Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia conta a saga de Jó, um homem de quem Deus tirou todos os bens, a família e a saúde para testar sua fé. É a essa imagem que recorre Luis Stuhlberger, gestor do mais conhecido multimercado brasileiro, o fundo Verde, para ilustrar as provações pelas quais o investidor vai passar neste ano. "2015 vai ser o ano de Jó", afirmou em entrevista exclusiva ao Valor, a primeira no controle da Verde Asset Management, nova gestora que nasce com R$ 30 bilhões sob gestão e o Credit Suisse como sócio minoritário. "Você tem Deus conspirando contra o Brasil: não dá água, não tem energia, os preços das commodities estão caindo, o governo aperta em 2% do PIB...", afirma, antes de emendar a ironia: "mas vamos estar mega otimistas, porque 2016 vai ser melhor".
Stuhlberger passa longe de compartilhar a paciência de Jó. Mesmo surpreendido positivamente pela nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, montou posições que ganham com a queda da bolsa brasileira e com a alta do dólar. Acertar os movimentos da moeda americana, seara em que poucos economistas ousam especular, foi a estratégia que mais rendeu ganhos na história do Verde, ainda que se expurgue a maxidesvalorização, forte movimento de queda do real em 1999, quando o fundo teve seu maior ganho, de 135,4%.
Nos 18 anos de vida, o Verde rendeu 9.337%, contra 1.313% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). A carteira somente perdeu para o referencial duas vezes: em 2008, o Verde teve o único retorno negativo de sua história, de 6,44%, enquanto o CDI rendeu 12,37%, e, em 2014, o fundo obteve 8,8%, ante 10,81% do CDI. Apesar da diferença pequena para o benchmark, o gestor aponta o ano passado como um dos mais sofridos de sua história. Para ele, suas teses provaram-se corretas - reeleição de Dilma Rousseff, dólar forte, estagflação e piora fiscal -, mas a execução foi prejudicada, entre outros motivos, pela inesperada versão "Dilma 2.0". Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Colapso do modelo
Muito pouco tem se falado neste começo deste ano sobre a tendência econômica do Brasil, que chamo há dois anos de colapso do modelo. Estávamos muito certos disso independentemente do preço dos ativos ou da questão da execução. É algo importante que o mercado não está levando em conta, [estando] 'in love' com Joaquim Levy. O que é o modelo brasileiro dos últimos 24 anos, desde a Constituinte? Um modelo de crescimento sem nenhuma reforma. É um modelo que tem dois pivôs: cresce o tamanho do governo, principalmente em pagamentos a pessoas: funcionários públicos, salário mínimo, gastos sociais. A participação do governo cresceu absurdamente, de 25% para 40% do PIB em 25 anos. E cresce a fatia do mercado de trabalho. Os salários, que no Brasil eram baixíssimos em relação ao PIB, hoje suspeitamos que estão beirando 58% do PIB.
Queimando na carne
O que sempre foi claro para mim que aconteceria com o modelo: se o tamanho do consumo do governo e do trabalho é tão grande, não sobra nada para os lucros. A lucratividade das empresas não financeiras está colapsando. Quem está pagando um pouco a conta são elas. Todo mundo sobrevive, mas queimando na carne, não gordura, quer dizer, queimando capital de giro, lucros, tomando empréstimos para diminuir prejuízos. É simplesmente impossível crescer sem reforma.
Dilma 2.0
O colapso do modelo nos levou a ter um PIB quase zero nos últimos dois anos, com uma inflação alta e o crescimento de despesas do governo ainda na faixa de 7% a 8% ao ano acima da inflação. Acho que a presidente Dilma viu que isso ia obviamente nos levar à perda do grau de investimento. O Brasil tem uma vantagem enorme sobre outros países, como Argentina e Venezuela, porque ele sabe muito bem que perder o grau de investimento é um desastre.
Efeito surpresa
Por que fiquei muito surpreso com Joaquim Levy? Eu jamais esperaria alguém tão ortodoxo. Ele é muito mais ortodoxo do que qualquer um que o PSDB pensasse em colocar. Mas a gente tem que estar preparado para o próximo passo, que tem que ser logo, que são as reformas. Porque senão tudo isso adianta pouco ou vai servir só para ganhar tempo.
