SOJA À PAULISTA

08/11/2019 Agricultura POR: Marino Guerra
SOJA À PAULISTA

Gustavo Chavaglia é muito mais que um atuante líder setorial, pois  além de liderar a Aprosoja paulista, também é membro do conselho da associação nacional, conselheiro da Canaoeste, diretor da Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo) e um empreendedor rural dedicado.

Com operações de cana e grãos na região de Ituverava, Triângulo Mineiro e sul de Goiás acompanhadas ativamente, ele sabe levar para as entidades de classe os calos mais doloridos do produtor.

Dessa maneira, a conversa que a Revista Canavieiros desenvolveu com o executivo tratou de assuntos mais macros como a conjuntura atual da soja paulista, a reforma tributária e as perspectivas da próxima safra, mas também questões da roça como manejo e postura do produtor perante a revolução da informação.

Sendo assim, a entrevista a seguir pode ser degustada como um virado à paulista, onde a mistura de diversos elementos dá o tom de um sabor todo particular.

Revista Canavieiros: Qual é o tamanho dos campos de soja no Estado de São Paulo?

Gustavo Chavaglia: Hoje, no Estado, temos cerca de um milhão de hectares destinados à cultura da soja. Desse montante, cerca de 50% está em área de rotação de cultura de cana. Geograficamente, a área onde a soja é a principal cultural está mais concentrada no centro-sul do Estado, enquanto que a outra metade da parcela está ao norte, com a concentração canavieira.

Esse número é determinante para mostrar como está firme o casamento entre a soja e a cana-de-açúcar.

Revista Canavieiros: Qual o atual perfil do produtor que planta soja em áreas de rotação de cultura?

Chavaglia: É variado, temos usinas produzindo soja, inclusive o maior produtor do Estado é a Alta Mogiana, unidade industrial localizada em São Joaquim da Barra-SP. Lá, os próprios produtores  fazem todos os manejos, desde o preparo de solo, passando pelo plantio, todos os tratos, a colheita e a entrega.

Também há um número significativo de fornecedores que usam dessa opção para melhorar o seu solo e ter rendimento para o plantio seguinte. E vem crescendo bastante a figura do produtor especializado que arrenda a terra de usina, e fornecedores que não querem tocar a plantação.

Sendo assim, a rotação de cultura com soja é uma prática que ainda não atingiu seu teto de crescimento, podendo ganhar ainda mais destaque no cenário de produção não só estadual, como nacional.

Revista Canavieiros: Dentro da cana existe um dilema técnico, que é fazer a rotação de cultura através de uma produção comercial (como a soja) ou utilizar um adubo verde, (crotalária), que não gera renda, mas por outro lado fixa uma quantidade de nitrogênio superior no solo. Qual a sua visão sobre esse tema?

Chavaglia: A grande vantagem da soja é o retorno econômico. Mas, pensando no solo, há técnicas que podem ser feitas para deixar uma quantidade maior de nitrogênio, dentre elas a mais conhecida é a inoculação.

Acho a crotalária muito boa, mas num cenário em que você consegue aliar o ganho econômico e diminuir a diferença em relação ao perfil de solo, ao pesar os dois lados, eu fico com o grão.

Revista Canavieiros: Olhando para a inoculação, quais as formas de manejo são mais usuais?

Chavaglia: Hoje estamos percebendo um processo de adequação de seu uso. Antigamente se trabalhava com uma dose e hoje tem gente que trabalha com quatro, outros produtores estão fazendo a aplicação direta, na frente da plantadora, tendo como alvo a inoculação do solo e não da semente.

Existem várias práticas e técnicas que podem contribuir, o que vai diminuir cada vez mais a distância para a crotalária na questão de nutrição do solo.

Outro ponto em relação à adubação verde é que com a soja a limpeza que você tem da área é muito maior, em decorrência das práticas de herbicida. Numa soja RR pode-se trabalhar a questão de controle de algumas pragas também.

Revista Canavieiros: Já é possível afirmar que as condições de tempo para esse período de plantio não são as melhores, principalmente porque a chuva não é suficiente para dar segurança ao produtor a iniciar sua temporada. Como o senhor enxerga esta situação?

Chavaglia: As previsões de que se iniciaria o período de chuva um pouco mais à frente em relação ao ano passado se confirmaram. É preciso observar uma janela ideal para o plantio de soja. Em São Paulo ela vai entre 10 de outubro a 10 de novembro, podendo chegar até 30 de novembro, conforme o comportamento do clima.

A janela ideal sempre é mais segura, porém quando a cultura irá fazer rotação com cana é preciso plantar o quanto antes para desocupar essa área com a colheita, liberando-a para entrar com o canavial entre março e, estourando, em abril.

Esse é o jogo de tempo que todo produtor de cana preparado para plantar soja está se movimentando hoje.

