Sistema ILPF e a produção de cana

02/07/2021 Agricultura POR: Eddie Nascimento

Renato Rodrigues da Embrapa revela que o sistema tem potencial a ser explorado pelo produtor

 

O ILPF — Integração Lavoura Pecuária e Floresta vem crescendo no Brasil. Como já noticiamos nesta edição, um evento internacional promovido pela Embrapa trouxe informações importantes sobre o tema, que vem ganhando o mundo principalmente por promover sustentabilidade, ao mesmo tempo em que favorece a diversificação da produção dentro de um mesmo espaço de plantio e melhoria na qualidade do solo. Mas como fica a cana-de-açúcar nessa questão?

Será que a gramínea pode ser usada no sistema? Onde ela entra no processo?

As respostas você confere nessa entrevista com o pesquisador da Embrapa Solos, Renato Rodrigues.

Revista Canavieiros: Como funciona o ILPF na produção de cana-de-açúcar?

Renato Rodrigues: O uso de ILPF na cana-de-açúcar, na concepção de rotação de culturas, ou mesmo pensando-se no plantio simultâneo com árvores, ainda é pouco difundido, mas tem potencial para ser explorado. A ideia é o uso em áreas comerciais de cana-de-açúcar, pois há muito é conhecido o plantio de cana-de-açúcar em fazendas de pecuária para servir de alimento para o gado.     

No sistema ILP, que integra lavoura e pastagem, sem a presença de árvores, a cana-de-açúcar é cultivada por 5 a 6 anos, em média, quando tem que passar por renovação. Lembrando que na região Centro-Sul, a colheita da cana ocorre mais frequentemente no período de abril a novembro. Algumas usinas têm experimentado o plantio de espécies forrageiras, como a Brachiaria ruziziensis, para que se desenvolva durante o período das chuvas, o que geralmente se limita a um período de 5 a 8 meses, dependendo da gestão do canavial. A área formada é usada somente para cobertura do solo e incorporação de matéria orgânica, especialmente em solos arenosos. Por outro lado, com a forrageira pode ser interessante para produção animal, no caso de regiões com essa aptidão, como o oeste de São Paulo, onde as áreas de cana dividem espaço com fazendas de gado. É um sistema integrado em que a pastagem fica por curto período, mas pode ajudar na fase de terminação de bovinos com pasto de boa qualidade.

A utilização de árvores em canaviais comerciais, de forma integrada, ainda é um desafio, embora seja algo interessante quando se pensa na necessidade de adequação da propriedade a questões legais e a oportunidades existentes relacionadas às questões de sustentabilidade, ou mesmo a geração de energia. Por exemplo, usinas que aderem ao Renovabio, política pública com foco na mitigação de gases de efeito-estufa, podem alavancar seus créditos com o sequestro de carbono promovido por árvores. O desafio é desenvolver opções de arranjo do sistema com árvores que não prejudiquem o operacional da cultura da cana.

É importante mencionar que o produtor de cana-de-açúcar tem um perfil bastante empreendedor, e o desenvolvimento de sistemas eficientes deverá ser questão de tempo.

Revista Canavieiros: Quais são os benefícios de se implantar esse sistema para o produtor de cana em específico?

Rodrigues: O sistema ILPF é apoiado no tripé da sustentabilidade e traz benefícios ambientais, econômicos e sociais para o produtor. No caso dos sistemas com cana-de-açúcar, os benefícios são diversos:

- intensificação da produção, ou seja, é possível aumentar a produção numa mesma área, o que implica em maior renda para o produtor com redução na pressão pela abertura e uso de novas áreas;

- diversificação da produção, o que aumenta as fontes de receita e diminui os riscos da produção;

- conservação do solo, com melhoria da estrutura e redução da erosão e da perda de carbono do solo, manutenção e conservação da água no solo, redução da necessidade de uso de nitrogênio, mitigação das emissões de gases de efeito estufa e aumento do sequestro de carbono do solo. Experiências em usinas do oeste de São Paulo, onde predominam solos arenosos, mostraram que a integração da cana-de-açúcar com a pastagem permite maior produtividade da cultura e resposta aos insumos aplicados;

- aumento da geração de empregos no campo, com qualificação da equipe e manutenção de um quadro de empregados fixo ao longo do ano, evitando o êxodo rural.