Reformas, mais que ajustes
A primeira coisa a fazer é um ajuste fiscal. Agora, isso não resolve nosso problema, nem de longe. Melhora a alocação de capital, mas não é por conta disso que você vai crescer. O que o governo está fazendo agora não são reformas, mas cortar coisas grosseiramente erradas, como alguém ficar seis meses no emprego e ter seguro desemprego, não ter Cide - todo país do mundo tem Cide -, segurar tarifa pública... Todo mundo ficou muito impressionado com a rapidez e agilidade com que o Joaquim Levy fez isso. Mas, para crescer, o Brasil tem que resolver esse dilema de tamanho do governo e do mercado de trabalho. E é a parte mais dura de fazer. Por que eu sou cético? Porque isso não é o que o PT quer. Obviamente quando estivermos perto da próxima eleição, aí essas questões voltam à tona.
Chão da fábrica
A análise desses fatos vem sendo dada por consultorias ou bancos que olham do lado otimista. Não é alguém que está no chão da fábrica, com milhares de funcionários e lidando com esse problema de falta de reformas. Eu diria que a confiança do empresário que está na economia real é bem distante [daquele] da economia financeira. A vida está bem mais difícil e será bem mais difícil. Não que aqui a gente não sofra junto, sem IPOs, sem fusões e aquisições, mas obviamente não se compara com a situação da indústria e do comércio, que têm de competir com China, Coreia, México, e que vão ver essa fase do ajuste bem dolorosa nas suas vendas deste ano.
A sorte acabou
Estamos passando por essa fase ruim junto com uma queda expressiva de preço das commodities e com um risco de racionamento de água e de energia. Isso aí não é culpa de ninguém, simplesmente a nossa sorte acabou. Tem um lado do mercado hoje que diz: puxa, finalmente a matriz econômica é boa. E tem um lado da esperança, que é importante, de confiança dos estrangeiros, que gostam do que estão vendo. E você vai passar o ano inteiro numa espécie de batalha entre expectativa e realidade, entre ver o quanto você aguenta do ruim para esperar um futuro melhor.
Ano bíblico
Tem um filme dos irmãos Coen, "Um Homem Sério", que menciona o tempo inteiro um capítulo da Bíblia. É a história de Jó. Ele era um homem sério e um dia Deus aposta dizendo: se eu tirar tudo dele, será que ele ainda vai acreditar em mim? Ele fica doente, perde a mulher, depois todo o dinheiro. E 2015 vai ser a história de Jó. Você tem Deus conspirando contra o Brasil: não dá agua, não tem energia, os preços das commodities estão caindo, o governo aperta em 2% do PIB... Mas vamos estar mega otimistas porque 2016 vai ser melhor! Estou vendo que vamos viver o nosso ano bíblico.
Preços errados de ações e do real
Eu olho os preços dos ativos brasileiros e penso em manter estratégias principalmente nos preços que estão errados, que são os das ações e o do câmbio. Como a gente nunca sabe o que vai acontecer, a grande questão é ver o que está no preço. Na história do Verde, pegamos seis ou sete vezes um salto de mercado negativo e duas vezes um positivo. Quando o Lula ganhou, em janeiro de 2003, com o risco Brasil em 2 mil pontos, o dólar a R$ 4 e a bolsa em 10 mil pontos, eu disse: bem, vou dar o benefício da dúvida. Essa era uma tremenda oportunidade de pegar um 'upside'. Agora, não é que eu acredito zero que isso [as mudanças econômicas] vai dar certo. Evidentemente eu estou muito mais feliz com o Joaquim Levy do que estava antes, mas eu olho preços relativos. Talvez se o Ibovespa estivesse em 30 mil pontos e o câmbio em R$ 4, eu não estaria falando isso.