Revista Canavieiros: Ultimamente, anda-se dizendo muito que para ter ganhos de produtividade o produtor de cana precisa olhar para sua lavoura como o produtor de grãos olha. Como o senhor interpreta esta afirmação?

Chavaglia: A primeira coisa a analisar é que a soja é uma cultura com um período de tempo mais curto, o que demanda uma atenção imediata a cada dia, pois há problemas que se aparecerem hoje é preciso fazer a aplicação, no máximo, depois de amanhã para a planta não morrer. A cana, por ser perene, permite um tempo de reação um pouco maior.

Mas essa vantagem dos canaviais está caindo com a pressão elevada de pragas. E por isso, atualmente, o produtor de cana foi obrigado a inserir manejos que não haviam no passado e dentre eles está o corte de soqueira. A questão da palha, a qual eu digo que cada talhão é um caso, pois se você deixar, embora tenha o ganho da matéria orgânica e retenção de umidade no solo, cria um ambiente propício para o desenvolvimento da broca e cigarrinha.

Antigamente, até o fim da cana queimada, a cultura era "meio boiadeira", era como soltar o boi no pasto. Hoje, como o boi, a cana e qualquer cultura demandam uma atenção constante.

Assim, vejo nesse sentido, pois todas as mudanças que aconteceram no cultivo da cana obrigam o produtor a ter a mesma atenção extrema que o sojicultor tem em sua lavoura, só que com uma diferença - no caso dos grãos ela demanda no máximo quatro meses, e a cana é o ano todo.

Revista Canavieiros: Neste sentido, trabalhar sozinho é praticamente impossível...

Chavaglia: O produtor precisa ser tecnificado, estar atento às informações, fazer levantamento da área. Hoje não existe mais receita de bolo, não tem mais o pacote da cana, precisa usar as ferramentas das associações como as que a Canaoeste oferece como, por exemplo, o levantamento de pragas e a análise de solo.

Revista Canavieiros: Numa agricultura cada vez mais de escala, como o senhor vê o futuro do pequeno produtor de cana?

Chavaglia: Em primeiro lugar é preciso cooperar mais e, dentro dessa filosofia, os pequenos deveriam se ajudar no sentido de acompanhar a evolução tecnológica, colaborando um com o outro. Mas talvez seja um pouco de utopia porque o produtor brasileiro não tem essa cultura.

Outra forma de buscar sobrevivência em área pequena é aumentar a produtividade. Nesse caso, o produtor terá que cuidar de sua área com o mesmo capricho que cuida de uma operação de hortifruti, e pensar no consórcio com confinamento, produção de frango, enfim, encontrar soluções que a escala não permite.

É quase fazer uma agricultura artesanal. É como um pequeno fornecedor de leite que não conseguirá se manter de pé ao fornecer para um grande laticínio que produz leite longa vida, mas girará seu negócio se fizer, dentro de casa, um queijo específico.

Assim, uma área pequena de cana tem que ser uma das melhores e para isso é preciso buscar novas práticas como, por exemplo, no caso da adubação com o uso da cama de frango, do esterco.

Revista Canavieiros: O que acha da rotação de cultura de longo período na cana-de-açúcar?

Chavaglia: Se o produtor tiver condições de adotar esse manejo, fazendo uma safra de verão de soja ou amendoim, entrar com o milho safrinha e depois, antes da cana, mais um plantio de grãos, é o melhor dos mundos porque quanto mais tempo sem a presença da cultura principal numa área, mais diminuirá a pressão de pragas.

Porém, o produtor de cana precisa pensar em cana, a atividade principal dele é essa, é o seu ganha-pão. Dessa forma, geralmente ele não consegue dispor sua área de reforma por um período tão longo, é no máximo fazer uma soja no verão e voltar com o plantio do novo canavial.

Revista Canavieiros: Acredita num cenário futuro onde as usinas paulistas se tornarão flex, ou seja, também produzirão etanol de milho?

Chavaglia: Acho muito difícil. A produção de etanol tendo o milho como matéria-prima é uma grande solução para o Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, principalmente como ferramenta para resolver parte dos problemas de escoagem da safra, isso porque ao produzir etanol e também carne, através do DDG, na mesma região produtora de milho, além de industrializar a produção, agregará valor sem custo de frete e parte será consumida na própria localização.

Agora, embarcar o milho lá no Mato Grosso e descer para o Sudeste para concorrer com a produção de cana aqui, além de gastar quase tudo no frete, interferirá no preço local.

Outro ponto é que São Paulo não é autossuficiente nem para atender à demanda do seu rebanho e granjas. Agora, se no futuro tiver um crescimento de produção dentro do Estado, talvez acabe sendo viável às usinas adaptarem seu parque industrial e começarem a produzir etanol através do grão.

Revista Canavieiros: Além de liderança, o senhor também é um produtor de cana e soja. Qual o seu manejo em rotação de cultura?

