Sobre quebra de utopias e planejamento

10/11/2017 Cana-de-Açúcar POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra

Toda atividade executada pelo homem gera resíduos, desde o simples ato de brincar com um cachorro, passando por um dia ensolarado em qualquer praia do mundo e chegando na atividade industrial. Seria inocência imaginar que uma cultura com o grau de pressão por produtividade e dificuldade de manejo como a canavieira estaria fora dessa conta.

A entrevista com o Prof. Dr. José Barbosa dos Santos, da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, sediada em Diamantina-MG) e líder do projeto Inovaherb, (que tem como objetivo realizar pesquisas direcionadas ao manejo integrado de plantas daninhas focadas na otimização do uso de herbicidas), é importante para quebrar paradigmas em relação a uma visão “utópica” de que é possível se produzir cana em escalas homéricas sem a utilização do agroquímico, mas por outro lado mostrar que é necessário o engajamento cada vez maior do produtor no sentido de planejar melhor a sua utilização e também se preocupar com possíveis resíduos que possam ficar no solo.

Revista Canavieiros: Você acredita que é possível fazer agricultura em grande escala sem a utilização de herbicidas?

José Barbosa dos Santos: Não. Talvez devido ao valor agregado, podemos ver algumas culturas orgânicas aumentando no país, mas trabalhar em larga escala, digo commodities, eu não consigo enxergar o trabalho sem a utilização dos herbicidas.

Revista Canavieiros: Quais pontos é preciso avançar mais em termos de manejo de herbicidas na cultura da cana?

Santos: Já evoluiu muito no quesito de utilização de tecnologia de aplicação, mas ainda tem o que evoluir no sentido de se aplicar mais que o recomendado. Uma prática muito interessante para se evitar esse desperdício seria o fato de se utilizar as tecnologias de aplicação relacionadas com o momento do dia e as condições climáticas, somente com isso já é possível otimizar, e muito, as doses recomendadas. Então, o ponto central é a relação tamanho da dose e aplicação correta.

Revista Canavieiros: Por que um produtor de cana precisa se preocupar com a presença de resíduos de herbicidas em sua lavoura?

Santos: São dois pontos, a questão agronômica e a ambiental. Na agronômica se ele tiver um solo muito contaminado poderá perder produtividade em cortes futuros e até mesmo longevidade do canavial, além do problema da reforma na hora de fazer a rotação de cultura. Do ponto de vista ambiental, principalmente nos canaviais paulistas, que estão acima do aquífero Guarani, é a sua contaminação, o que pode trazer graves problemas para gerações futuras.

Revista Canavieiros: Qual método o produtor pode adotar para ver a quantidade de resíduos de herbicidas tem em seu solo?

Santos: Com um orçamento recheado é possível contratar um laboratório que fará a parte analítica do solo de fato, também existe um método mais rápido e prático que é o biológico, que consiste em pegar espécies mais sensíveis aos agroquímicos, colocar em um vaso com amostras da terra e ver se sobrevivem. No laboratório nós brincamos que há dois tipos de plantas que não existe herbicida no mundo que não mate, o sorgo e o pepino.

Revista Canavieiros: Caso esteja com áreas que apresentem um número alto de resíduos, qual atitude o agricultor deve tomar?

Santos: Meu foco principal de pesquisa está relacionado à fitorremediação, que consiste em escolher plantas como agentes de purificação do solo ou ambientes aquáticos onde apresentam taxas elevadas de resíduos químicos, que no meu caso, são os herbicidas. Sendo assim, é preciso saber qual a planta que melhor se encaixará para limpar o tipo de produto que está naquele solo e fazer o seu plantio, que é feito, no caso da cana, no momento da rotação de cultura depois do último corte.

Revista Canavieiros: Sobre a utilização de rotação de herbicidas em canaviais, qual sua visão?

Santos: O agricultor tende a se acostumar com um produto e às vezes a tendência de mudança é muito difícil, faz parte do ser humano ser fiel com aquilo que deu certo. E os problemas pela utilização de um único herbicida, às vezes, demora a ser visto pelo agricultor, que dentre outros é o aparecimento de plantas daninhas resistentes. Hoje existe um portfólio gigantesco desse produto, e também em grande número a realização de pesquisas feitas em universidades. Assim, eu acredito que a difusão da informação que está na academia para o campo faria uma grande diferença.

Revista Canavieiros: Qual herbicida o produtor precisa tomar cuidado com resíduos se ele planeja fazer rotação com amendoim?

Santos: Com certeza são aqueles com maior efeito residual, não há dúvidas que o tebuthiuron é o principal deles. Das pesquisas que fizemos na área de cana, nossa maior preocupação é com ele. Lógico que existem outros, mas é preciso realizar novos estudos para medir o potencial. Acredito que toda a linha voltada para folhas largas pode dar algum tipo de problema se não for feito o manejo correto.

Revista Canavieiros: Fale um pouco sobre custos em se adotar a fotorremediação.

Santos: Os custos e retornos precisam ser bem calculados. Para a cultura canavieira se recomenda a utilização dessa técnica no momento de reforma. Um ponto que ainda é bastante crítico é a disponibilidade de sementes, porém com a entrada das pesquisas no mercado, esse custo tende a cair ao começar a ganhar escalabilidade.

Revista Canavieiros: E as pesquisas nessa área, como estão?

Santos: No Brasil existe muito trabalho publicado, há pelo menos 20 instituições de ensino trabalhando diretamente com o tema. Ainda existe um universo de temas para serem estudados, para se ter noção, pense nas centenas de herbicidas regulamentados.

Revista Canavieiros: Como você vê a cana orgânica?

Santos: É um nicho de mercado. Com certeza para se apostar nessa forma de se produzir é preciso estar preparado financeiramente para problemas que aparecerão e ter muito conhecimento técnico da área, lógico que todo esforço gera uma remuneração melhor que a do mercado, mas acho que ela sempre será um nicho de mercado.

Revista Canavieiros: Como funciona um programa de fotorremediação para rios com a utilização de plantas aquáticas? Santos: A fotorremediação para corpo hídrico foi bastante implementada nos EUA, e existem muitos locais no mundo que a utilizam para combater resíduos de metais pesados. Vale lembrar que para se precisar dessa técnica, o estrago ambiental já foi muito grande, ou seja, ninguém quer chegar nessa necessidade, nós trabalhamos para conter esses produtos antes que eles cheguem no curso da água, quando ele ainda está no solo.