Vendido em bolsa
Acho que esse desafio de expectativa versus realidade vai ser dominante neste ano no fronte doméstico. E continuo achando que os ativos estão precificando somente o lado bom disso. Tinha uma posição de venda do Ibovespa em dezembro, mas acabei zerando por conta do efeito Rússia. Agora estou reabrindo, mas via uma estrutura de opções, assim como o câmbio. É um seguro, com risco de capital delimitado. Às vezes me sinto quase um antipatriota, porque vou lucrar se o Brasil for mal, mas, no limite, acho que o mercado está se posicionando com excesso de otimismo. Quer dizer, levou 20 anos para chegarmos a um PIB zero e um déficit nominal de 6,5%. Precisa de reformas profundas e elas não são nada fáceis de serem feitas, porque mexem nas estruturas trabalhista e tributária.
Poucas empresas eleitas
Tenho uma posição de uns 5% do patrimônio comprado em ações, mas hedgeada [protegida]. Então diria que minha exposição em ações no Brasil está mais ou menos zerada. Obviamente em toda mudança de matriz econômica você tem ganhadores e perdedores, mas, honestamente, se a indústria brasileira não renascer e não ganhar um pouco de competitividade, vamos ter sérios problemas. Nesse modelo existente no Brasil, que criminaliza o empresário, quem vai dar emprego no futuro?
Se Jó perder a esperança
Como o Banco Central continua vendendo swap, está dando um certo suporte ao câmbio. Além disso, o que muito me surpreendeu, saíram dados inesperadamente ruins dos Estados Unidos, que poderiam levar o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] a demorar mais para subir o juro. Isso dá um pouco mais de suporte às moedas de mercados emergentes. Mas isso não vai resolver nosso problema, porque, com um câmbio em R$ 2,60, vamos fazer um déficit em conta corrente de 4% ou 4,5% neste ano. Estou me posicionando para um dólar muito mais apreciado, mas com risco limitado, acima de R$ 3 se essa equação bíblica não for bem-sucedida. Quer dizer, se Jó perder a esperança em Deus.
Sem juro na estratégia
Eu não tenho grandes teses de investimento em juro. Estou hoje mais focado em eventualmente pegar um grande estresse da bolsa para baixo e na depreciação do real. Porque, no limite, se as coisas não forem bem, uma depreciação do câmbio resolve. Se o câmbio deprecia um monte, naturalmente um produto importado do México ou da Coreia vai ficar mais caro. Você dá uma sobrevida à indústria nacional e põe de volta no lugar o nosso custo unitário de trabalho, que é altíssimo para qualquer padrão do mundo.
País não vai quebrar
É muito melhor você ter o equilíbrio virtuoso, mas se o equilíbrio virtuoso, que é com reformas, não der certo, o vicioso sempre resolve, que é mais inflação e mais depreciação [do câmbio]. Então quando eu digo que sou pessimista, não digo que o Brasil vai quebrar, longe disso. Ele vai para o equilíbrio vicioso.
Duplamente pessimista
Independentemente de eu ser gestor do Verde, de ver o risco/retorno, [se quiser saber minha opinião] só como um ser pensante, de fato eu acho que vai dar errado mesmo [o atual modelo econômico]. Porque acho que são necessárias reformas muito profundas, independentemente de eu me sentir antipatriótico. Me sinto péssimo falando isso, mas acho que não vai dar certo. Embora eu ache 'que bom, valeu, foi uma boa tentativa'.
Quem não erra?
Posso estar errado? Óbvio. Quem previu em 2 de janeiro do ano passado, com a Treasury a 3% e o petróleo a US$ 100, que o ano ia acabar em 2% e US$ 50? Nunca imaginei que a Dilma fosse colocar alguém como Levy. O Ministério da Fazenda é o coração do governo. Você tem um orçamento limitado, e agora mais limitado do que era antes, e sofrendo todas as pressões. Não é uma coisa trivial quando você dá o coração do governo a alguém que pensa estruturalmente diferente.
Modo 'light'
Até vejo gente muito inteligente e boa, como o Henrique Meirelles ou o Luis Carlos Mendonça de Barros pensando radicalmente diferente de mim. Se eu tivesse certeza do que eu estou fazendo, não ia fazer uma posição de opção de índices. Faria um negócio muito mais forte, o que não quer dizer que eu não possa fazer, dependendo das circunstâncias. Mas hoje eu estou obviamente com medo de ser atropelado por essa onda de otimismo. Por isso, eu tenho que fazer um negócio ainda light.