Revista Canavieiros: É cada vez mais comum que os produtores busquem esse tipo de sistema ou eles têm receio?

Rodrigues: Apesar do grande potencial de adoção de ILPF na produção de cana-de-açúcar, esses sistemas ainda não são usados em grandes áreas. É importante difundir as possibilidades de uso e as experiências de sucesso para que os produtores sintam confiança para adotar o sistema. O estímulo a pesquisas sobre esses sistemas é um importante passo para alcançar modelos de produção eficientes.

Revista Canavieiros: Para o produtor de cana, esse sistema é mais difícil de implantar em comparação com outros?

Rodrigues: Não. O sistema ILPF é passível de ser adotado em qualquer tamanho de propriedade rural e em qualquer região do país. No entanto, é preciso ter a capacitação do produtor e da assistência técnica para que esses sistemas se tornem mais comuns.

Revista Canavieiros: Quais são as etapas para se implantar o sistema na lavoura de cana?

Rodrigues: É preciso estudar bem a propriedade, o entorno e o mercado, além de, obviamente, o sistema de produção. Para a adoção do sistema ILPF é sempre recomendado que o produtor estude bastante as atividades novas que ele pretenda adotar na propriedade e os investimentos necessários para a adoção da tecnologia.

Muitas vezes pode ser difícil para um pecuarista, por exemplo, entrar na produção de grãos, pelo investimento necessário na compra de máquinas e armazenamento da produção. Isso pode ser mitigado com parceria com um vizinho que já possua o maquinário, arrendamento de terras etc.

Para a implantação do componente florestal é preciso verificar a disponibilidade de viveiros de mudas de qualidade na região etc.

Portanto, é sempre preciso ter esse diagnóstico bem feito de dentro e de fora da propriedade e a capacitação do produtor nos novos componentes. Em muitos casos, é como se o produtor fosse começar uma nova profissão (um pecuarista que vira agricultor, um agricultor que começa a plantar árvores etc) e é preciso se preparar para esse novo desafio. Mesmo considerando a possibilidade de compartilhar a área com produtores experientes e equipados, é importante ter algum conhecimento sobre o sistema.  

Revista Canavieiros: O plantio é feito da mesma maneira que em outras culturas? Explique como é esse processo.

Rodrigues: O plantio da pastagem é feito após o preparo do solo com a colheita da cana-de-açúcar. Existem experiências com a introdução da forrageira sem o preparo da área, porém é importante uma operação para eliminar as soqueiras. Como mencionado anteriormente, são sistemas que ainda passam por experimentação para melhor definir as operações agrícolas pensando na eficiência agronômica e econômica. Para a reintrodução da cana-de-açúcar, o preparo da área deverá ser feito como é de costume. Porém, deverá considerar o manejo da forrageira, normalmente com dessecantes, para evitar a rebrota e competição com as plantas e cana-de-açúcar. Nos sistemas ILPF utiliza-se a Brachiaria ruziziensis pela facilidade desse manejo para o plantio das culturas, embora a pesquisa venha mostrando que outras espécies forrageiras, que podem permitir maiores ganhos com a produção animal, sejam também adequadas ao sistema, com boas soluções de manejo.

Revista Canavieiros: Como que é feita a colheita da cana-de-açúcar que tenha esse sistema? Essa cana que é colhida ela pode ser usava para todo o tipo de produção ou ela tem destino próprio?

Rodrigues: A grosso modo, o manejo da cultura da cana-de-açúcar não é modificado no sistema integrado. Ou seja, o produtor não tem que alterar a sua infraestrutura para aderir ao sistema integrado, o que é bom. Deverá, sim, planejar quais áreas adotarão o sistema para que a renovação seja feita em um período adequado para o crescimento da pastagem. A cana colhida segue tendo o mesmo destino definido pelo produtor. Isso não muda.    

Revista Canavieiros: É necessário um tipo de colheitadeira específica para que o pasto não seja danificado?

