Série Agronegócio: riqueza da cana é base da agricultura no interior de SP
26/12/2013
Agronegócio
POR: G1 Bauru e Marília
País é líder na produção global de açúcar e etanol.
Cultivo vivem mudanças com novos protocolos da colheita.
As colheitadeiras que atravessam milhares de hectares de cana no estado de São Paulo ajudam a manter o Brasil na liderança da produção global de açúcar e de etanol. E no interior do estado, praticamente todas as culturas e até mesmo a pecuária são influenciadas pelo dinheiro da cana. E a terceira reportagem da série “Agronegócio: o futuro já chegou” mostra o desenvolvimento dessa monocultura, a influência da meteorologia e da irrigação e também dos novos protocolos para a colheita.
O cultivo da cana-de-açúcar em São Paulo representa mais da metade de toda a produção do país. "Nos nossos 25 milhões de hectares, que é o território paulista, nós representamos só 3%do território brasileiro. E mesmo sendo 3% do território brasileiro, São Paulo contribui com 56% da produção de cana-de-açúcar", ressalta Mônica Bergamaschi, secretária Estadual de Agricultura e Abastecimento.
E tão grande quanto à produção é o investimento em tecnologia. À partir do ano que vem a queimada será suspensa em todas as áreas planas e mecanizáveis do estado de São Paulo."O grande desafio é justamente preparar as pessoas e as lavouras. É uma mudança cultural muito grande, e uma mudança de operações muito grande, complexa e a gente teve que aprender fazendo e em uma velocidade muito rápida, isso daí”, explica João Paulo Pires Martins, gerente agrícola de usina.
Mais de 60% da produção brasileira é colhida com máquinas. Se no início dos anos 90, a safra empregava 600 mil cortadores, hoje o número de trabalhadores fica em torno de 170 mil.
"Isso tem preocupado. As famílias que realmente necessitam do trabalho na lavoura tem passado por dificuldades, não sabem o que vai acontecer lá na frente", afirma o presidente do Sindicato Rural de Mineiros do Tietê, Eduardo Porfírio.
Investimento na capacitação
A dúvida que tira a tranquilidade do trabalhador rural no interior de São Paulo é motivo de discussões na capital do Brasil. A maior parte das políticas agrícolas desenvolvidas hoje pelo Ministério da Agricultura, em Brasília, é voltada para o setor da cana. O governo federal não relaciona a mecanização dos canaviais com o desemprego, mas sim com o aumento da qualidade de vida do trabalhador.
Segundo o Ministério da Agricultura, as máquinas substituem o trabalho degradante do corte de cana e incentivam a qualificação profissional. "A mão-de-obra, ela vai migrar. Este braçal que está na colheita da cana queimada, ele vai entrar para um trator, em uma colheitadeira com ar-condicionado, então vai dar qualidade de vida para ele. E o que sobrar, ele vai para a agroindústria”, destaca Neri Geller, secretário de políticas agrícolas do Ministério da Agricultura.
Nestas atividades, o salário pode passar de R$ 2 mil ou R$ 3 mil por mês. Para formar a mão-de-obra, usinas e sindicatos têm aberto as portas das salas de aula. "A minha expectativa é pegar esse diploma e a empresa que a gente trabalha ou outras empresas também dê uma chance para a gente. A expectativa é essa", conta o cortador de cana, Ivan Batista dos Santos.
Assim como Ivan, muitos que deixam o corte tentam se encaixar em funções de tratorista mecânico e operador de colhedeira. "A gente foi fazendo questão de aprender cada vez mais e passei para o trator. Hoje eu sou operador de colhedeira e pretendo cada vez mais subir mais e a rotina aumentou muito em ganho, felicidade, aumenta tudo na vida", enfatiza Jean Ramos de Pádua, operador de colheitadeira.
Dos pastos aos canaviais
O que era comum se tornou cena rara em Araçatuba (SP). Os grandes rebanhos já não ocupam mais as pastagens já que os criadores preferem manter o gado em outros estados, onde o preço da terra é menor, mas administram os negócios a distância. A tecnologia fez da cidade que era a capital do boi, a capital do pecuarista.
Grande parte das áreas de pasto foi substituída pela cana. São 34.500 hectares e a rotina de quem lida com os bois mudou. "A entrada da cana-de-açúcar na nossa região foi muito importante para capitalizar o produtor rural. A cana-de-açúcar remunera muito mais do que a pecuária. E com isso diminuiu bastante e de forma significativa a pecuária. Nestes últimos dez anos aumentou em 40% da área de cana, mas não necessariamente diminuiu a pecuária na mesma proporção", explica Manuel Afonso, vice-presidente Sindicato Rural de Araçatuba.