Quando o bem triunfa
Acho que a principal questão agora é olhar mesmo essa história de correção do modelo e [até] quanto as expectativas aguentam. E onde as expectativas triunfam? Se todo mundo que produz resolver aumentar a capacidade, aumentar a produção, ou abrir mais lojas, acreditando num futuro melhor, apesar da conjuntura ruim, isso é relevante. Aí significa que o Joaquim Levy vai ganhar. Existe obviamente essa possibilidade.
Desempenho passado
Em 2012 e 2013, executamos maravilhosamente bem. Em 2014, não diria que o ano foi ruim, só foi sofrível, [o Verde] deu um pouquinho abaixo do CDI. Mas em termos de economia brasileira, pelo menos, aconteceu tudo aquilo que a gente sempre achou que ia acontecer, desde 2010. Naquele ano, escrevi um texto no relatório do Verde chamado "Moto-Contínuo Tropical", em que disse: isso aqui vai dar muito errado. Às vezes você pode estar certo e executar errado, mas faz parte da vida. Teve gente no ano passado que executou melhor do que eu, mas acho que a gente estava certo mesmo.
Um 2014 para esquecer
Acho que um dos momentos piores da história do Verde foi o ano passado. Não consigo me lembrar de uma época pior, embora obviamente a memória esteja mais fresca. Existem outros momentos de sofrimento, mas não com essa magnitude e tempo. Primeiro pela questão do dólar. Quando a Treasury caiu de 3% para 2,5%, o dólar enfraqueceu no mundo e estruturalmente isso foi contra a nossa tese. E segundo pela questão eleitoral. Eu achava que a Dilma tinha 90% de chance de ganhar e o mercado chegou a precificar a Marina com 90%. O pior sofrimento como gestor é quando os mercados vão contra o que você acredita.
Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia conta a saga de Jó, um homem de quem Deus tirou todos os bens, a família e a saúde para testar sua fé. É a essa imagem que recorre Luis Stuhlberger, gestor do mais conhecido multimercado brasileiro, o fundo Verde, para ilustrar as provações pelas quais o investidor vai passar neste ano. "2015 vai ser o ano de Jó", afirmou em entrevista exclusiva ao Valor, a primeira no controle da Verde Asset Management, nova gestora que nasce com R$ 30 bilhões sob gestão e o Credit Suisse como sócio minoritário. "Você tem Deus conspirando contra o Brasil: não dá água, não tem energia, os preços das commodities estão caindo, o governo aperta em 2% do PIB...", afirma, antes de emendar a ironia: "mas vamos estar mega otimistas, porque 2016 vai ser melhor".
Stuhlberger passa longe de compartilhar a paciência de Jó. Mesmo surpreendido positivamente pela nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, montou posições que ganham com a queda da bolsa brasileira e com a alta do dólar. Acertar os movimentos da moeda americana, seara em que poucos economistas ousam especular, foi a estratégia que mais rendeu ganhos na história do Verde, ainda que se expurgue a maxidesvalorização, forte movimento de queda do real em 1999, quando o fundo teve seu maior ganho, de 135,4%.
