão. Antes da inoculação, adiciona-se carbureto de silício ao inóculo, material abrasivo utilizado para causar microferimentos nas folhas, que servirão de portas de entrada para as partículas virais. A inoculação ocorre diretamente nas folhas, com auxílio de uma pistola de alta pressão (Figura 2).

Figura 2 – Pistola de alta pressão usada para inoculação de Mosaico em plantas de cana-de-açúcar. Fonte: PMGCA/UFSCar

As avaliações consistem na contagem de plantas com sintomas de Carvão ou de Mosaico. As contagens de plantas com Carvão são feitas quinzenalmente, enquanto que as de plantas com Mosaico são mensais. Ao se estabilizarem os números de plantas doentes, encerram-se as avaliações e calculam-se os percentuais de infecção de cada doença em cada clone. Os resultados são comparados aos das variedades padrões e, com base nisso, os clones são classificados em resistentes, suscetíveis ou intermediários ao Carvão e ao Mosaico.

Em 2019, o PMGCA/UFSCar avaliou 140 clones no pré-teste de Carvão e de Mosaico, dos quais 133 foram resistentes (95%), seis intermediários (4%) e um suscetível (1%) ao Carvão. Em relação ao Mosaico, 133 foram resistentes (95%), sete intermediários (5%) e nenhum suscetível (Figura 3). Ao todo, 126 clones, ou seja, 90% dos clones testados foram classificados como resistentes para ambas as doenças.

Figura 3 – Porcentagem de clones de cana-de-açúcar classificados como resistentes, intermediários e suscetíveis ao Carvão e ao Mosaico (total de 140 clones avaliados). Fonte: PMGCA/UFSCar

Considerações finais

Grande parte das doenças da cana-de-açúcar é controlada com sucesso via resistência genética. Por isso, o PMGCA/UFSCar busca incorporar resistência às principais doenças nas novas variedades e prioriza a seleção de clones com essa característica. No entanto, deve-se destacar que em cana-de-açúcar predominam resistências do tipo quantitativa, ou seja, não há imunidade completa, mas sim níveis graduais de resistência. Isso quer dizer que mesmo variedades resistentes podem ser infectadas por determinadas doenças e sofrer algum dano, caso as condições ambientais favoreçam a infecção e a pressão de inóculo seja muito alta. Assim, é fundamental que outras medidas de controle sejam adotadas juntamente com a utilização de variedades resistentes. Tal observação é particularmente importante para doenças sistêmicas, que podem ser transmitidas por mudas contaminadas, como é o caso tanto do Carvão como do Mosaico. Logo, para o controle efetivo de ambas as doenças, além do plantio de variedades resistentes deve-se utilizar mudas sadias.

A suscetibilidade às doenças é o principal fator de substituição de variedades em áreas comerciais. A história da cana-de-açúcar no Brasil mostra que variedades importantes deixaram de ser cultivadas por problemas fitossanitários, como a NA56-79, suscetível ao Carvão, a SP70-1143, suscetível à Ferrugem Marrom e, mais recentemente, a RB72454 e a SP81-3250, suscetíveis à Ferrugem Alaranjada. Nesse sentido, destaca-se o trabalho desenvolvido pelos programas de melhoramento, que têm abastecido os produtores com opções de variedades resistentes e evitado, com isso, que o setor sofra os impactos causados pelas doenças. Assim, pode-se concluir que a plena atividade dos programas de melhoramento no país é uma garantia de maior segurança fitossanitária ao setor sucroenergético.