Chavaglia: Se tiver tempo para uma rotação longa (soja, milho e soja), vejo que é possível fazer um preparo de solo convencional, assim eu destruo a soqueira, escarifico, subsolo e gradeio.

Agora, em caso da rotação convencional ou até mesmo em meiosi, parto para o plantio direto tanto do grão na palha da cana como na formação do canavial em cima do que sobrou da soja.

Revista Canavieiros: Como é a logística de escoamento da safra paulista de soja?

Chavaglia: São Paulo tem ferrovias, rodovias, portos e até armazéns sobrando. Perante essa estrutura e também considerando que a maioria dos canais de consumo, esmagadoras e exportadores está aqui, há uma conjuntura favorável de valorização natural da saca produzida no Estado.

Contudo, o resto da produção nacional acaba fazendo uma pressão para que o preço daqui também não dispare. As distorções surgem quando a guerra fiscal entre os estados entra na dinâmica do negócio.

Sobre esse aspecto, com o anseio dos outros estados exportarem a preços mais competitivos, criam-se programas de compensação fiscal. Essa prática acabou desequilibrando tanto o mercado que chegou ao ponto da soja do Mato Grosso do Sul ser mais competitiva do que a paulista.

Essa condição passou a prejudicar o produtor paulista. Com isso, o atual governo do Estado precisou se movimentar e editou um ajuste para amenizar essa questão.

Revista Canavieiros: Uma reforma tributária bem-feita acabaria com esse tiroteio...

Chavaglia: A questão da reforma tributária precisa acontecer de modo que elimine a guerra fiscal entre os estados, porque a atitude de um governador às vezes prejudica milhares de produtores de outro Estado.

Então, a reforma precisa focar em desburocratizar o crédito. Se ela tiver que acontecer é para facilitar, não é só tirar o peso da carga, mas eliminar a enxurrada de distorções que o sistema fiscal brasileiro proporciona.

Revista Canavieiros: Gostaria que desenhasse um perfil agropecuário da região e como enxergará esta imagem daqui a dez anos, por favor.

Chavaglia: No Norte paulista, a predominância é a cana-de-açúcar com boa adesão à soja como segunda atividade. Aqui também encontramos alguma coisa relacionada a citros, seringueira, café e pecuária confinada.

A questão da atividade é muito sensível a uma conjuntura ligada a diversos aspectos, que vão desde a topografia e o clima, até a sua rentabilidade. A atividade se instala pela sua remuneração, se remunera pouco é menor, se paga mais é maior.

Perante essa constatação, enxergo o desenho da próxima década muito ligado ao desenvolvimento do RenovaBio. Ele é uma política de Estado que veio para dar a tão sonhada previsibilidade à indústria de energia limpa.

Então, ele andando bem, não vejo muitas alterações, mas o seu fracasso colocaria o predomínio da cana em sérios riscos.

Revista Canavieiros: Qual a importância do produtor estar conectado ao que acontece no mundo para tocar o seu negócio?

Chavaglia: Hoje estamos inseridos numa economia totalmente globalizada. No caso da soja, concorremos com a Argentina e os Estados Unidos. Se pensarmos no comércio, uma loja de roupa não concorrerá com outra do lado da rua, mas com o mundo inteiro.

Sendo assim, o produtor precisa ter esse pensamento global, saber quais são as dinâmicas dos mercados que sua produção está inserida, o comportamento do dólar e do petróleo.

Na soja, por exemplo, precisamos sempre estar de olho no estoque mundial, pois isso será um dado importante para definir a variedade a ser plantada, como iremos negociar, dentre outras movimentações ou até mesmo deixar de produzir o grão e partir para uma cultura que esteja remunerando melhor.

Se informar também é importante na questão de melhoria dos custos, não dá mais para ficar refém de pacotes de produção pré-definidos, o produtor precisa conhecer tudo que está na prateleira.

Revista Canavieiros: O senhor acredita que o agro brasileiro alimentará o mundo?

Chavaglia: O nosso agro já é um grande produtor e exportador. O Brasil, nesse clima tropical, conseguiu e conseguirá dar a resposta a qualquer mercado. Contudo, quem sinaliza se você deve aumentar sua produção ou não é o mercado.

Por isso, dar tempo a ele é importante, mas, conhecendo como conheço todo o Brasil, andando por todas as regiões, vendo o potencial do produtor brasileiro, posso afirmar que o agro nacional está preparado para responder a qualquer demanda que o mundo possa necessitar.

Podemos ampliar a produção sem aumentar a área e prova disso é que o ganho de produtividade é contínuo. Então, se o mercado consumidor sinalizar que precisa, o campo dará uma resposta positiva, mas precisa ter preço também.

Vale a ressalva que conseguimos isso sem precisar cortar uma árvore, mas avançando em cima de rotação de pastagens, otimizando o uso da terra, produzindo mais na mesma área e mantendo o equilíbrio econômico, social e ambiental, trazendo para toda a população uma condição totalmente sustentável.