Nos 18 anos de vida, o Verde rendeu 9.337%, contra 1.313% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). A carteira somente perdeu para o referencial duas vezes: em 2008, o Verde teve o único retorno negativo de sua história, de 6,44%, enquanto o CDI rendeu 12,37%, e, em 2014, o fundo obteve 8,8%, ante 10,81% do CDI. Apesar da diferença pequena para o benchmark, o gestor aponta o ano passado como um dos mais sofridos de sua história. Para ele, suas teses provaram-se corretas - reeleição de Dilma Rousseff, dólar forte, estagflação e piora fiscal -, mas a execução foi prejudicada, entre outros motivos, pela inesperada versão "Dilma 2.0". Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Colapso do modelo
Muito pouco tem se falado neste começo deste ano sobre a tendência econômica do Brasil, que chamo há dois anos de colapso do modelo. Estávamos muito certos disso independentemente do preço dos ativos ou da questão da execução. É algo importante que o mercado não está levando em conta, [estando] 'in love' com Joaquim Levy. O que é o modelo brasileiro dos últimos 24 anos, desde a Constituinte? Um modelo de crescimento sem nenhuma reforma. É um modelo que tem dois pivôs: cresce o tamanho do governo, principalmente em pagamentos a pessoas: funcionários públicos, salário mínimo, gastos sociais. A participação do governo cresceu absurdamente, de 25% para 40% do PIB em 25 anos. E cresce a fatia do mercado de trabalho. Os salários, que no Brasil eram baixíssimos em relação ao PIB, hoje suspeitamos que estão beirando 58% do PIB.
Queimando na carne
O que sempre foi claro para mim que aconteceria com o modelo: se o tamanho do consumo do governo e do trabalho é tão grande, não sobra nada para os lucros. A lucratividade das empresas não financeiras está colapsando. Quem está pagando um pouco a conta são elas. Todo mundo sobrevive, mas queimando na carne, não gordura, quer dizer, queimando capital de giro, lucros, tomando empréstimos para diminuir prejuízos. É simplesmente impossível crescer sem reforma.
Dilma 2.0
O colapso do modelo nos levou a ter um PIB quase zero nos últimos dois anos, com uma inflação alta e o crescimento de despesas do governo ainda na faixa de 7% a 8% ao ano acima da inflação. Acho que a presidente Dilma viu que isso ia obviamente nos levar à perda do grau de investimento. O Brasil tem uma vantagem enorme sobre outros países, como Argentina e Venezuela, porque ele sabe muito bem que perder o grau de investimento é um desastre.
Efeito surpresa
Por que fiquei muito surpreso com Joaquim Levy? Eu jamais esperaria alguém tão ortodoxo. Ele é muito mais ortodoxo do que qualquer um que o PSDB pensasse em colocar. Mas a gente tem que estar preparado para o próximo passo, que tem que ser logo, que são as reformas. Porque senão tudo isso adianta pouco ou vai servir só para ganhar tempo.
Reformas, mais que ajustes
A primeira coisa a fazer é um ajuste fiscal. Agora, isso não resolve nosso problema, nem de longe. Melhora a alocação de capital, mas não é por conta disso que você vai crescer. O que o governo está fazendo agora não são reformas, mas cortar coisas grosseiramente erradas, como alguém ficar seis meses no emprego e ter seguro desemprego, não ter Cide - todo país do mundo tem Cide -, segurar tarifa pública... Todo mundo ficou muito impressionado com a rapidez e agilidade com que o Joaquim Levy fez isso. Mas, para crescer, o Brasil tem que resolver esse dilema de tamanho do governo e do mercado de trabalho. E é a parte mais dura de fazer. Por que eu sou cético? Porque isso não é o que o PT quer. Obviamente quando estivermos perto da próxima eleição, aí essas questões voltam à tona.
Chão da fábrica
A análise desses fatos vem sendo dada por consultorias ou bancos que olham do lado otimista. Não é alguém que está no chão da fábrica, com milhares de funcionários e lidando com esse problema de falta de reformas. Eu diria que a confiança do empresário que está na economia real é bem distante [daquele] da economia financeira. A vida está bem mais difícil e será bem mais difícil. Não que aqui a gente não sofra junto, sem IPOs, sem fusões e aquisições, mas obviamente não se compara com a situação da indústria e do comércio, que têm de competir com China, Coreia, México, e que vão ver essa fase do ajuste bem dolorosa nas suas vendas deste ano.
A sorte acabou
Estamos passando por essa fase ruim junto com uma queda expressiva de preço das commodities e com um risco de racionamento de água e de energia. Isso aí não é culpa de ninguém, simplesmente a nossa sorte acabou. Tem um lado do mercado hoje que diz: puxa, finalmente a matriz econômica é boa. E tem um lado da esperança, que é importante, de confiança dos estrangeiros, que gostam do que estão vendo. E você vai passar o ano inteiro numa espécie de batalha entre expectativa e realidade, entre ver o quanto você aguenta do ruim para esperar um futuro melhor.