A cana-de-açúcar remunera muito mais do que a pecuária. E com isso diminuiu bastante a pecuária. Nestes últimos dez anos aumentou em 40% da área de cana, mas não necessariamente diminuiu a pecuária na mesma proporção"
Manuel Afonso, presidente do Sindicato Rural de Araçatuba
A internet também é ferramenta desse novo panorama da pecuária na região. O olhar está atento à rede que integra o mundo. O pecuarista com chapelão que passa o dia todo na fazenda foi substituído pelo homem do campo moderno, que acompanha as mudanças do mercado pela internet.
Alexandre Ferreira mantém o gado em uma propriedade de Brasilândia, no estado de Mato Grosso do Sul. Nas terras de Araçatuba, plantou cana.
"Se você ficar muito na fazenda, você acaba se desligando um pouco desse mundo virtual que te ajuda demais na hora de vender o boi, na hora de começar a plantar, em relação à chuva, em relação a tudo. Te ajuda em infinitas coisas dentro de uma fazenda", ressalta.
Evolução tecnológica
Tecnologia que ajuda também a prevenir os prejuízos. Foram-se os bois, mas a genética de qualidade permaneceu. Os negócios, hoje, giram em torno da venda de sêmen e de embriões de vacas e touros de elite. "Hoje, através destes testes de DNA, a gente já consegue, desde a fase embrionária, saber quais são, qual é o potencial produtivo de determinado animal, quanto ele pode produzir de leite, o percentual de proteína, o percentual de gordura, ainda em fase embrionária", destaca Rodrigo Vitório Alonso, especialista em reprodução animal.
Evolução tecnológica auxilia a criação pecuária
Apesar de toda a evolução, no campo a natureza continua a ditar as regras por isso os produtores usam a parafernália eletrônica para tentar descobri-las. A prova disso está nos centros meteorológicos. A procura por previsões direcionadas ao campo aumentou tanto quanto o número de máquinas na roça. A tecnologia que antecipa as decisões de São Pedro, como diz o caipira, é uma das áreas de maior interesse do homem do campo.
Em uma empresa de meteorologia em São Paulo, 50% dos clientes são produtores rurais de todo o país. "A meteorologia é importantíssima para o setor rural, porque literalmente o produtor rural enterra seu dinheiro no campo e espera que venha a chuva no período certo, para que esse dinheiro frutifique e com isso ele potencialize os lucros”, explica o meteorologista Celso Oliveira.
E se a previsão é de seca, a água vem dos pivôs de irrigação. No estado de São Paulo, 500 mil hectares têm a garantia de solo úmido o ano inteiro. O equipamento que corta imensas lavouras também pode chegar às pequenas propriedades. O pesquisador da Unesp de Botucatu implantou, na roça experimental, um método alternativo de irrigação, com material reciclável e de baixo custo.
A meteorologia é importantíssima para o setor rural, porque literalmente o produtor rural enterra seu dinheiro no campo e espera que venha a chuva no período certo"
Celso Oliveira, meteorologista
"Ele serve para qualquer tipo de cultura, utiliza a nossa água superficial, que invariavelmente apresenta resíduo de toda a natureza, até em resíduos que refletem em uma contaminação por coliformes fecais e, neste caso, todo agente poluente vai se reverter em agente nutricional para a cultura irrigada. Não temos problemas por contaminação, porque a água é conduzida através do solo, não entra em contato com parte da vegetação que, eventualmente, seria consumida sem processamento, in natura", explica Edmar José Scaloppi, doutor em Engenharia da Irrigação.
Mudança de vida
O progresso invade o campo e coloca um ponto final em histórias como a de Jair Peretti. Um dos maiores cortadores de cana do estado de São Paulo vive em Mineiros do Tietê, no Centro-Oeste Paulista. Jair ganhou três vezes o prêmio "facão de ouro" e chegou a cortar quase 3 milhões de toneladas de cana durante a safra. Foi assim que ele construiu a casa e deu estudo aos filhos.
"Ainda tem um fato que eu lembro bem. Eu tinha uns 18 anos que eu cheguei um dia em casa reclamando, porque eu não queria mais ser professora. Meu pai então falou assim para mim: ‘então olha Suelem, espera um pouquinho que eu já volto’. Pegou a carteira de trabalho dele e aí ele falou: ‘quantos anos você tem agora?’ Eu falei: 18, ele então falou: ‘nossa com 18 anos você já está reclamando abre a certeira de trabalho’. E aí eu abri a carteira de trabalho dele e tinha a foto de uma criança. Meu pai começou a trabalhar com 8,9 anos e foi registrado com essa idade”, Sulem Peretti, filha de Jair.
"Todo trabalho leva o homem a algum lugar, mas com dignidade e é isso que eu passo para eles. Eles têm que batalhar, porque de mão beijada ninguém consegue nada. Tem que ter esforço", finaliza o ex-cortador de cana.