Rodrigues: Não, pois a cana-de-açúcar e a pastagem não estão presentes ao mesmo tempo na mesma área. Considerando que a cana tem um ciclo de cinco anos em média, e que a Usina decidiu por usar o ILP em toda área, pode-se dizer que 80% da área da Usina estará com cana-de-açúcar e 20% com pastagem a cada ano. Então, não temos preocupação em danificar a pastagem com a colheita da cana, pelo menos pensando nos modelos que vêm sendo testados. 

Revista Canavieiros: Existe um tempo entre uma safra e outra nesse sistema? Geralmente vocês orientam que seja feita de quanto em quanto tempo?

Rodrigues: Em geral, os produtores não adotam o sistema em área total, pois é importante ganhar experiência e ver os resultados para cada condição. A cana-de-açúcar tem um ciclo médio de cinco anos, e na renovação a pastagem é implantada, e permanece até que a cana-de-açúcar seja reintroduzida. Esse tempo de permanência da pastagem é dependente da estratégia da Usina, mas é comum uns seis meses de permanência, para áreas que vão ser rapidamente utilizadas com cana. Às vezes, por questões operacionais, a área poderá permanecer com a pastagem por mais de um ano, quando se espera benefícios ainda maiores para a fertilidade do solo.         

Revista Canavieiros: Sobre o pasto que fica após o corte da cana. A soqueira, ela pode ser danificada por animais que vão se alimentar do pasto?

Rodrigues: O pasto será introduzido após o corte da cana. A cana que ficar na área, normalmente em pedaços ou eventuais rebrotas acabará sendo consumida pelo gado, se o propósito da área formada com a forrageira for a utilização como pastagem. 

Revista Canavieiros: A lavoura pode ser usada mais uma vez ou o processo terá que ser feito novamente?

Rodrigues: A cana-de-açúcar é uma cultura semiperene, tendo um ciclo de 5 a 6 anos, sendo mais comum a sua renovação de cinco em cinco anos. Assim, o sistema funciona de forma cíclica, com cana - pastagem - cana. Em solos arenosos e com presença de pragas, como brocas e o bicudo da cana, o ciclo da cana pode ser encurtado para quatro ou mesmo três anos, mas isso não é regra. De fato, o conceito ILP na cana tem sido entendido pela sequência cana-pastagem-cana.

Revista Canavieiros: O custo para se implantar esse sistema é alto? Difere de outras culturas?

Rodrigues: Para a implantação da pastagem em áreas de renovação de cana, o custo adicional não é muito alto, pois há menos necessidade de uso de insumos (especialmente, fertilizante) e, ao contrário da área que ficaria em pousio no caso de ausência de pastagem, uma renda adicional passaria a ser gerada.

Revista Canavieiros: Existem usinas que atualmente utilizam esse tipo de sistema? Cite casos.

Rodrigues: Há usinas em SP, MT e MS trabalhando com esses tipos de sistemas, especialmente em solos arenosos. No entanto, por não termos parcerias formais com essas empresas, prefiro não citar os nomes.

Revista Canavieiros: Como o produtor que está lendo essa reportagem pode buscar mais informações sobre o assunto?

Rodrigues: Para mais informações sobre sistemas ILPF, recomendamos o site da Rede ILPF: www.redeilpf.org.br, o site da Embrapa: www.embrapa.br, o Serviço de Atendimento ao Cidadão da Embrapa:

https://www.embrapa.br/fale-conosco/sac/ e as unidades de pesquisa da Embrapa nos estados, além das agências estaduais de assistência técnica e extensão rural. 

Revista Canavieiros: Como é feita essa capacitação?

Rodrigues: Ainda não existe um programa específico de capacitação para os sistemas ILPF com cana-de-açúcar. No entanto, a Rede ILPF vai lançar no segundo semestre de 2021 um programa de capacitação por Ensino a Distância para os sistemas ILPF mais tradicionais.

Devido ao grande potencial para uso da cana-de-açúcar nos sistemas ILPF, a Rede ILPF considera inserir esse componente no programa de capacitação e vai buscar parcerias na área.