Ano bíblico
Tem um filme dos irmãos Coen, "Um Homem Sério", que menciona o tempo inteiro um capítulo da Bíblia. É a história de Jó. Ele era um homem sério e um dia Deus aposta dizendo: se eu tirar tudo dele, será que ele ainda vai acreditar em mim? Ele fica doente, perde a mulher, depois todo o dinheiro. E 2015 vai ser a história de Jó. Você tem Deus conspirando contra o Brasil: não dá agua, não tem energia, os preços das commodities estão caindo, o governo aperta em 2% do PIB... Mas vamos estar mega otimistas porque 2016 vai ser melhor! Estou vendo que vamos viver o nosso ano bíblico.
Preços errados de ações e do real
Eu olho os preços dos ativos brasileiros e penso em manter estratégias principalmente nos preços que estão errados, que são os das ações e o do câmbio. Como a gente nunca sabe o que vai acontecer, a grande questão é ver o que está no preço. Na história do Verde, pegamos seis ou sete vezes um salto de mercado negativo e duas vezes um positivo. Quando o Lula ganhou, em janeiro de 2003, com o risco Brasil em 2 mil pontos, o dólar a R$ 4 e a bolsa em 10 mil pontos, eu disse: bem, vou dar o benefício da dúvida. Essa era uma tremenda oportunidade de pegar um 'upside'. Agora, não é que eu acredito zero que isso [as mudanças econômicas] vai dar certo. Evidentemente eu estou muito mais feliz com o Joaquim Levy do que estava antes, mas eu olho preços relativos. Talvez se o Ibovespa estivesse em 30 mil pontos e o câmbio em R$ 4, eu não estaria falando isso.
Vendido em bolsa
Acho que esse desafio de expectativa versus realidade vai ser dominante neste ano no fronte doméstico. E continuo achando que os ativos estão precificando somente o lado bom disso. Tinha uma posição de venda do Ibovespa em dezembro, mas acabei zerando por conta do efeito Rússia. Agora estou reabrindo, mas via uma estrutura de opções, assim como o câmbio. É um seguro, com risco de capital delimitado. Às vezes me sinto quase um antipatriota, porque vou lucrar se o Brasil for mal, mas, no limite, acho que o mercado está se posicionando com excesso de otimismo. Quer dizer, levou 20 anos para chegarmos a um PIB zero e um déficit nominal de 6,5%. Precisa de reformas profundas e elas não são nada fáceis de serem feitas, porque mexem nas estruturas trabalhista e tributária.
Poucas empresas eleitas
Tenho uma posição de uns 5% do patrimônio comprado em ações, mas hedgeada [protegida]. Então diria que minha exposição em ações no Brasil está mais ou menos zerada. Obviamente em toda mudança de matriz econômica você tem ganhadores e perdedores, mas, honestamente, se a indústria brasileira não renascer e não ganhar um pouco de competitividade, vamos ter sérios problemas. Nesse modelo existente no Brasil, que criminaliza o empresário, quem vai dar emprego no futuro?
Se Jó perder a esperança
Como o Banco Central continua vendendo swap, está dando um certo suporte ao câmbio. Além disso, o que muito me surpreendeu, saíram dados inesperadamente ruins dos Estados Unidos, que poderiam levar o Fed [Federal Reserve, o banco central americano] a demorar mais para subir o juro. Isso dá um pouco mais de suporte às moedas de mercados emergentes. Mas isso não vai resolver nosso problema, porque, com um câmbio em R$ 2,60, vamos fazer um déficit em conta corrente de 4% ou 4,5% neste ano. Estou me posicionando para um dólar muito mais apreciado, mas com risco limitado, acima de R$ 3 se essa equação bíblica não for bem-sucedida. Quer dizer, se Jó perder a esperança em Deus.
Sem juro na estratégia
Eu não tenho grandes teses de investimento em juro. Estou hoje mais focado em eventualmente pegar um grande estresse da bolsa para baixo e na depreciação do real. Porque, no limite, se as coisas não forem bem, uma depreciação do câmbio resolve. Se o câmbio deprecia um monte, naturalmente um produto importado do México ou da Coreia vai ficar mais caro. Você dá uma sobrevida à indústria nacional e põe de volta no lugar o nosso custo unitário de trabalho, que é altíssimo para qualquer padrão do mundo.
País não vai quebrar
É muito melhor você ter o equilíbrio virtuoso, mas se o equilíbrio virtuoso, que é com reformas, não der certo, o vicioso sempre resolve, que é mais inflação e mais depreciação [do câmbio]. Então quando eu digo que sou pessimista, não digo que o Brasil vai quebrar, longe disso. Ele vai para o equilíbrio vicioso.
Duplamente pessimista
Independentemente de eu ser gestor do Verde, de ver o risco/retorno, [se quiser saber minha opinião] só como um ser pensante, de fato eu acho que vai dar errado mesmo [o atual modelo econômico]. Porque acho que são necessárias reformas muito profundas, independentemente de eu me sentir antipatriótico. Me sinto péssimo falando isso, mas acho que não vai dar certo. Embora eu ache 'que bom, valeu, foi uma boa tentativa'.
Quem não erra?
Posso estar errado? Óbvio. Quem previu em 2 de janeiro do ano passado, com a Treasury a 3% e o petróleo a US$ 100, que o ano ia acabar em 2% e US$ 50? Nunca imaginei que a Dilma fosse colocar alguém como Levy. O Ministério da Fazenda é o coração do governo. Você tem um orçamento limitado, e agora mais limitado do que era antes, e sofrendo todas as pressões. Não é uma coisa trivial quando você dá o coração do governo a alguém que pensa estruturalmente diferente.
Modo 'light'
Até vejo gente muito inteligente e boa, como o Henrique Meirelles ou o Luis Carlos Mendonça de Barros pensando radicalmente diferente de mim. Se eu tivesse certeza do que eu estou fazendo, não ia fazer uma posição de opção de índices. Faria um negócio muito mais forte, o que não quer dizer que eu não possa fazer, dependendo das circunstâncias. Mas hoje eu estou obviamente com medo de ser atropelado por essa onda de otimismo. Por isso, eu tenho que fazer um negócio ainda light.
Quando o bem triunfa
Acho que a principal questão agora é olhar mesmo essa história de correção do modelo e [até] quanto as expectativas aguentam. E onde as expectativas triunfam? Se todo mundo que produz resolver aumentar a capacidade, aumentar a produção, ou abrir mais lojas, acreditando num futuro melhor, apesar da conjuntura ruim, isso é relevante. Aí significa que o Joaquim Levy vai ganhar. Existe obviamente essa possibilidade.
Desempenho passado
Em 2012 e 2013, executamos maravilhosamente bem. Em 2014, não diria que o ano foi ruim, só foi sofrível, [o Verde] deu um pouquinho abaixo do CDI. Mas em termos de economia brasileira, pelo menos, aconteceu tudo aquilo que a gente sempre achou que ia acontecer, desde 2010. Naquele ano, escrevi um texto no relatório do Verde chamado "Moto-Contínuo Tropical", em que disse: isso aqui vai dar muito errado. Às vezes você pode estar certo e executar errado, mas faz parte da vida. Teve gente no ano passado que executou melhor do que eu, mas acho que a gente estava certo mesmo.
Um 2014 para esquecer
Acho que um dos momentos piores da história do Verde foi o ano passado. Não consigo me lembrar de uma época pior, embora obviamente a memória esteja mais fresca. Existem outros momentos de sofrimento, mas não com essa magnitude e tempo. Primeiro pela questão do dólar. Quando a Treasury caiu de 3% para 2,5%, o dólar enfraqueceu no mundo e estruturalmente isso foi contra a nossa tese. E segundo pela questão eleitoral. Eu achava que a Dilma tinha 90% de chance de ganhar e o mercado chegou a precificar a Marina com 90%. O pior sofrimento como gestor é quando os mercados vão contra o que você acredita.